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Millena Marques
Publicado em 7 de novembro de 2024 às 02:30
Setenta e sete dias separam as datas entre a perda da vaga na Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) e a cerimônia de posse como docente da instituição de Lorena Pinheiro. No dia 21 de agosto foi divulgada uma portaria que revogou a homologação do concurso em que a médica otorrinolaringologista ficou em primeiro lugar para docente da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Nesta quarta-feira (6), ela foi empossada após recorrer da decisão na Justiça.
Negra e doutora em Otorrinolaringologia pela própria Ufba, Lorena perdeu a vaga após uma decisão da Justiça Federal. Ela tinha optado por concorrer como cotista. No entanto, outra candidata, a também otorrinolaringologista Carolina Cincurá Barreto, tinha entrado com um mandado de segurança que afetava diretamente a aplicação da política afirmativa.
Em agosto, quando Lorena soube que existia um processo correndo desde maio para garantir a nomeação da candidata da ampla concorrência, houve duas medidas jurídicas. Uma foi recorrer da decisão que revogou sua nomeação e a outra foi para que ela fosse nomeada e tomasse posse em uma das vagas comprovadamente desocupadas na Ufba.
Lorena só se deu conta de que se tratava de um problema ainda maior quando passou a receber mensagens e relatos de outros colegas. “Eu achava que essa lei, essa política afirmativa, estava sendo respeitada no Brasil. Eu achava que comigo aconteceu um caso isolado e que eu seria a primeira a falar sobre isso. É chocante perceber que eu não fui a primeira”, desabafou.
Liminar favorável
A médica otorrinolaringologista obteve a primeira decisão favorável da Justiça Federal em outubro. A decisão foi originalmente publicada no dia 4. A Ufba teve cinco dias para cumpri-la, após tomar conhecimento, mas isso não aconteceu. Assim, no dia 22, a magistrada emitiu um novo despacho para que a decisão fosse cumprida no prazo de dois dias, sob pena de fixação de multa diária.
A sentença ocorreu na mesma semana em que o Ministério Público Federal (MPF) emitiu um parecer favorável a Lorena no processo sobre o edital. No texto, o procurador da República Fábio Conrado Loula relembra o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que não deve existir fracionamento de vagas de acordo com a especialização em concursos do magistério superior. O manifesto do procurador é para que Lorena seja nomeada em uma das vagas comprovadamente desocupadas da FMB.
Decisão
A Ufba publicou no dia 29 de outubro a nomeação de Lorena Pinheiro Figueiredo após a otorrinolaringologista perder a vaga por uma decisão judicial e, depois, ganhar liminar que determina a aplicação de uma nova vaga. A informação foi divulgada no Diário Oficial da União.
Posse
Lorena Pinheiro Figueiredo tomou posse como professora da FMB nesta quarta-feira (6), em cerimônia realizada na sede da instituição, no Largo Terreiro de Jesus. O evento contou com uma apresentação da Banda Didá e um ato de defesa à Lei de Cotas. Estiveram no local o diretor da FMB, Antônio Alberto Lopes, a diretora da Faculdade de Educação (Faced/Ufba), Nanci Franco, e outros nomes da comunidade acadêmica e de movimentos sociais da Bahia.
“É uma vitória muito grande. É a possibilidade de realizar um sonho de vida. O sonho de ser professora na Universidade Federal, de prestar assistência ao SUS, de formar novos médicos e médicas com a mesma origem sócio, histórica, étnica e racial do que eu. Sem dúvida é um marco muito importante na história dessa faculdade”, disse Lorena.
Mais casos
Só nos últimos cinco anos, o CORREIO identificou ao menos sete casos de candidatos que usaram a Justiça para impedir a nomeação de candidatos negros cotistas, todos classificados em primeiro lugar após a heteroidentificação. Desses, quatro estão na própria Ufba - além de Lorena, há ocorrências na Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia, Farmacologia (no Instituto de Ciências da Saúde, o ICS) e na Escola de Belas Artes. O concurso do ICS é o único em que, até hoje, o candidato cotista não conseguiu ser nomeado, tal qual Lorena.
Também foram identificadas tentativas de impedir a posse ou a nomeação de candidatos negros cotistas na Universidade Federal de Sergipe e na Federal de Uberlândia. Na Federal Fluminense, uma professora já tinha tomado posse havia quatro meses quando teve sua nomeação revogada.
*Com informações da jornalista Thais Borges