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Perla Ribeiro
Publicado em 15 de julho de 2024 às 10:03
Geiza Santos sempre gostou de artesanato, mas seu sustento vinha do trabalho no comércio de Ituberá, no baixo sul da Bahia. Trabalhou como caixa de supermercado, em loja de moto. Até que uma ida despretensiosa a uma oficina de artesanato, em Nilo Peçanha, mudou sua rota. O começo não foi fácil, cogitou até desistir. Aos poucos, foi encontrando novos caminhos para fazer da arte um meio de vida.
Hoje, Geiza, que se define como artesã designer, se orgulha de ter peças que levam sua assinatura (um conjunto com seis réplicas de folha de cacau) na suíte presidencial do Tivoli Mofarrej. Com 750 m², a suíte é considerada a maior da América Latina e já recebeu nomes como Mick Jagger, Lady Gaga e Catherine Deneuve. “Um consultor do Sebrae estava assistindo ao programa Hoteis Incríveis, na Sky, viu minha peça e me avisou. Já vendi também para fora do país, para a La Maison, na França”, conta, feliz.
A artesã começou com biojóias de coco de piaçava, depois mergulhou nas peças de decoração. Chegou a dar aulas de artesanato em comunidades tradicionais – duas quilombolas e uma ribeirinha -, mas as vendas e encomendas foram tomando tempo e ela não conseguiu conciliar. “Participo de eventos o ano inteiro. Já tenho uma carteira de clientes grande e a maior parte do meu público é lojista. A Fenearte é uma grande vitrine. Encontro lojistas, arquitetos. Além das vendas, é uma forma de divulgar meu trabalho”.
Ela vê suas peças ganharem o mundo, mas se depender de Geiza, vai manter os pés fincados na terra de onde tira o barro, a madeira e a piaçava para dar vida às suas peças. “É um trabalho muito delicado, de criação, de paciência. Gosto de caminhar no mato em busca de inspiração e depois desenhar as peças. Por isso que meu trabalho tem muita réplica de folha. Minha matéria prima está lá e também tem a qualidade de vida no interior”, defende.
A artesã está entre os baianos que participaram da 24ª Feira Nacional de Artesanato (Fenearte), no Pernambuco Centro de Convenções, em Olinda. Numa área de mais de 25 mil m² – o equivalente a 38 campos de futebol - o público pôde conferir peças artesanais distribuídas em 700 estandes. Só não havia mais, porque o espaço não comporta. Ali, a cena se repete o tempo inteiro: é um ir e vir de gente que entra, sai, se perde, se acha, compra, pechincha ou só contempla a beleza das peças. É possível encontrar o artesanato produzido nos quatro cantos do Brasil e de, pelo menos, 30 países. Entre as peças, centenas foram produzidas na Bahia.
Elas foram levadas de várias regiões do estado, tem formas e matérias-primas distintas, mas cada uma carrega um pouco da história do seu criador. Num estande de 60 m², o artesanato produzido em extremos baianos se encontram. A diversidade e a peculiaridade do trabalho de cada artesão dividem um só espaço. Uma prateleira separa a cerâmica do mestre Reginaldo Xavier, 64, de Nazaré das Farinhas, no Recôncavo, dos santos e orixás em ferro fundido do casal de artista visual Aless Teixeira, 48, e Mônica Vieira, 37, de Itinga, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS).
Coladas com eles estão as peças produzidas por indígenas da aldeia Pataxó de Coroa Vermelha, no extremo sul baiano. Por ali, se destacam ainda os colares e terços de mesa, moldados, com delicadeza, pelas mãos da artesã designer Geiza Santos, de Ituberá, no Baixo Sul baiano, as vestimentas tecidas com fibras naturais pela tecelã Celia Amorim, de Porto Seguro, também no extremo Sul. Saindo do estande da Bahia, em um espaço próprio, Rafaela Anjos chama atenção com o colorido dos seus mosaicos em telas. Em outro corredor, as carrancas do mestre Bitinho, 83 anos, atraem os olhares atentos do público que circula numa espécie de formigueiro humano pelos corredores do grande pavilhão.
Entre eles, é unanimidade: a Fenearte, evento que começou no dia 3 de julho e segue até o próximo domingo (14), é a meca do artesanato. É uma grande vitrine das peças de arte popular produzidas no país, um espaço pra quem quer ver e quem quer ser visto. Os artesãos contam que, além de sair dali inspirados pelo trabalho de outros artistas, encontram no lugar mais do que um ponto estratégico de vendas, mas também um espaço com forte apelo para o networking.
Coordenador de Fomento ao Artesanato da Bahia - estrutura vinculada à Secretaria de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Estado (Setre) - Weslen Moreira levou para a Fenearte dez representantes do artesanato baiano. O estado tem, aproximadamente, 18.300 artesãos cadastrados, organizados em 20 rotas do artesanato - 90% são mulheres.
“A Fenearte é uma das principais feiras do Brasil e da América Latina. É uma vitrine importante para o artesanato da Bahia, que está entre os três estados com a maior concentração de artesãos cadastrados no programa do artesanato brasileiro. É uma grande oportunidade de mostrar nossa produção para o Brasil, já que é um espaço que concentra também um grande número de compradores. Além do público final, lojistas do país inteiro vem à Fenearte fazer negócios”, avalia Moreira.
Só para se ter uma noção, na edição passada, 315 mil pessoas circularam pelos estandes em 12 dias de evento. O volume dos negócios gerados, só nos dias da feira, chegou a R$ 52 milhões. Nessa edição, a diretora de Economia Criativa de Pernambuco e diretora executiva da Fenearte, Camila Bandeira, informa que pretende superar esses dois números, que já foram recordes em relação à edição de 2022. “Os artesãos estão aqui para vender. A gente conversa com eles e tem o retorno de que, o que eles vendem ou geram de encomenda aqui, garante a subsistência deles o ano todo. Por isso que todo mundo quer está aqui. Quem vem, vende tudo”, avalia.