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'Detento caneta': saiba como presos assumem crimes para facções em presídios na Bahia

Estratégia de cooptação de detentos de menor periculosidade dificulta responsabilização de lideranças criminosas

  • Foto do(a) author(a) Wendel de Novais
  • Wendel de Novais

Publicado em 13 de dezembro de 2024 às 02:00

Policiais fazem buscas no presídio de Feira de Santana Crédito: Reprodução/Seap

Operações que apreenderam celulares usados por lideranças criminosas nos presídios de Teixeira de Freitas, Jequié, Paulo Afonso e Feira de Santana nos últimos meses podem não chegar nos detentos responsáveis pela posse do material ilícito. Isso porque uma figura dificulta a responsabilização dos presos que utilizam celulares e praticam crimes dentro do sistema prisional: o detento ‘Segura’, que pode ser conhecido também como ‘Laranja’ ou ‘Caneta’ e assume crimes no presídio, assinando-os como autor confesso, o que dá origem ao terceiro apelido citado.

Entre outubro e o início de dezembro, a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) e a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap) fizeram operações de revista nos quatro presídios citados. Considerando os resultados divulgados pela Seap, ao menos 117 celulares foram apreendidos. Questionada sobre a responsabilização pelas apreensões em denúncias, no entanto, a Seap explicou que as apurações sobre a responsabilidade seguem em curso e que, por isso, nenhum detento sofreu as consequências de ter um celular na cadeia.

Um policial penal de Teixeira de Freitas, onde 40 celulares foram apreendidos no dia 20 de novembro, acredita que o detento Caneta tem um papel importante nisso. "Essa figura é largamente conhecida no sistema penitenciário. Existe o nome de ‘caneta’, mas aqui a gente costuma chamar de ‘laranja’ ou ‘segura’. Esse interno, normalmente, já é posicionado na cela para fazer isso. Quem organiza é o cabeça de cela, que vai determinar, por exemplo, que o laranja vai ter uma cama e o que acontecer naquele mês e estiver na cela, vai ser dele”, explica ele, sem se identificar.

O cabeça de cela é um preso escolhido pela facção que domina o pátio para organizar o local, determinando, por exemplo, quem pode ficar em camas, quem dorme no chão ou até no banheiro, como uma reportagem do CORREIO revelou. O preso escolhido pelo cabeça para se tornar o laranja do crime organizado dentro da unidade é, em geral, um indivíduo de menor periculosidade. Defensor Público em Teixeira de Freitas, Emerson Halsey Soares conta que já teve experiências em casos de atendimentos da Defensoria para detentos que assumiam crimes na cadeia que não cometeram.

No entanto, ele explica que, durante o processo e na frente das autoridades, a confissão, geralmente, não costuma se sustentar. “A pessoa assume os crimes porque foi obrigada e, lá na frente, perante um juiz, o promotor e a defensoria, acaba por negar. Longe dos detentos que a intimidam, passa a dizer que não foi quem cometeu o ato e diz não saber quem foi. Por isso, em muitos casos como esse, é comum a absolvição. Ou seja, o detento não chega a responder por aquilo”, diz.

Para exemplificar o modus operandi em Teixeira, o policial penal ouvido pela reportagem lembra de um caso de 2013, onde presenciou um homicídio que, segundo ele, foi assumido por Davi Cabral, um ‘caneta’ da época. No caso em questão, o detento Denilson da Silva Martins, mais conhecido como ‘Denis Bala’, foi morto no pátio B do conjunto penal. Ele foi encontrado com perfurações de faca e sinais de espancamento. “Ele [Davi] nem era da cela do cara [Denis]. Então, assim que a gente abre o pátio, somos informados que ele está morto pelo interno [Davi] mesmo. Quando a perícia chega, já aponta que tinha seis horas da morte. O interno que assume e não é da mesma cela. Então, é impossível”, fala.

