Docentes negros da Ufba assinam manifesto em apoio à médica cotista que perdeu vaga após liminar

O Movimento Negro, a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN) e a Apub também se manifestaram

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  • Vitor Rocha

Publicado em 4 de setembro de 2024 às 18:59

Lorena Pinheiro
Lorena Pinheiro Crédito: Reprodução

Docentes negros da Universidade Federal da Bahia (Ufba) se manifestaram em apoio à médica negra Lorena Pinheiro nesta quarta-feira (4). A otorrinolaringologista foi aprovada no concurso para professora adjunta da Faculdade de Medicina da Bahia (Famed) através da reserva de cotas, mas foi surpreendida com a reivindicação do cargo pela candidata que ficou em primeiro lugar na ampla concorrência, Carolina Cincurá.

No documento, assinado por 85 dos 2.749 docentes da instituição, os professores se posicionaram de forma contrária à decisão da Justiça e destacaram que o caso não deve ser tratado de forma individualizada. "Essa é uma perspectiva que distorce o real significado das políticas de ação afirmativa, que representam um compromisso institucional da Universidade com a inclusão de pessoas negras e a promoção da diversidade", diz um trecho da nota.

Além do manifesto publicado nesta quarta, o Movimento Negro Unificado da Bahia (MNU), a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN) e a Associação dos Professores Universitários da Bahia (Apub) também endossaram a defesa do direito da cotista.

"Repudiamos veementemente a recente decisão judicial que, sem consultar a Ufba, determinou a nomeação de outra candidata, ignorando a importância da Lei de Cotas (Lei n. 12.990/2014) e o papel crucial das políticas de cotas na promoção da igualdade racial e reparação histórica", diz um trecho da publicação do MNU.

A Apub afirmou que a decisão judicial favorável a Carolina Cincurá é um "retrocesso na luta por igualdade".

Lorena agradeceu as entidades pelo apoio diante do fato e destacou que o ocorrido faz parte de uma causa coletiva. "A publicação da Apub e de diversos outros movimentos e associações representativas fortalece a causa e, repito, isso não é só uma luta minha, mas também é uma luta coletiva de todo um povo que busca reparação social histórica", afirma.

A reportagem também entrou em contato com a médica Carolina Cincurá, mas não conseguiu retorno.

Entenda o caso

Lorena Pinheiro foi aprovada no concurso para professora adjunta na Faculdade de Medicina da Bahia através da reserva de cotas, porém, teve o seu direito à vaga contestado pela candidata da ampla concorrência Carolina Cincurá. No último dia 21 de agosto, à espera da nomeação, a médica negra foi surpreendida por uma decisão da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária da Bahia.

"Em virtude de a Ufba ter oferecido apenas 01 (uma) vaga para o cargo de professor de médico otorrinolaringologista, a aplicação dos percentuais de 20% e de 5% de reserva para negros e deficientes não pode suprimir a primeira classificação de livre concorrência", revela um trecho do documento da Justiça. A ação foi impetrada por Cincurá, que assumiu a vaga no lugar da cotista.

O concurso ofertou 30 vagas, com 20% dos cargos destinados a pessoas negras. No próprio anúncio dos resultados, a regra estava explícita: "Vagas: 1, sendo esta preferencialmente ocupada por candidato autodeclarado negro, conforme Lei nº 12.990/2014 e Edital nº 01/2023".

Durante o processo judicial, a Ufba defendeu que a seleção ocorreu corretamente, se posicionando de forma contrária à decisão da liminar. 

Segundo a universidade, a reserva de cotas seguiu a decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, proferida no ano de 2017 em Ação Declaratória de Constitucionalidade. À época, o juiz argumentou que os órgãos de Estado não podem alegar a divisão por especialidade como motivo para deixar de aplicar as vagas destinadas aos cotistas. Ainda assim, a instituição acatou a imposição judicial.

No último domingo (1), a Ufba informou que cumpriu a determinação judicial, nomeando a candidata Carolina Cincurá Barreto, mas ressaltou que só tomou conhecimento do processo na fase de cumprimento da decisão.

A partir de dezembro de 2018, a universidade passou a cumprir a Lei de Cotas em todos os seus concursos considerando a totalidade de vagas do Edital e não aplicando qualquer fracionamento sobre especialidades ou áreas. Anteriormente, esta lei era aplicada somente nas áreas com três ou mais vagas.

Com orientação da subeditora Fernanda Varela.