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Entenda como denúncia de venda do óleo da cannabis pode afetar a vida de quem precisa do medicamento

Prisão de empresário baiano gera incerteza em quem precisa do óleo da cannabis no estado

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Larissa Almeida

Publicado em 15 de março de 2025 às 05:00

Cannabis
Cannabis Crédito: TV Brasil

A prisão de Vitor Lobo, ex-presidente da Associação de Apoio ao Tratamento com Canabinoides (AATAMED) e proprietário da CBDMed Brazil, uma distribuidora de produtos farmacêuticos, em Salvador, licenciada a vender óleo da cannabis para uso medicinal, trouxe preocupação à vida de quem precisa do medicamento e daqueles que estão na luta pela ampliação do acesso aos derivados da planta na Bahia. De um lado, há incerteza sobre a obtenção da medicação e, do outro, temor quanto a possíveis retrocessos no debate e política sobre a descriminalização.

Vitor Lobo está preso desde segunda-feira (10), acusado de liderar um esquema de venda clandestina de maconha líquida para uso recreativo em cigarros eletrônicos. Ele ficará preso por 30 dias, à disposição da Justiça, até possível revogação da medida. A prisão ocorreu durante uma operação do Departamento de Narcóticos (Denarc), que cumpriu 24 mandados de busca e apreensão e prendeu dois suspeitos, incluindo ele, em São Paulo.

A repercussão da prisão do empresário já trouxe apreensão na auxiliar administrativa Flaviana Oliveira, 30 anos, que desde 2019 recorre a ele para conseguir o óleo da cannabis para tratamento de crises convulsivas da filha, que vive em Salvador. “Eu o conheci através de outra mãe e ele me encheu de esperanças, me ajudou com o fornecimento do óleo e a dar entrada com pedido judicial”, inicia o relato.

“Recebi só uma remessa do Canabidiol pelo SUS, mas, mesmo assim, ele continuou fornecendo para a minha filha até hoje. Inclusive, o último frasco que ela tem foi fornecimento da empresa dele. Mês que vem eu não sei como vai ser. Minha filha não consegue ficar sem esse medicamento e acaba entrando em crises convulsivas, e parando no hospital”, completa Flaviana.

Mariane Ventura, médica de família e comunidade especialista em dor e cannabis medicinal, há cinco anos atua na área e presta assistência às pessoas que precisam de medicamentos derivados da planta. Ela revela que teme que o caso envolvendo o empresário dificulte o acesso ao medicamento.

“Quando falamos de cannabis, falamos de uma planta que até certo ponto é vista como proibido e como uma droga, assim como certo ponto é vista como medicinal. Há uma dicotomia tanto em relação aos discursos quanto às políticas. [...] O que eu vejo é que esse caso pode gerar uma maior desconfiança, tanto por parte das pessoas, dos profissionais de saúde e dos políticos, e impactar negativamente o mercado”, diz.

Burocratização

Apesar de legislações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Conselho Federal de Medicina respaldarem o uso de algumas formas da canabis para pacientes em determinados casos clínicos – como microcefalia, epilepsia e alguns níveis de autismo – e haver bastante burocracia para obtenção dos medicamentos, o que também preocupa a médica é a possível falta de avanço na desburocratização do acesso às medicações.

“Há uma burocracia muito grande. É preciso ter uma receita médica e comprar o produto. Se for importado, é preciso fazer um cadastro na Anvisa e o produto chega pelo Correios. Se for um produto pela associação, é preciso se associar, fazer a compra ou pedir pela receita azul na farmácia, que é uma das receitas mais controladas. Nós precisamos melhorar o acesso, os preços e as opções de produtos. Então, vejo que esse tipo de caso pode impactar no avanço das políticas de acessibilidade”, frisa.

Leandro Stelitano, fundador e presidente da Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal do Brasil (Cannab) e diretor de Ciência e Tecnologia na Associação Brasileira de Cannabis e Cânhamo Industrial (ABCCI), por sua vez, entende que o esquema no qual Vitor Lobo é acusado de estar envolvido diz respeito à criminalização do uso recreativo da maconha e, portanto, não deve desfocar as associações do trabalho que é feito para a garantia do uso da cannabis nos tratamentos medicinais e terapêuticos.

“Desde 2017, nós acolhemos mais de 3 mil famílias de forma gratuita na Bahia com um grupo de médicos voluntários. Esse é o trabalho das associações e vamos continuar lutando por um cultivo da planta no Brasil, para que toda a população tenha acesso ao tratamento com cannabis”, destaca Leandro.

A Cannab, só no ano passado, realizou mais de 2 mil atendimentos para pacientes com casos clínicos que demandavam o uso dos derivados da cannabis no estado. A associação é ligada à Federação das Associações de Cannabis Terapêuticas do Brasil (FACT), que reúne as associações regularizadas que ajudam a ampliar o acesso à medicação. A AATAMED, associação da qual Vitor Lobo era ex-presidente, nunca foi registrada junto à FACT.

Segundo Leandro Stelitano, a Cannab já tentou obter licença judicial para comercializar o óleo de cannabis, mas teve o pedido negado depois de um longo tempo de espera na Justiça. Para ele, isso reflete a necessidade de maior discussão e quebra de preconceitos sobre o tema, bem como compreensão dos benefícios que a planta pode oferecer à saúde de milhares de brasileiros.

O antropólogo Lucas Barbosa, 32, consome o produto medicinal há quase três anos e defende não só a desburocratização do acesso à cannabis enquanto medicamento, mas também para uso recreativo. “Descobri como um grande remédio para meu tremor essencial e crise de ansiedade. O uso da maconha regula meu sistema endocanabinoide, faz os tremores diminuírem e acalma a ansiedade. Faço tratamento com óleo, mas prefiro as flores. Acredito nas múltiplas formas de uso da planta, que tem uma importância fundamental na minha vida porque representa vida, ciência e cultura”, declara.

Para ele, a denúncia envolvendo a venda de cannabis para fins recreativos não deve dificultar a situação da regulamentação ou da burocracia, mas sim provocar um debate. “Só é mais um caso em que a sociedade precisa refletir porque proíbem um medicamento. Aqui, nossa juventude está tomando tiro, enquanto em outros países o estado fatura no imposto”, finaliza.