22 celulares foram apreendidos em Paulo Afonso Crédito: Reprodução/Seap

Segundo o policial, as celas e o pátio eram trancados às 17h e abertos às 7h do dia seguinte. Portanto, não havia possibilidade de Davi, que estava em uma cela diferente de Denis, ter sido o autor do crime. “Eu estava no pátio e um interno veio com uma faca e, nitidamente, ele tinha passado sangue nele mesmo, entendeu? Veio com a faca e entregou. Ele foi lá e assumiu, deu uma justificativa muito idiota e que foi obrigado a matar o pelo ato que o cara [Denis] fez”, explica.

A justificativa de Davi é que Denis teria pegado um item pessoal dele e que os dois entraram em luta corporal. Segundo o preso, Denis estaria em posse de uma faca, que foi tomada por Davi durante a luta e foi usada para matá-lo. O policial acredita, no entanto, que Denis foi morto ‘por acidente’ em um espancamento que os presos deram nele. Com a confissão, porém, as investigações focaram em Davi que, quando voltou ao pátio depois do crime, foi aclamado pelos detentos.

Em Feira de Santana, maior unidade prisional do estado, casos como o citado também são comuns. É isso o que conta um policial penal da unidade, que opta por não revelar o nome na matéria. “Geralmente, quando se encontra algum ilícito, é percebido que o interno que assume a culpa pode estar sendo obrigado, ou já tem essa função estabelecida pelas lideranças do crime, seja de dentro do presídio ou de fora”, fala.

Segundo ele, a prática é difícil de controlar, visto que, mesmo quando são interrogados os presos eles não assumem os ilícitos encontrados e nem relatam quem é o dono. Quando o caso é em uma cela de lideranças, a tendência é a indicação de um preso sem força no crime para assumir o material. Em Jequié, onde aconteceu a Operação Aláfia, um policial penal confirmou que a prática é conhecida há anos e se repete em cada cela disposta dentro do conjunto penal.

As decisões, nesses casos, determinam a exclusão de culpabilidade dos detentos, visto que a única coisa que os liga ao crime é a confissão e não provas materiais. O defensor Emerson Halsey Soares avalia que, nesse sentido, há um problema na polícia. “A liderança criminosa dentro da cadeia é quem determina quem assina os crimes. Não há maluco que, lá dentro, discuta com esse tipo de ordem. É um problema do Estado, que tem todo instrumento para fazer a investigação. Se o Estado, na figura da polícia, se contenta com uma mera confissão, aí está o erro”, aponta ele.

Celulares e carregadores foram apreendidos em Jequié Crédito: Reprodução/Seap

Em Jequié, o policial relata que a confissão é feita, em geral, como uma resposta a ameaças. “Já vivenciei casos e até homicídios assumidos por internos porque o detento era jovem no conjunto enquanto os outros eram mais velhos e o coagiam a isso. É uma prática recorrente, determinada pelas lideranças de facções dentro das prisões. Seja homicídio, droga, arma e aparelhos telefônicos”, relata.

No geral, o ‘sistema’ de confissões é baseado em ameaças contra a segurança física dos presos. Há casos, porém, em que os detentos são convencidos com ‘regalias’, como o direito a dormir em camas de celas superlotadas. É o caso, por exemplo, do presídio de Teixeira de Freitas, onde conforto é oferecido em troca do ato de assumir um homicídio qualificado.

“É um subproduto comum das relações do ambiente penitenciário. Tem detento aqui que assinou dezenas de homicídios que não são seus. Em troca, nunca ficou sem cama. Até por comida ele já assinou os crimes. Além disso, muitas vezes, o advogado da facção vira advogado do laranja. Há toda uma organização deles nesse sentido”, completa.

A facilidade no convencimento se dá, em resumo, porque, como o defensor explicou, os presos não chegam ao ser condenados por essas confissões, visto que elas não são suficientes em um processo criminal. A Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) e a Seap foram procuradas pela reportagem para se posicionar sobre o problema, mas não responderam sobre o assunto até a publicação da matéria.