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Brenda Viana
Publicado em 18 de agosto de 2024 às 22:21
De um lado, o batuque do atabaque, berimbau, pandeiro, agogô e o reco-reco. Do outro, 16 participantes que disputaram a final mundial do "o capoeirista mais completo do mundo", realizada neste domingo (18), na Praça da Cruz Caída, Pelourinho, Centro de Salvador.
A seletiva do RedBull Paranauê teve início na última sexta-feira (16). Na ocasião, foram escolhidos oito mulheres e oito homens dentre 200 pessoas que se inscreveram para disputar entre os três dos principais segmentos da Capoeira: Angola, Regional e Contemporânea. No palco, os participantes mostraram os seus movimentos de luta, defesa e ataque. Cada ação foi minuciosamente observada e, no final da competição, Gugu Quilombola e Jubenice, a 'Bibinha', venceram as respectivas categorias.
Gugu, que já tinha ganhado a segunda edição em 2018, retornou para Salvador com a expectativa de ganhar de novo e conseguiu. Com 33 anos de capoeira, o bicampeão vai levar na mala para São Paulo mais um troféu conquistado em terras baianas. Apesar de ter a visibilidade tão esperada, ele entende que ainda há um preconceito com o esporte no Brasil.
"Infelizmente a capoeira é mais aceita fora daqui. Salvador é um pedaço da África no Brasil, espero que com esse evento dessa magnitude, a gente possa mudar esse conceito", comenta.
Em contrapartida, na ala feminina, Bibinha mostrou que ser uma mulher preta, de 42 anos, que saiu do Nordeste de Amaralina para lutar pela representatividade na capoeira, é uma conquista e tanto ver seu nome em um campeonato internacional. Com a vitória, ela pretende mostrar que o bairro periférico também tem mulheres que lutam para serem reconhecidas.
"Um dos meus maiores objetivos é de valorizar minha comunidade, o lugar de onde eu vim, mostrar que o Nordeste de Amaralina não é um lugar que apenas a violência chegou, é um lugar rico em cultura, de pessoas maravilhosas, onde a cultura ferve, que mulheres que alcançam, que vencem. Então, eu quero ser um exemplo, para todas aquelas meninas do Nordeste de Amaralina que estão ali achando que não podem, porque elas podem tudo", disse.
A competição
Para aqueles que não entendem a capoeira e suas regras, os golpes comuns do esporte tem como objetivo mostrar os chutes, cabeçadas, joelhadas, rasteiras, há também acrobacias em solo ou aéreas. Cada movimento e os gingados foram avaliados por três mestres capoeiristas: Neneu, Maurão e Nani de João Pequeno - a primeira mulher de todas as edições do RedBull Paranauê a ocupar o posto de jurada.
Conforme o toque escolhido, entre eles, "Jogo de Dentro (Bangüela)", "São Bento Grande de Angola" e "Idalina", os capoeiristas iam gingando e lutando conforme o toque do berimbau - claro, reverenciando o instrumento musical antes de começar a luta, já que a capoeira trás todo um histórico dos negros que foram escravizados e os orixás exaltados.
No Bangüela, o gingando é caracterizado por ser mais lento, com movimentos furtivos e executados de modo rasteiro. A execução é observada pelos jurados para não ocorrer com mais rapidez.
Já no Idalina, a forma de gingar estilo navalha (com a perna dando um 'corte') é avaliado, apesar de não ser tão realizado na atualidade.
Por fim, no São Bento Grande de Angola, os participantes realizam um jogo mais lento e com várias armadilhas. No geral, fazem um jogo baixo, com bastante movimento próximo ao chão.
Ao CORREIO, mestra Nani de João Pequeno explicou que existem diversas vertentes que são observadas nos competidores, códigos de cada movimentação de cada estilo.
"Como o Mestre João Pequeno nos ensinou, cada um tem sua limitação e cada um vai trazer para a roda o que aprendeu no seu tempo de capoeira. É importante ver como os capoeiristas se comportam e dialogam durante a competição", diz.
O mestre Maurão, com 45 anos de capoeira, enfatiza que é importante ver o espaço que o esporte tem dado para as mulheres, principalmente porque, segundo ele, quando começou na capoeira, a presença feminina era nula. No entanto, a presença do racismo ainda impera na mente de várias pessoas. "O preconceito com a capoeira, por ser de matriz africana, é uma vergonha. Ver o desprezo das pessoas com essa cultura é triste, mas é bom ver que uma empresa privada, que tem alcance nacional, abraçou a capoeira, respeitando os fundamentos", elogia.
Falando em respeito, Manuel Nascimento, mais conhecido como mestre Neneu, relembra que há 58 anos observa a luta pelo reconhecimento e respeito da capoeira, principalmente porque o pai, mestre Bimba, lutou para que o esporte fosse reconhecido.
"Isso aqui é uma vitória e tanta para diminuir essa imagem de marginalização da capoeira. Meu pai, o mestre Bimba, foi um desses que lutou pela libertação, de certa forma, da nossa capoeira, porque na época dele, a capoeira ainda estava no Código Penal. Em 1940, ela já não fazia mais parte do Código Penal e meu pai, por meio de várias apresentações, uma delas foi uma das mais importantes, em 53, que o presidente da República declarou a capoeira como um esporte de treinamento brasileiro. Então, é legal", comemora.