Elon Musk antenado: nova aposta do homem mais rico do mundo leva internet aonde não tem

Tecnologia não depende de técnicos para instalação e pode ser facilmente transportada

  • Foto do(a) author(a) Carolina Cerqueira
  • Carolina Cerqueira

Publicado em 21 de janeiro de 2024 às 16:00

Serviço de internet da Starlink é vendido pela empresa SpaceX
Serviço de internet da Starlink é vendido pela empresa SpaceX Crédito: Divulgação/Starlink

Visionário empresário por trás da SpaceX e Tesla, Elon Musk está empenhado em exercer influência global a partir da conectividade. Reconhecido como o homem mais rico do mundo, Musk adquiriu recentemente a plataforma X (anteriormente Twitter) e lançou o Starlink, prometendo "internet de alta velocidade disponível em quase qualquer lugar do mundo". Este projeto é visto como revolucionário não apenas porque busca transformar a forma como nos conectamos, mas também por visar proporcionar acesso à internet em regiões remotas e isoladas.

O kit do Starlink vem com uma antena, um roteador e dois cabos. Na prática, é um modem de wifi que não precisa de cabos subterrâneos, postes ou torres e que, justamente por isso, pode ser instalado por qualquer pessoa em locais remotos e ainda ser facilmente transportado. Vai fazer uma viagem de alguns dias e quer levar a internet com você? Pode!

Elon Musk, fundador da SpaceX
Elon Musk, fundador da SpaceX Crédito: Reprodução/Redes Sociais

O esquema é parecido com as antigas antenas de TV a cabo porque também precisam ficar do lado de fora, voltadas para o céu, mas com um ‘quê’ a mais. A partir de uma tecnologia chamada de matriz faseada, a starlink orienta automaticamente seus feixes de radiação para a direção que melhor captar o sinal do satélite mais próximo.

É aí que o investimento em foguetes se conecta com a oferta do serviço de internet. São os dispositivos construídos e lançados pela empresa SpaceX, da qual Elon Musk é o CEO, que instala os satélites da starlink no espaço orbital da Terra. Essa instalação, por sinal, também tem um ‘quê’ a mais. Enquanto a maioria deles fica a cerca de 36.000km de distância (geoestacionários), os da SpaceX ficam a 550km (baixa órbita).

Satélites da starlink ficam a 550km da Terra
Satélites da starlink ficam a 550km da Terra Crédito: Reprodução

Os satélites não ‘criam’ a internet, funcionam como repetidores do sinal que sai da Terra. O diferencial da chamada internet via satélite é que a conexão é estabelecida diretamente da antena da sua casa com o espaço, sem precisar passar por um entreposto terrestre operado pelas empresas de banda larga e fibra óptica.

Por que a starlink ganha força no mercado?

Uma menor distância significa um menor tempo necessário para a captação e distribuição do sinal (chamado de latência). Ou seja, vai demorar menos entre o ‘play’ que você aperta e o início do filme, os downloads vão ser mais rápidos e aquela bolinha que indica o carregamento de uma página vai ser bem mais escassa.

Podendo chegar a até 220 mbps, é de cair o queixo de quem viveu na época da internet discada, com seus míseros 57 kbps. Não chega a superar a fibra óptica (que pode passar de mil), mas também é de cair o queixo de quem, mesmo em pleno 2023, não conseguia sequer acesso à internet.

Angelucci Figueiredo, de 49 anos, mora na Ilha dos Frades, que pertence a Salvador, e relata a mudança depois da compra da starlink. Dona no Restaurante Preta e da Pretoca Pousada, não ficava somente sem uma boa internet para uso pessoal, como também não conseguia fazer contato com seus clientes. Era preciso ter um funcionário na área soteropolitana continental para fornecer informações e coordenar as reservas. “Eu perdia clientes o tempo todo, até mesmo porque muitos apareciam querendo um local com wifi para fazer home office e aqui não tinha a menor condição disso”, relata.

Antena pode ser transportada
Antena pode ser facilmente transportada Crédito: Divulgação/Starlink

Angelucci já havia testado empresas de internet via cabo, sem sucesso. A justificativa, segundo Bruno Oliveira, de 29 anos, também morador de Ilha dos Frades, é que as operadoras não conseguem levar estrutura de cabos, antenas e torres para todo o território nacional. “O custo é alto e nessas localidades mais distantes dos grandes centros, com menos gente, não ia compensar o investimento”, diz o estudante de análise de sistemas.

