Em greve, alunos da Uefs são surpreendidos com viatura

Estudantes acreditaram que estavam sendo alvo de intimidação; PM disse que fazia Ronda Escolar

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  • Larissa Almeida

Publicado em 11 de outubro de 2023 às 05:00

Estudantes da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), que estão em greve desde a última sexta-feira (6), relataram terem sido surpreendidos por uma viatura da Ronda Escolar da Polícia Militar (PM) na noite de segunda-feira (9), enquanto estavam reunidos na universidade. Segundo relatos, policiais tentaram entrar no local através do portão lateral, mas foram impedidos pelos alunos, que acreditaram que estavam sendo alvo de intimidação em função da greve.

"Recebemos uma mensagem dizendo que um carro da polícia estava tentando entrar no portão lateral. Todo mundo foi para lá [com intuito de] impedir que eles passassem, porque a polícia não tem autorização para entrar na Uefs normalmente. Existe a autonomia da universidade. Eles [PMs] alegaram que era para fazer a Ronda Escolar, porque a Uefs tem uma escola municipal que funciona NO LOCAL. Mas não fazia sentido, porque a escola não funciona naquele horário", afirma a estudante Raiane Ferreira, de 21 anos.

Estudantes registraram momento em que a Ronda Escolar da PM chegou à Uefs Crédito: Divulgação

Questionados em relação ao horário incomum para a Ronda Escolar, uma vez que não havia escola em funcionamento, os policiais militares teriam mudado a versão e dito aos alunos que estavam na universidade em razão de um ofício da Reitoria. "Eles se contradisseram várias vezes. Primeiro, eles falaram que não precisavam apresentar autorização nenhuma e que iam entrar porque eram o Estado. Depois, disseram que a reitoria mandou um ofício solicitando a entrada deles, por e-mail. Nós solicitamos ver esse ofício e eles não mostraram", conta Raiane.

Em nota divulgada ainda na noite de segunda-feira, a gestão da Uefs, por meio das representantes da Reitoria, negaram qualquer solicitação de intervenção nos atos do movimento estudantil “por ação de força policial ou de qualquer outra espécie que não fosse o diálogo entre estudantes e gestores”. Ainda informaram que solicitaram elucidação sobre os fatos ao Comando da Polícia Militar por meio de ofício.

Por sua vez, nesta terça-feira (10), a PM disse ao CORREIO que a Ronda Escolar realizou patrulhamento em torno da Uefs na noite de segunda-feira, assim como realiza diuturnamente. As informações, segundo a pasta, foram obtidas por intermédio do Comando de Policiamento Regional Leste (CPRL).

Já a Secretaria de Educação disse que teve acesso às mesmas informações dadas aos alunos, através da Polícia Militar.

Entenda a greve

A greve de estudantes, instaurada por meio de assembleia e votação que contabilizou 806 pareceres favoráveis e 700 contrários, tem como principal motivação a falta de professores em diversos cursos de graduação da Uefs. De acordo com levantamento obtido pelos alunos, há déficit de aproximadamente 200 professores Na universidade estadual .

Alunos participaram da Assembleia Geral dos Estudantes, que deflagrou a greve na sexta-feira (6) Crédito: Comando de Mobilização (Comob)

A situação se repete na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), onde é estimada a falta de mais de 200 professores, segundo a Associação de Docentes da Uneb (Aduneb). Em todo o estado, é projetado que o número seja ainda maior. O Fórum das Associações Docentes, que faz essa contagem, foi procurado pela reportagem, mas afirmou que ainda não tem o dado do levantamento por falta de resposta de algumas reitorias.

No curso de Psicologia da Uefs, o quadro mínimo de docentes está com baixa de 11 profissionais. Dessa forma, dos 33 professores necessários para ministrar disciplinas obrigatórias e optativas, o curso só conta com 22. Por conta dessa situação, a estudante Ingrid Moraes, 21, resolveu aderir à greve e detalhou como tem sido afetada.

“O curso de Psicologia é de cinco anos, mas provavelmente será maior porque estamos com muitas disciplinas obrigatórias e optativas que não estão sendo ofertadas pela falta dos professores. Além disso, não estamos tendo oportunidades de iniciações científicas e projetos em extensão devido à sobrecarga dos docentes. Tem sido bem complicado. [...] Isso impacta nosso tempo no curso, disponibilidade de disciplinas, de campos de estágio”, ressalta.

