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Bruno Wendel
Publicado em 16 de outubro de 2023 às 05:00
A maior do Brasil e a segunda no mundo no tráfico de drogas transnacional está na Bahia há mais tempo. As outras duas são tão organizadas quanto à veterana. Mas o que leva o Primeiro Comando da Capital (PCC) e as suas concorrentes, Comando Vermelho (CV) e Terceiro Comando Puro (TCP) a escolherem a Bahia como rota de expansão? Enquanto o PCC tira proveito do maior litoral do Brasil (com 1.100 km de extensão), com o objetivo de escoar narcóticos para 121 países, o CV e o TCP visam o fortalecimento no estado, que é porta de entrada para o Nordeste e faz divisa com estados do Norte, Centro Oeste e Sudeste e com um plus: tem um Carnaval forte, tanto quanto o mercado consumidor.
“Qualquer organização vai querer chegar aqui. É um estado altamente lucrativo – tem o rendimento do mercado interno e do expansionista, que é esse território transacional da droga”, declarou a policial penal do Mato Grosso do Sul e doutora em psicologia, Mônica Pinto Leimgruber, que afirma que a localização geográfica colocou a Bahia na rota tráfico nacional e também para Ásia, África e Europa.
De acordo com a Receita Federal, foram apreendidas 1,3 toneladas de cocaína no Porto de Salvador em 2021. No dia 10 de fevereiro, 430 kg da droga estava misturada numa carga de suco de abacaxi, que tinha como destino Valência, na Espanha. Em 21 de maio, 244,5 kg do entorpecente foram encontrados numa carga de celulose, com destino final ao porto de Le Havre, na França. Três dias despois, 637 kg da mesma substância estava numa carga de rolos de polímero (material usado para embalagem de mercadorias), com destino final ao porto de Antuérpia, na Bélgica.
Mas foi em 2020, no auge da pandemia, que houve uma apreensão mais expressiva: 6.775 toneladas de cocaína. A droga foi encontrada em cargas de minério de ferro, frutas, fumo, coquinhos secos (semelhantes a licuris) e celulose, com destinos aos portos de Antuérpia (Bélgica), Roterdã (Holanda), Le Havre (França), além de Portugal e Egito. “Todas as apreensões que realizamos nos últimos anos, a boa parte tinha como destino Roterdã ou Le Havre. O que começamos a fazer? Todos os contêineres que vão para Europa passam por scanner enorme. A gente vem fazendo esse trabalho forte desde 2019”, declarou a delegada da Alfândega da Receita Federal de Salvador Sandra Magnavita. Ela disse que a aduana brasileira tem uma “parceria forte com diversas aduanas do mundo, trocando informações”. “Por exemplo, se identificamos que navio saiu com contêiner (com drogas), a gente liga para eles e informa”, explicou.
De acordo com a Receita Federal, as organizações criminosas vem se aprimorando. Antes é comum a técnica “rip-off modality”, termo que consta do glossário do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) e define as apreensões em que a droga é inserida em uma carga lícita sem o conhecimento dos exportadores e importadores. “Eles agora estão colocando no casco do navio. Abaixo da linha d’água, toda embarcação tem um compartimento, uma abertura para a água entrar e resfriar os geradores dos motores. Ele estão entrando nesses espaços e correndo um grande risco de serem sugados (pelos motores). Recentemente, fizemos uma operação com os mergulhadores da Marinha, selecionando alguns navios, porque cada dia eles vão mudando a metodologia e vamos atrás”, disse Magnavita.
A delegada da Receita Federal não descarta a possibilidade de as organizações criminosas estarem se valendo da localização geográfica e assim estabelecer rotas. “Tudo é possível. Nós temos costas e fronteiras muito grandes. É difícil ter mão de obra que possa ter o controle de tudo, por isso que o trabalhado de inteligência, da informação prévia, é super importante para exercer a fiscalização e impedir essas atuações com drogas, armas, cigarros eletrônicos”, declarou Sandra Magnavita.
O especialista em segurança pública, o coronel Antônio Jorge Melo, coordenador do curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia, concorda que “nós somos rota de tráfico de drogas nacional e internacional, mas também somos um grande mercado consumidor”. “Temos uma população significativa de muitas festas, principalmente Carnaval. Ainda temos festas o ano inteiro. Isso significa que temos também um mercado consumidor importante. As características geográficas, sociais e políticas são muito semelhantes com o Rio de Janeiro. Então, o tráfico no Rio começou a se expandir pro Espírito Santo e agora é Bahia”, disse Antônio Jorge. No dia 13 de fevereiro deste ano, uma tonelada de maconha foi apreendida na cidade de Conceição de Jacuípe pela Polícia Militar de Santo Amaro, durante bliz na BR-101.
A carga estava numa carreta e era levada para o Carnaval de Salvador. O motorista e o carona abandonaram o veículo antes da chegada dos policiais. “ A Bahia está na porta de entrada para região Nordeste. Nós fazemos divisa com oito estados, com uma malha de rodovias estaduais e federais e ainda temos a maior extensão litorânea do Brasil. Significa que nós temos uma localização geográfica favorável não só para o tráfico de drogas, mas de armas também”, pontou Antônio Jorge.
O também especialista em segurança pública, o professor Luiz Lourenço, do Laboratório de Estudos Sobre Crime e Sociedade (Lassos) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), falou que a parceria das facções baianas com o PCC é muito antiga, “mas não é só a questão de termos 1. 100 km de litoral, mas a Baía de Todos-os-Santos, por exemplo, é a maior baía do território brasileiro em termos de abertura, do seu gargalo, então, o local necessita de uma série de vigilância na sua entrada e saída”, disse Lourenço.
Ele declarou ainda que parece um pouco inverossímil a história do Carnaval. “Até porque esse comércio de distribuição de drogas é o ano inteiro e não é sazonal, por isso não explicaria”, acrescentou o especialista.
Posicionamentos
O CORREIO procurou o Ministério Público da Bahia (MP/BA) para saber das investigações sobre o fato das organizações criminosas se aproveitarem da localização geográfica favorável para o tráfico de drogas. “O Ministério Público estadual conta com estrutura especializada de investigação e inteligência, que monitora e investiga movimentações e crimes cometidos por facções criminosas no estado. As investigações são sigilosas, o que impossibilita comentar ou prestar informações sobre o assunto. Quanto à exportação de drogas para África, Europa e Ásia, o combate ao tráfico internacional de drogas é de competência federal”, diz nota enviada pelo MP/BA.
A reportagem pediu um posicionamento à Polícia Federal, nos dias 10 (às 13h53), 11 (14h50) e 13 deste mês (08h59), mas até agora não tivemos respostas. Também foi solicitado uma posição à Secretaria de Segurança Pública (SSP) pelo e-mail [email protected] , nos dias 10 (13h32), 11 (14h50) e 13 deste mês (08h58), mas sem retorno. Ainda no dia 10, a assessoria de comunicação recebeu mensagem enviada por aplicativo (WhatsApp), mas até agora não houve posicionamento. A reportagem ainda procurou a Polícia Militar (PM/BA) pelo e-mail [email protected] nos dias 11 (09h22 / 14h49) e 13 deste mês (09h01), que por sua vez, também não deu retorno. O espaço segue aberto aos posicionamentos.