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Nilson Marinho
Publicado em 17 de fevereiro de 2025 às 05:00
Vivian Celeste, estudante de Ciências Contábeis e moradora de Sapeaçu, no Recôncavo Baiano, estava em casa quando ouviu no rádio da família – muito utilizado por sua mãe – o anúncio de que, nos próximos dias, aconteceria, em Cruz das Almas, cidade vizinha, a segunda edição do Encontro de Comedores de Jaca (EcoJaca). >
No dia do evento, realizado no último domingo (9), Vivian e seu namorado tomaram café da manhã, subiram em suas bicicletas e seguiram rumo a Cruz das Almas. O trajeto de aproximadamente 14 km exigiu grande esforço físico do casal.>
"Achei interessante a abordagem do evento, que destacou a importância da manutenção do cultivo da jaca. Quis participar para conhecer mais. Sabia que haveria pratos culinários feitos com jaca, mas nunca tinha experimentado nada feito com a fruta. Como saímos de Sapeaçu para Cruz das Almas pedalando, já cheguei lá com muita energia gasta", lembrou Vivian.>
No evento, a estudante encontrou de tudo: pratos feitos com a carne desfiada da fruta, além de tortas, doces, salgados e até abará. A jovem já tinha ouvido no rádio que o encontro também contaria com competições, entre elas as de melhores jacas – duras e moles –, a maior e a menor, a de quem adivinharia a quantidade de bagos e a dos mais rápidos a devorar a fruta.>
Nesta última modalidade, havia uma bateria masculina e outra feminina. Os comedores mais rápidos ganharam como prêmio R$ 100.>
Competir pelo título de comedora mais rápida de jaca não estava necessariamente nos planos da jovem, que chegou ao evento apenas com a intenção de experimentar os pratos feitos com a fruta, na companhia do namorado. Mas ela mudou de ideia.>
“Apesar de ter ouvido sobre a premiação no rádio, quando falaram dos R$ 100 e tudo mais, só decidi competir na hora. Me encorajei mais quando cheguei lá e pensei: ‘Ah, vou participar mesmo’. Eu já sabia da premiação e tinha visto nas redes sociais os vídeos do ano passado, mas só tive coragem de participar quando cheguei ao evento”, conta.>
Antes de se posicionar ao lado de outras duas competidoras, Vivian teve a oportunidade de conversar com a ganhadora do ano anterior, que compartilhou sua experiência de devorar uma jaca no menor tempo possível. Embora tenha ouvido o relato da então campeã, a jovem não montou nenhuma estratégia.>
Na bateria feminina, as competidoras não precisaram arrancar os bagos da fruta. Eles – 30 para cada uma – já estavam separados em potinhos. O trabalho era só separar a “carne” do caroço e mandar para dentro.>
“Minha tática? Não tive! Não pensei em nada antes ou durante a competição, apenas fui participar. Comecei a separar o caroço e a comer. Basicamente, era isso: separava o caroço de algumas para facilitar na hora de comer e já ia consumindo as que tinha separado. Deixei alguns bagos na mão e continuei tirando os caroços de outros enquanto comia”, relembrou.>
A competição foi embalada por uma banda que tocava arrasta-pé. Ao redor das três competidoras, dezenas de curiosos, muitos deles cheios de palpites. Do meio da multidão, por exemplo, alguém gritou para Celeste: “Beba água!”, mas ela preferiu dispensar o copo à sua frente, com receio de que a tática não funcionasse e acabasse engasgando.>
“Tentei me lembrar de engolir rápido, porque sabia que, se derrubasse a cestinha de jaca ou jogasse para fora o que já tinha comido, provavelmente seria eliminada. Estava um pouco nervosa, mas segui firme. Continuei no meu ritmo, comendo várias bagas seguidas.”>
Nem Celeste, tampouco a organização do evento, contabilizou o tempo das competidoras, mas o fato é que a jovem foi a primeira a devorar os 30 bagos. “Não contei o tempo, mas foi muito rápido. Depois que terminei, fiquei esperando um pouco para as outras competidoras terminarem também.”>
Além de subir ao topo do pódio depois de devorar os 30 bagos, Celeste ainda foi convidada a fazer parte da comissão avaliadora que escolheu as mais saborosas jacas, duras e moles. O grupo degustou outras três dezenas de jacas diferentes até chegar a um veredito. Indigestão no dia seguinte? Não teve, garante.>
“Achei incrível! Nunca vou esquecer esse momento. Eu não imaginava que, em 2025, ganharia uma competição de quem come jaca mais rápido. Mas foi um prêmio muito legal: R$ 100,00 só para comer jaca! Diferente, mas muito divertido!”>
Campeão>
