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Fernanda Santana
Publicado em 17 de setembro de 2023 às 05:00
Em um quilômetro de caminhada, é possível encontrar seis farmácias. Na última década, elas foram abertas no lugar de lojas de móveis, concessionárias, restaurante de comida italiana, lanchonetes e salões de beleza. O bairro onde os estabelecimentos estão, a Pituba, concentra o maior número de drogarias de Salvador e é um exemplo de como a expansão das farmácias muda a paisagem urbana da cidade. >
O número de farmácias está quase dez vezes maior na capital baiana desde 2010. Naquele ano, existiam 187 drogarias ativas em Salvador. Hoje, são 966 delas, espalhadas por 319 bairros, calcula o Conselho Regional de Farmácia do Estado Bahia (CRF).>
Para te mostrar o que essa expansão muda nas ruas, a reportagem utilizou imagens de satélite públicas produzidas entre 2012 e 2022, que refletem o crescimento do setor. Só no ano passado, foram abertas 100 drogarias em Salvador – ou seja, a cada três dias, em média, uma farmácia foi inaugurada.>
A crise sanitária é o impacto positivo mais recente para a expansão das farmácias no Brasil, somado por mudanças socioeconômicas. A primeira delas é o envelhecimento da população. >
De 2000 a 2022, o brasileiro ganhou seis anos a mais de expectativa de vida – de 69 para 77 anos, segundo o IBGE. No país, existem 122 mil farmácias que atenderam um bilhão de pessoas e faturaram R$ 58 bilhões em 2022, de acordo com a Associação Brasileira Redes de Farmácias, que representa o setor. >
Bernardo Cabral, professor de Economia da Universidade Federal da Bahia que pesquisa indústria hospitalar.
Cargo do AutorOs avanços nas pesquisas científicas também alavancaram o setor farmacêutico na última década, junto ao aumento do poder de compra do brasileiro, avalia o professor. Permitidas pela legislação, as farmácias também se transformaram em estabelecimentos onde se compra de tudo, inclusive remédios - reflexo da autorização legal e da maior capilarização das farmácias que de mercados nas ruas. >
Até os anos 90, as farmácias lembravam as boticas, espaços onde os medicamentos eram mais manipulados, menos industrializados. Na virada do século, as redes de farmácia começam a avançar pelo país, com uma estratégia econômica e territorial: abrirem próximas umas das outras, para competir pelo cliente. Na paisagem urbana, isso significa aglomeração. >
Deborah Pereira, farmacêutica e arquiteta especializada em arquitetura hospitalar.
Cargo do AutorO período de avanço das drogarias converge com uma mudança urbana: a verticalização da cidade. Casas são demolidas para a construção de prédios ou estabelecimentos comerciais – entre eles, as farmácias. O perímetro entre os bairros da Vitória, Canela, Graça e Barra também reflete esse movimento. >
Na Rua da Graça, dois casarões vizinhos, onde funcionavam uma lanchonete e uma loja de roupas, viraram duas farmácias. A 100 metros delas, estão outras quatro farmácias – uma delas incorporou a estrutura da casa e funciona no térreo.>
A mudança que as farmácias provocam na paisagem urbana varia de acordo com onde estão. As farmácias de rede, concentradas nos bairros mais centrais, apostam em modelos pré-moldados reproduzidos independentemente do endereço.>
A liderança do negócio, no entanto, ainda é dos pequenos e médio empresários - 84% são comandadas por esses empreendedores, segundo o Sebrae. >
Nesses casos, explica a arquiteta Deborah Pereira, as mudanças provocadas pelas farmácias na paisagem urbana variam mais entre si. Até porque, geralmente, cada empresário costuma abrir apenas uma farmácia – diferentemente das drogarias de rede. >
É o que acontece na Fazenda Grande do Retiro, segundo bairro com mais farmácias em Salvador – são 25. Elas, na maioria das vezes, substituíram estabelecimentos de moradores e são avizinhadas por uma diversidade de negócios. Para chamarem atenção, as drogarias também apostam nas cores e na exclusividade dos serviços. >
“Estamos focando no atendimento farmacêutico, para muita gente daqui a farmácia acaba sendo a única assistência à saúde”, conta Vitória Torres, dona de uma farmácia no local. >
A reportagem enviou perguntas para a Pague Menos, Drogasil, São Paulo e Globo, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem. >
