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Carolina Cerqueira
Publicado em 10 de dezembro de 2023 às 07:02
O cenário montado com a combinação de sol e areia pode, para muitos, remeter a descanso e diversão. Mas, para Paulinho Kienby, é sinônimo de coisa séria. Desde os 16 anos, é de lá que ele tira o sustento próprio e também o dinheiro que destina aos pais para ajudar a pagar as contas de casa. De boleiro a número um no ranking baiano e cinco no brasileiro, o menino negro que nasceu em São Paulo e cresceu na Boca do Rio, em Salvador, fez do beach tennis a sua praia. >
Nem a travessia das bolas de um lado a outro da quadra, impulsionada pelas raquetes, se compara à escalada de Paulinho, hoje com apenas 20 anos. Aos 14, foi campeão baiano na categoria C, seguindo em disparada para B, A e, enfim, a sonhada categoria Profissional. Quando ficou entre os dois melhores nomes do Nordeste, tinha apenas 17 anos. >
Tem lugar para mim?>
Filho de uma dona de casa e um professor de Matemática, o menino que adotou Salvador como casa aos três anos, via a prática esportiva como um hobby. A mãe já havia jogado vôlei e o pai – que é baiano –, futebol, mas nunca como profissionais. Até que a trajetória do tio, Carlos Axé, virou uma chavinha. Jogador profissional de vôlei, ele chegou perto das Olimpíadas e fez Paulinho também se ver como um possível campeão. Inspirado no tio e em busca de uma carreira, trocou o campo de futebol pelas quadras de vôlei até conhecer, através de um projeto da Prefeitura na orla da Boca do Rio, o tênis. >
Paulinho tinha apenas sete anos quando se apaixonou pelo esporte. Rapidamente, começou a se destacar nos torneios e no ranking baiano e, quanto mais crescia, mais sentia o peso da bagagem que carregava nas costas. “O tênis é um esporte muito caro, as raquetes mais acessíveis custavam R$1.500”, conta. Alguns materiais foram adquiridos através de doação, mas as inscrições, passagens e hospedagens para poder disputar as competições ficaram inviáveis. >
O desânimo tomou conta do pequeno sonhador, mas logo foi substituído pela esperança. Paulinho chegou ao beach tennis, esse esporte de nome chique que até hoje pouca gente sabe o que é, mas se mostra mais acessível. “No beach tennis você não precisa de um tênis caro ou uma mochila cara, por exemplo, e as raquetes são mais baratas. As mais acessíveis custam R$800, que não é qualquer valor, mas é menor do que o valor das raquetes de tênis”, explica. >
“Sempre que pego um uber quando estou com as raquetes, os motoristas perguntam, achando que é de tênis ou frescobol porque realmente nunca ouviram falar de beach tennis. A mesma coisa acontece quando há competições; os trabalhadores do entorno não sabem que esporte está acontecendo ali dentro. Ainda é muito elitizado, coisa de classe alta mesmo; talvez menos do que o tênis, mas ainda assim muito restrito”, acrescenta Paulinho. >
Quantos degraus vou precisar subir?>
Paulinho trocou o piso pela areia da Praia de Piatã e rapidamente fez seu nome também no segundo esporte. “No beach tennis encontrei muitas pessoas solidárias, um espírito de coletividade. Muita gente oferecia carona e hospedagem para as competições e também fazíamos vaquinha”, lembra. Hoje, ele conta com a ajuda de patrocinadores e de incentivo para custeio de passagens oferecido pelo Governo do Estado da Bahia. Mas, ainda assim, a conta não fecha. >
“Hoje, a nível mundial, você tem 10 atletas masculinos e seis femininos que conseguem viver do beach tennis. Ou outros são professores, exercem outra profissão ou vêm de famílias com muito dinheiro”, conta. É o caso da dupla de Paulinho, que é médico e, por conta da família e dos plantões, não consegue estar em todas as competições. “Eu vou fazendo amizades e me articulando e aí, quando vamos para fora do estado, que a minha dupla não vai, eu colo com outra pessoa por lá”, explica. >
Paulinho também está na lista dos que precisam se desdobrar para seguir competindo e, por isso, trabalha desde os 16 anos. Já foi boleiro, ajudante e, hoje, é professor de beach tennis em duas escolinhas de Salvador nos bairros da Boca do Rio e Piatã. De segunda à quinta, assume o papel de professor e, de sexta a domingo, quando acontecem as competições, de atleta. >
“É com o dinheiro das aulas que consigo pagar minhas inscrições, custeio das viagens. E também ajudo meus pais com as contas de casa”, diz. Em 2024, ele vai acrescentar mais uma tarefa à agenda semanal: as aulas da faculdade de educação física, que vai iniciar após ter concluído o Ensino Médio para se qualificar ainda mais dentro da área. “Eu sei que é difícil, mas sigo acreditando e dando o meu máximo para conseguir viver como atleta de beach tennis”, diz Paulinho. >
Ainda falta grana para que seus pais corujas, que sempre incentivaram o filho, possam assistir às competições fora de Salvador e Região Metropolitana e para o atleta chegar às sonhadas competições internacionais. “Já tive oportunidade de jogar em Portugal, em Aruba e alguns países aqui da América do Sul, mas não tive patrocínio para viajar”, lamenta. >
Fazendo o que pode, em 2020 disputou seu primeiro campeonato baiano profissional e já leva consigo cinco títulos, além de duas medalhas de prata e quatro títulos brasileiros. E Paulinho sabe bem que o peso das medalhas que carrega no peito não é o mesmo das medalhas dos seus colegas brancos de sobrenomes de origem europeia. O seu, Kienby, vem de Ruanda, no continente africano, e suas vitórias, vindas após muitos degraus mais, não são individuais. >
“Já vivi cenários de enfrentar comentários racistas em competições. Eles falavam ‘saca no neguinho’ ou ‘não vou perder para o neguinho’ e houve até episódios de perseguição. Eu conto nos dedos a quantidade de atletas negros nas competições, a quantidade de atletas negros de referência, a quantidade de negros nas arquibancadas como público. E os negros são aqueles como eu, que vieram de lugares pobres, que entraram no esporte como boleiros e, hoje, como atletas, dão aula para complementar a renda”, finaliza Paulinho.>