Na grade do primeiro semestre do curso de Química da Uefs, das cinco disciplinas obrigatórias, apenas duas foram ofertadas no segundo período de 2023 por falta de professores. Já no curso de Medicina, faltam 18 docentes para ministrar disciplinas consideradas indispensáveis para a graduação. O cenário não muda nem quando o olhar recai para outra área do conhecimento. No curso de Licenciatura em História, Raiane Ferreira, apresentada no início desta reportagem, também relata faltar disciplina básica do curso pelo déficit de profissionais contratados.

Diante do quadro geral, os estudantes que aderiram à greve pedem que o Governo do Estado convoque e contrate os professores que já foram aprovados em concursos no estado. Além dessa pauta, eles reivindicam a reformulação e reajuste do Mais Futuro, programa estadual de assistência estudantil, visando a permanência universitária, que dá ajuda de custo entre R$300 e R$600 aos estudantes universitários – valor considerado baixo em comparação com o custo de vida no estado.

Os estudantes ainda pedem que haja ampliação de recursos para a permanência estudantil e aumento do orçamento universitário de todas as universidades estaduais da Bahia com 1% e 7%, respectivamente, da receita líquida do estado.

Acampados no campus da universidade durante todos os dias e noites desde que foi deflagrada a greve, eles também solicitaram que a Reitoria assinasse um termo de não retaliação. Aqueles que aderiram à greve temiam que o pagamento de bolsas fosse suspenso, assim como energia, água e funcionamento do restaurante universitário, além do sofrimento de outras sanções. O pedido, feito no sábado, só foi acatado nesta terça-feira (10), após reunião entre os movimentos estudantis, estudantes grevistas e a Reitoria. A greve continua sem previsão de fim.

O que dizem as autoridades

Em nota, a Secretaria de Educação da Bahia (SEC-BA) disse que, no último sábado (7), o Governo do Estado publicou no Diário Oficial processos que envolvem autorizações para 638 incorporações de profissionais, sejam através de concurso, seleção pública, nomeações ou contratações. Isso corresponde admissão de 293 docentes e 345 técnicos administrativos, com investimentos de R$ 32,3 milhões, em três das quatro universidades estaduais. Segundo a SEC-BA, agora cabe às universidades publicarem editais para realização de concurso público e seleção pública, assim como atos de convocação e nomeação.

A pasta ainda reforçou que mantém seus canais de diálogo abertos com as universidades, assim como com a comunidade acadêmica. Questionada sobre o número do déficit de professores universitários no estado, não respondeu.

A gestão da Uefs foi procurada para informar os dados do déficit de professores na universidade, se posicionar sobre a greve e atualizar sobre o estágio do processo de contratação de novos professores, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

Contra a greve

A maioria dos estudantes dos cursos de Medicina, Odontologia, Direito, Engenharia Civil e Farmácia optaram por não aderir à greve feita pelos demais alunos. Entre as razões que contribuíram para esta decisão, é destacada a falta de necessidade da greve, visto que já há movimentação do Governo do Estado para solucionar a questão da falta de professores, bem como a pouca organização.

“Os alunos que conversaram comigo elencaram praticamente os mesmos motivos. [...] Eles acharam que a realização da Assembleia Geral dos Estudantes foi muito mal feita. A logística por trás da greve era terrível. A principal demanda dos alunos dos cursos já estava em andamento. Da minha perspectiva, além desses dois problemas, há a questão da pauta. Em 24 horas foi marcada e votada uma greve com temas orçamentários já discutidos em greves anteriores”, critica o estudante de Direito, João Lucas Lins, 22 anos.

Por serem contrários à greve, estudantes de Medicina chegaram a ser hostilizados durante a assembleia feita na sexta-feira, nas redes sociais e no restaurante universitário, conforme relata um estudante, que preferiu manter sua identidade em anonimato. “Quando estávamos no fechamento do pórtico, tive que defender calouros meus de insultos. Quando nos demonstramos contra a greve, meus colegas foram duramente xingados. Uma colega minha foi chamada de todos os xingamentos inimagináveis além de alguns indivíduos terem ameaçado fisicamente algumas pessoas”, conta.

Além disso, montagens com os símbolos dos cursos e de autoridades ligadas ao Governo do Estado e à Uefs foram feitas para insultar aqueles que discordavam da greve e circularam em aplicativos de mensagens. O Diretório Acadêmico de Medicina da Uefs chegou a publicar uma carta aberta nas redes sociais, citando vaias e intimidações que estudantes que não concordavam com a greve sofreram, e declararam rompimento com o movimento, que consideraram “ilegítimo” e “caótico”.

*Com orientação de subchefe de reportagem Monique Lôbo