No ano passado, ele foi o responsável pela instalação da starlink na empresa onde trabalhava como técnico de redes. Logo em seguida, resolveu adotar também na sua residência. “Eu não conseguia ver vídeos no serviço de streaming e, às vezes, nem nas redes sociais, ou fazer um pix, por exemplo. Coisas básicas que todo mundo faz a gente não conseguia aqui mesmo tendo dinheiro para pagar pelo serviço”, diz.

O valor da starlink é mais elevado do que o da concorrência e a vantagem fica mesmo no alcance de locais aonde a internet não chega ou chega com baixa qualidade. Para obter o serviço, o cliente precisa comprar o kit e pagar uma mensalidade. No site, o produto é anunciado por R$2.000 mais impostos e o valor mensal do plano mais barato é de R$180 mais impostos. Segundo Bruno, os preços com os impostos ficam cerca de R$3.400 e R$290, respectivamente.

Governo em alerta

A mensalidade está acima da média dos R$100 cobrados pelos serviços tradicionais, mas ainda assim é acessível para boa parte da população, podendo chegar também às mãos de quem faz mau uso da internet. Na Amazônia, garimpeiros ilegais vêm se beneficiando com a tecnologia via satélite que não precisa nem de técnicos para ser instalada. Até o surgimento de empresas como a starlink, o principal meio que eles tinham em locais isolados para se comunicar sobre a chegada de carregamentos ou operações da Polícia Federal era o rádio.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) informou que, em 2023, até setembro, foram registradas 32 apreensões de antenas de internet. “As apreensões têm como objetivo interromper as linhas de suprimento do garimpo ilegal para inviabilizar a atividade na região e forçar a saída dos invasores. O Ibama tem estudado, em conjunto com órgãos federais, como bloquear o sinal da starlink em áreas de mineração ilegal”, disse o órgão.

Além de crimes ambientais, a starlink também tem sido usada na guerra entre Rússia e Ucrânia. Em 2022, o governo ucraniano pediu diretamente a Elon Musk que enviasse antenas da starlink para o território ucraniano, que teve seus sinais bloqueados pelo governo russo.

“Enquanto o bilionário tenta colonizar Marte, a Rússia tenta ocupar a Ucrânia e, enquanto os foguetes da SpaceX pousam após retornar do espaço, os da Rússia atacam civis ucranianos”, escreveu no Twitter Mykhailo Fedorov, Vice-Primeiro Ministro e Ministro da Informação Digital da Ucrânia.

Aqui no Brasil, o bilionário também chegou ao nível de interação com o governo. A starlink obteve autorização para operar no país em janeiro de 2022 e, em maio do mesmo ano, Elon Musk esteve em São Paulo com empresários, autoridades e o então presidente Jair Bolsonaro. O objetivo era levar conectividade à Amazônia, mas o plano não foi concretizado até o momento.

“Na gestão anterior da Pasta, por iniciativa da empresa privada, foi feito um projeto-piloto em três escolas do Amazonas com duração de 12 meses”, respondeu o Ministério das Comunicações (MCOM). O Ministério da Educação foi procurado para responder por que o projeto não foi adiante, mas não respondeu até o fechamento da reportagem. 

Quem são as concorrentes da starlink?

A autorização da starlink para ofertar o serviço de internet no Brasil foi concedida pela Agência Nacional de Comunicações (Anatel), vinculada ao MCOM. Ela foi feita em duas etapas. Primeiro, é preciso receber o direito de exploração dos satélites e, depois, a autorização para ofertar o serviço de internet ao usuário final.

De acordo com a Anatel, somente outras três empresas, além da starlink, têm autorização para ofertar serviços de conectividade a partir de satélites de baixa órbita no Brasil: Swarm (estadunidense especialista em comunicação entre máquinas e monitoramento), Kepler (canadense que foi a primeira a levar internet banda larga de alta qualidade para o Ártico) e Telesat (canadense que oferece soluções de conectividade.

Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Telecomunicações por Satélite (Abrasat), a Swarm já está em operação, ao contrário da Kepler e Telesat. Outra empresa que possui o direito de exploração, a Amazon Project Kuiper, ainda não tem permissão para a oferta do serviço.

