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Gil Santos
Publicado em 3 de janeiro de 2024 às 21:04
As areias das dunas já encobriram um ponto de ônibus, atravessaram o asfalto e estão alcançando as portas dos condomínios da Rua Dr. Augusto Lopes Pontes, no Costa Azul. Em alguns trechos é impossível caminhar na calçada, porque não existe mais passeio, apenas areia. Grupos religiosos que sobem e descem as dunas são apontados como responsáveis. >
O militar da reserva Roberval Gomes, morador do bairro há 12 anos, contou que a esposa sofreu um acidente de moto pouco antes do Natal. Por conta da areia no asfalto, o veículo escorregou na pista e tombou. O marido disse que a situação piorou nos dois últimos anos, quando as dunas passaram a ser usadas com frequência para eventos religiosos. >
“Eu tenho um comércio aqui perto e vim correndo, demos socorro e ela está melhor, mas o que está acontecendo aqui é um absurdo. Todos os dias, no começo da manhã e principalmente no final da tarde os ônibus param, travam toda essa região e descem um monte de gente. Muitos são do interior. Eles sobem as dunas para fazer os atos religiosos e a areia está cedendo”, contou. >
A reportagem flagrou o momento em que um motociclista se desequilibrou, quase caiu e saiu praguejando. Moradores contaram que a Limpurb recolhe a areia do asfalto, mas que com o passar das horas o material volta a ceder. Pedestres também reclamaram da situação. A atendente Juliana Souza, 28 anos, disse que em períodos de chuva é complicado. “A água arrasta a areia e é muito difícil de caminhar”, contou. >
Para quem olha de longe, as dunas podem parecer apenas um monte de areia, mas os especialistas afirmam que ela preserva um ecossistema indispensável a vida humana. O presidente da Universidade Livre das Dunas (Unidunas), Jorge Santana, explicou que a região guarda resquícios de restinga, com vegetação e animais próprios desse local. >
“Ela é importante porque mantém o clima e reduz a salinidade minimizando impactos nos eletrodomésticos, carros e construções. Ela também retém o calor, diminuindo a sensação térmica nos concretos em volta, e ajuda na recarga de água, principalmente quando há chuva em abundância, o que evita alagamentos. São funções importantíssimas”, afirmou. >
Ele acredita que a movimentação das areias está relacionada com a ação humana, como pessoas que sobem as dunas e usam o solo de maneira indevida, arrancando vegetação e plantando outras espécies na região de restinga. Moradores estão pedindo que sejam instaladas telas de proteção e que o acesso às dunas seja proibido. >
“Restinga é uma área de transição para a Mata Atlântica. Ela é fixadora de dunas e se mexemos, compromete. Quando não tem vegetação, ela começa a caminhar com a ação eólica [força dos ventos]. O movimento de pessoas caminhando em locais errados retira essa vegetação. A solução é plantar mais espécies de restinga”, explicou o presidente da Unidunas. >
A instituição é responsável pela administração do Parque das Dunas, uma área de 6 milhões de metros quadrados entre Itapuã e Praia do Flamengo. A região onde está ocorrendo a movimentação da areia não faz parte do parque, fica entre Stiep, Costa Azul e parte da Pituba. O presidente defende que a região se torne área de preservação para evitar o uso indevido do solo e a movimentação das areias. >
Em dezembro, Salvador inaugurou um viveiro de restinga. O local tem capacidade para produzir até 36 mil mudas nativas anuais. Em Mangue Seco, no município de Jandaíra, a retirada da vegetação deixou as casas cobertas por areias. Em dezembro, os temporais e o risco de movimentação de dunas levaram a um alerta nos litorais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Em julho, o mesmo alerta foi emitido para a Paraíba.>
O Inmet, a Defesa Civil e o Inema foram procurados, mas informaram que não fazem estudos nessa área. A Universidade Federal da Bahia (Ufba) e a Secretaria Municipal de Sustentabilidade e Resiliência (Secis) também foram procuradas. A Ufba não respondeu até a publicação da reportagem.>
A Secis indicou a reportagem procurar a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur) e o Grupo Especial de Proteção Ambiental (GEPA) para tratar do assunto. A Sedur, no entanto, respondeu que a fiscalização de dunas não é de sua gestão. Já o GEPA não respondeu até o momento da publicação. >