A Pituba, bairro com maior quantidade de farmácias em Salvador (30), reúne os principais fatores que justificam a proliferação das farmácias nas ruas. Primeiro, o envelhecimento da população: 11,4% dos moradores do bairro têm mais de 65 anos. Há ainda o impacto do poder econômico da população local sobre a indústria farmacêutica: a renda média mensal por habitante da Pituba é de R$ 3,1 mil. O perímetro que engloba Pituba, Caminho das Árvores e Itaigara reúne 48 farmácias. >
Nesses locais, elas surgiram tanto no lugar de casas, quanto de estabelecimentos comerciais que perderam força ao longo dos anos. A maioria das farmácias nessa região é de rede – o que é justificado pela possibilidade de rentabilidade mais alta dos negócios nesses territórios.>
“Se tem uma farmácia em um determinado lugar, é porque ela percebeu algo sobre a região. O concorrente vai lá e coloca uma do lado. Essas redes grandes de farmácia vão começar por bairros com rendas mais altas, porque garante rentabilidade mais alta, mas no futuro não é impossível pensar que elas vão se expandir mais para os bairros”, explica o professor Bernardo Cabral. >
A farmácia aberta por Vitória Torres, 25 anos, há dois meses, é uma das cinco da Rua Melo Morais Filho, na Fazenda Grande do Retiro. O bairro tem a segunda maior concentração de drogarias de Salvador - são 25 em situação regular. Tem farmácia que substituiu igreja, abatedouro de galinhas e lanchonete. "O bairro é popular, com um público bem idoso, que faz tratamento contínuo. Temos bastante esse público aqui", arrisca Torres sobre o porquê de tantas drogarias no endereço.>
O envelhecimento das pessoas do bairro, no entanto, não explica, sozinho, a quantidade de farmácias por lá. Até porque só 5% da população local tem mais de 65 anos. "Estamos focando no atendimento farmacêutico, para muita gente daqui a farmácia acaba sendo a única assistência à saúde", sugere Torres sobre um outro possível motivo para a concentração de farmácias no endereço. Para Bernardo Cabral, professor da Faculdade de Economia da Ufba, essa avaliação faz sentido. "Em locais onde não há uma rede de saúde ou é difícil de chegar, a farmácia pode ser o único contato da pessoa com a saúde", diz. >
Em 2017, uma casa azul e branca, com muro preto e branco, da Rua Frederico Costa, foi para o chão. No ano seguinte, surgiu uma farmácia de rede no lugar. A história se repete no bairro. No ano passado, foram abertas 15 farmácias na região, onde existem 40 farmácias – considerados os bairros que faziam parte de Brotas, mas se tornaram localidades independentes*. Hoje, vivem nessas áreas 182 mil pessoas, segundo a Prefeitura de Salvador. A densidade demográfica local é um dos chamarizes para a chegada de mais farmácias a cada ano – tanto de pequeno e médio porte quanto de rede. "Encontramos algumas regiões com várias farmácias no mesmo lugar, como Brotas. A proximidade da residência é um dos grandes benefícios da economia da localização. Com uma farmácia próxima a regiões de residência o consumidor pode ter uma concorrência de preço barateando os preços dos medicamentos localmente", explica Thiago Rodrigues, mestre em Economia e assessor de investimentos. >
*Cosme de Farias, Engenho Velho de Brotas, Vila Laura e Acupe.>
O perímetro que reúne os bairros da Vitória, Graça, Barra e Canela reúne 32 farmácias – a maioria de grandes redes, como na Pituba. "Podemos afirmar que todas as farmácias, todos os empreendimentos espalhados pela Graça, Vitória, ocupam lugar de residências. Nas avenidas Euclydes da Cunha e Marques de Caravelas, o que hoje são farmácias eram casas e antigas chácaras, construídas entre os anos 12 e 15 ", explica Rafael Dantas, mestre em História pela Ufba e pesquisador da história material e iconográfica de Salvador. Um exemplo dessa transformação de casas em farmácias está na entrada do Corredor da Vitória, em direção ao Campo Grande. O térreo de um casarão do início do século 20 foi substituído por uma farmácia, em 2019 – os andares acima dela são de um prédio comercial. “Antes, a casa estava toda preservada dentro, com escadaria em madeira, portas e assoalho. Era ocupado por um curso de inglês”, detalha Dantas. Na Rua da Graça, uma das farmácias se integrou à estrutura do casarão onde foi aberta, em 2018. >