Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

'Corretores do tráfico': saiba quem é o quarteto que expulsa moradores do Minha Casa Minha Vida

Integrantes do Bonde do Maluco (BDM)  vendem e alugam imóveis

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 10 de fevereiro de 2025 às 05:00

Traficantes expulsam moradores do MCMV de Fazenda Grande II
Traficantes expulsam moradores do MCMV de Fazenda Grande II Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Thiaguinho, Demenor, Netinho e Danone. Esses são os responsáveis por comandar o esquema da facção Bonde do Maluco (BDM) de aluguel e venda de apartamentos do Conjunto Fazenda Grande II, que faz parte do programa de habitação do governo federal Minha Casa Minha Vida. Homicidas, eles atuam como “corretores do tráfico” e faturam uma dinheirama com a expulsão de famílias carentes distribuídas em 29 blocos subsidiados pela Caixa Econômica Federal.  

“São matadores. Só andam com fuzis, para oprimir todo mundo. Thiaguinho é o líder do grupo. Uma ordem dele tem que ser cumprida imediatamente, caso contrário é morte na certa. Por isso que as pessoas têm medo de falar. Ele fica nos prédios do fundo, porque aí fica mais fácil para controlar tudo. Nos blocos iniciais estão os ‘olheiros’ dele, ligados na presença da polícia e qualquer desconhecido que se aproxime”, conta um ex-morador do conjunto, expulso pelos criminosos.  

Conforme denúncia exclusiva do CORREIO, os beneficiados do MCMV que são obrigados a sair são aqueles que têm parentes ou amigos policiais. Os imóveis desocupados são alugados, ou vendidos em sites de compra, como a OLX. Em Salvador, o problema acontece há pelo menos oito anos em cinco conjuntos habitacionais. Já fora da capital, os relatos dão conta de que a situação acontece em Simões Filho, Feira de Santana, Santo Amaro da Purificação e Jequié. 

“Quando contemplada, eu assinei o contrato da Caixa Econômica Federal que diz que o imóvel até a sua quitação era invendável e transferível. Estou preocupada porque, além de ter sido expulsa, continuo pagando o subsídio da Caixa, pois ainda tenho esperança de ter o imóvel de volta”, declara a ex-moradora do Conjunto Fazenda Grande II, localizado em frente à Avenida Assis Valente e da Pedra de Xangô. 

Esquema  

Thiaguinho é o “cabeça” do esquema no Conjunto Fazenda Gande II. Segundo a fonte, é ele quem recebe toda a coleta, feita por Demenor. “Os apartamentos são vendidos por até R$ 30 mil. Já os aluguéis variam entre R$ 300 e R$ 500.  As pessoas que vão morar precisam ter alguma ligação com a organização, normalmente são parentes ou fugitivos. Geralmente, a negociação é sempre em dinheiro vivo e o contrato de gaveta (documento informal usado para a compra e venda de imóveis). Agora, imagina quanto eles não faturam no final do mês? Aqui são 580 apartamentos. A maioria está sob o controle do BDM”, conta o ex-morador.   

Demenor é o segundo homem do esquema. Ele supervisiona o trabalho de Netinho e Danone, que, além de fazerem os anúncios em sites e nas redes sociais, têm a função da coleta. “Há outras pessoas que cobram também, uma mulher e um homem, mas Netinho e Danone são os principais. O meu imóvel mesmo está lá com pessoas dentro morando. Entrei em contato com a Coelba e a Embasa e mandei cortar a luz e a água, na tentativa de quem estvesse lá saísse, mas nada adiantou. Eles fizeram ‘gato’ de água e de energia”, diz uma ex-moradora.  

Há casos também de famílias que abandonaram o local porque não concordavam com a permanência do BDM no local.  “Tudo lá tem que ser comunicado ao tráfico. Se vai fazer uma festa ou necessita da presença de um órgão público, tem que ter autorização. Os eventos de paredão que acontecem dentro do conjunto são todos os sábados e vão até o domingo, financiado por eles (traficantes) no bar de um tal de um Vaqueiro”, conta.  

Aqueles que ainda vivem no local já acionaram a polícia algumas vezes. “Quando a gente chama a PM, quando tem alguma operação, as mulheres dos marginais criminosas vão sempre para rua, protestar, tocar fogo em pneus”, denuncia.  