A starlink também tem concorrentes da categoria dos satélites geoestacionários (mais distantes da Terra), como Viasat e HughesNet, sendo essa última com foco em produtores rurais. Procurada, a Anatel informou que a empresa Starlink Brazil Serviços de Internet Ltda registra 126 mil acessos no Brasil.

Ela ocupa o 26º lugar do ranking de mais de sete mil empresas que ofertam o serviço de internet em território brasileiro. A Hughes fica em 17º e a Viasat em 98º. A título de comparação, Claro e Vivo ficam em primeiro e segundo lugar. A Tim aparece em 9º.

Como a starlink mexe com o mercado?

Para o cientista da computação Daniel Couto Gatti, Diretor da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia da PUC de São Paulo, a aposta de Elon Musk é bastante fundamentada. “A internet é a base de muita coisa hoje, abrange diversos ramos e somos cada vez mais dependentes dela. Sem falar que a starlink chega para preencher uma brecha no mercado, para atender um público de locais que as empresas tradicionais não atendem e parecem não ter o interesse comercial de atender”, coloca.

O presidente da Abrasat, Mauro Wajnberg, acredita que, justamente por focar em locais distantes dos centros urbanos, empresas como a starlink não concorrem diretamente com as tradicionais Claro, Vivo e Tim. “O Brasil é muito grande e tem uma demanda alta. Nenhuma empresa vai ser a heroína que vai resolver o problema de conectividade do país”, aponta.

Outro fator a ser considerado é que o serviço é voltado para o mercado doméstico, enquanto o corporativo apresenta outras demandas. “As empresas precisam de garantia de cobertura e de estabilidade, além de um suporte local de assistência, o que a starlink não tem”, acrescenta Wajnberg.

Já para o engenheiro elétrico Phillip Burt, professor do departamento de Engenharia de Telecomunicações e Controle da Universidade de São Paulo (USP), o serviço da empresa de Elon Musk pode ser uma grande ameaça para as empresas de internet via satélites geoestacionários. “Para os provedores de acesso terrestre, acredito que não represente um grande problema, mas são bastante competitivos em relação aos provedores de acesso via satélites geoestacionários”, diz Burt.

A instalação de satélites mais próximos da Terra é mais barata, mas há um ‘porém’. Com uma distância menor, apesar da alta velocidade ofertada, a cobertura será menor. Por isso, é necessária uma constelação de satélites. De acordo com a informação do laboratório estadunidense Celestrak divulgada pela BBC News Brasil, mais de cinco mil já foram lançados no espaço. Através do site oficial, a starlink diz oferecer uma cobertura em “quase qualquer lugar da Terra”.

Para baratear o processo de instalação, os foguetes da SpaceX foram desenvolvidos para fazer mais de uma ‘viagem’ e, assim, instalar mais de um satélite, enquanto a maioria dos concorrentes têm seus equipamentos destruídos após a primeira tarefa.

A Claro, Tim e Vivo foram questionadas se pretendem investir em internet via satélite e se encaram a starlink como concorrente direta. A Vivo disse que “avalia constantemente a possibilidade de expansão de sua rede para oferecer o melhor serviço a seus clientes em todo o país, considerando a demanda e critérios técnicos”. A Claro afirmou que foi classificada pela plataforma da Ookla, líder global em testes e medições de desempenho de internet, como a “operadora que oferece a banda larga fixa com a rede Wi-Fi mais estável, com download mais rápido, e a que apresenta maior crescimento de velocidade de download e upload no Brasil”.

A Tim não respondeu aos questionamentos, assim como a SpaceX, responsável pela starlink, que foi questionada sobre quantas antenas foram vendidas no país e em quais estados e quais medidas está tomando para que seu produto não seja usado para facilitar atividades criminosas como garimpo ilegal na Amazônia.

Planos e preços da mensalidade da starlink:

Residências - R$184

Pequenas empresas - R$730

Viajantes regionais - R$280

Viajantes internacionais - R$1.040

Viajantes internacionais avançados - R$1.283

Embarcações com demandas básicas - R$1.283

Embarcações com demanda de streaming e jogos - R$5.132

Embarcações com demanda avançada e muitos tripulantes - R$25.659

*Os valores não incluem os impostos e são referentes às mensalidades. O kit do produto custa R$2 mil, também sem o acréscimo de impostos. As compras devem ser feitas pelo site starlink.com.