José Roberto mora na zona rural de Valença. Além de agricultor, trabalha como porteiro escolar. Saiu de casa, especialmente, com a intenção de competir na categoria da jaca mais saborosa. O fruto que levou não era de sua propriedade, mas de um primo. Dias antes, o familiar havia colhido algumas para seu cunhado, que mora em São Paulo, e José Roberto aproveitou para selecionar as melhores para o evento.>
Como não possui carro e a viagem até Cruz das Almas era de pouco mais de 91 km, a jaca foi colocada em uma caixa, e sua noiva ficou responsável por levá-la em segurança na garupa da motocicleta pilotada por ele.>
Embora a amada tenha se empenhado, a jaca chegou uma pouco amassada, mas, mesmo assim, José Roberto a levou para a mesa dos júris. Ele não levou o prêmio principal, ficando em terceiro lugar, mas resolveu competir também na categoria dos mais velozes devoradores de jaca.>
Quatro pessoas se voluntariaram a participar, mas havia um problema: apenas duas jacas eram do mesmo tamanho. Para não deixar ninguém em desvantagem, a organização do evento fez um sorteio para saber quem seriam os dois a competir. O nome do porteiro foi sorteado.>
“Não fui especificamente para a competição de quem come jaca mais rápido, minha intenção era apenas participar da categoria de melhor jaca. Mas, quando cheguei lá, vi a movimentação e decidi entrar na brincadeira. Havia várias categorias, e, no meu caso, teve até um sorteio, pois só havia duas jacas homogêneas, quase idênticas. Como éramos quatro competidores, o sorteio definiu quem avançava direto, e eu acabei passando para a próxima fase. Automaticamente, fiquei em segundo lugar, mesmo sem precisar comer a jaca. Mas resolvi tentar!”.>
José Roberto foi para o ataque, sem treinamento prévio e no improviso. A organização do evento deu três minutos para cada competidor comer o maior número de bagos possíveis porque imaginaram que seria impossível alguém comer o fruto por inteiro. O porteiro, no entanto, devorou tudo em dois minutos e 27 segundos, deixando todos incrédulos.>
“Dor de barriga? Não tive, não! O pessoal até brincou comigo sobre isso, mas eu disse que, se sentisse qualquer coisa, pararia no caminho [ de volta para casa]. Agora, uma curiosidade: passei o dia todo sem comer mais nada depois da jaca! Só fui comer novamente no outro dia. Como sempre digo, jaca sustenta mesmo!”>
Evento>
José Márcio Marques, atual secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Cruz das Almas, é um dos idealizadores do Encontro de Comedores de Jaca. Ele teve a ideia do evento após participar de algo similar na vizinha São Felipe. Lá ele também foi campeão na categoria melhor jaca.>
“Depois dessa experiência, ficamos com a ideia de organizar algo semelhante aqui em Cruz das Almas. No entanto, veio a pandemia, e o projeto teve que ser adiado. Só em 2024 conseguimos realizar o primeiro, e para nossa surpresa, o público lotou o local, que ficou pequeno para a quantidade de participantes. Percebemos que o evento tinha potencial e decidimos investir mais na segunda edição”, recorda.>
Antes do evento, diz José Marcio, é realizada uma pesquisa de campo na feira livre da cidade para entender melhor quantas pessoas vivem da comercialização da jaca. Foi descoberto, por exemplo, que 42 feirantes trabalham com a fruta durante a época da safra.>
“Conversamos com eles e fizemos o convite para participarem do evento e levarem suas melhores jacas para concorrer. No início, alguns ficaram receosos, mas a aceitação foi boa. No primeiro ano, 14 feirantes participaram. Além de Cruz das Almas, também buscamos produtores em feiras livres das cidades vizinhas, como Muritiba e Governador Mangabeira, o que ajudou a fortalecer ainda mais o evento”.>
O sucesso do EcoJaca foi tanto que agora está prestes a entrar oficialmente no calendário festivo da cidade. Um projeto de lei já foi protocolado na Câmara e deve ser votado ainda esta semana. Se aprovado, o evento passará a ser uma data comemorativa oficial do município, garantindo mais visibilidade e apoio.>
“O objetivo principal do evento é chamar a atenção para a derrubada das jaqueiras. No Recôncavo, essa prática é muito comum, pois as árvores são cortadas para a produção de móveis. Nosso projeto busca conscientizar sobre essa questão. O problema maior é que a jaqueira não é uma espécie nativa, e, por ser exótica, vinda da Índia, não há leis que a protejam. Queremos conscientizar para que aqueles que derrubarem uma jaqueira plantem pelo menos duas ou três no lugar. Essa é a maior mensagem do evento”, finaliza o idealizador. >