Parque das Bromélias  

A expulsão de moradores ocorre também no conjunto do MCMV do Bosque das Bromélias, às margens da rodovia Cia-Aeroporto.  Lá, o silêncio impera no centro do bairro, mas já na saída, longe do campo de visão dos “olheiros”, algumas pessoas detalham a opressão sofrida pela comunidade.  “Inocentes taxadas de ‘x-9’, caguete são ameaçadas com frequência. Minha filha, por exemplo, saiu, foi embora daqui, depois que a pegaram e levaram para a 'boca'. Bateram, mas pouparam a vida dela, porque eu fui lá explicar tudo. Achavam que ela ligava para a polícia, quando, na verdade, falava comigo. A gente se falava quase todos os dias, tarde da noite, porque trabalho no Centro de Salvador”, relatava uma diarista. 

BDM contralo o tráfico no Parque das Bromélias
BDM contralo o tráfico no Parque das Bromélias Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

A mulher disse ainda que vai embora. “Estou deixando aqui, porque não dá pra viver assim, nessa tensão. Vou para o interior, para a casa de parentes, recomeçar. Já contratei o carreto. Já ameaçaram a minha filha. A gente fica com trauma”, diz ela, que emendou um pedido de socorro. “Precisamos de ajuda. Não dá pra ninguém viver. Aqui tem gente de bem, que não tem pra onde ir”, diz.    

Bate Coração  

A situação não difere no MCMV de Bate Coração, em Alto de Coutos. Um homem relatou que, recentemente, uma família inteira teve que deixar o imóvel às pressas. “Eles souberam que uma das crianças estuda ou estudava, não sei ao certo, num Colégio Militar. Só que ele veio passar uns dias aqui, com o pai e a madrasta, e a viram fardadas. O pai tentou justificar, mas não teve jeito. No mesmo dia, providenciaram o caminhão para a mudança”, conta.    

Ele disse ainda que o crime organizado “está vendendo a ‘área comum’ dos prédios”. “É uma área dos moradores, para o nosso benefício, mas estão anunciando por de R$ 10 mil a R$ 50 mil. Como é que pode? Já colocaram bar, salão e até depósito de reciclagem, mas ninguém fala nada porque tem medo de morrer”, declara.   

Policiamento  

Depois da denúncia do CORREIO, de que traficantes estão expulsando moradores do programa “Minha Casa Minha Vida”, a Polícia Militar ampliou a circulação da tropa em algumas unidades, entre elas o Conjunto Residencial Fazenda Grande II, localizado em frente à Avenida Assis Valente e da Pedra de Xangô.   

“Os traficantes, quando viram a polícia chegar, fugiram para a mata no fundo do bloco verde fortemente, armados com fuzis”, declara um ex-morador. “Além do policiamento, estamos levantando as informações com as lideranças comunitárias, para saber quem são as pessoas que estão fazendo isso, para que as operações sejam realizadas”, declara o tenente-coronel Júlio César, comandante do 22º Batalhão de Polícia Militar, que atende toda a região de Cajazeira, Fazenda Grande, Boca da Mata e Águas Claras, onde existem outros programas habitacionais do governo federal, destinados a pessoas de baixa renda. 

Em Salvador, o problema é encontrado ainda em unidades do MCMV dos bairros do Retiro e de São Cristóvão. 

Posicionamentos   

Procurada, a OLX disse que “não recebeu evidências que confirmem que os casos vêm ocorrendo a partir da sua plataforma e segue à disposição das autoridades”. A Caixa Econômica Federal foi contactada e ficou de enviar um posicionamento. Já o Ministério Público Federal disse que atuação no MCMV “está relacionada com a atuação da Caixa. “Vícios no apartamento, atraso na entrega, questões de financiamento, fraude no programa são questões de competência federal. O tráfico só envolve o MPF, em geral, quando é internacional. Essa questão criminal é assunto para polícia (PM, Civil) e para o MP-BA", diz o posicionamento enviado pelo MPF.  

O CORREIO procurou também o Ministério Público do Estado, para saber quantas denúncias do tipo chegaram ao órgão e quais providências adotadas. Em nota, o MPBA respondeu que "nenhum procedimento em andamento no sistema.  Foi solicitado um posicionamento também às polícias Civil e Militar, mas não houve respostas.