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Como é o combate à espécie invasora que ameaça a Baía de Todos-os-Santos

Missão de pesquisadores busca estratégias para erradicar organismo nunca antes visto na região

  • Foto do(a) author(a) Maysa Polcri
  • Maysa Polcri

Publicado em 8 de janeiro de 2025 às 15:40

Corais invasores já atingem dois metros de altura em pontos da Ilha de Itaparica
Corais invasores já atingem dois metros de altura em pontos da Ilha de Itaparica Crédito: Matheus Landim/GOVBA

Com os termômetros na marca de 28°C, por volta das 8h, três embarcações deixam a costa de Salvador rumo à Ilha de Itaparica. Poderia ser um passeio de férias, mas não se engane. Uma missão contra um invasor que ameaça a Baía de Todos-os-Santos está em curso. E o relógio joga contra os combatentes.

Há cerca de um ano, a presença de um organismo estranho chamou atenção de pescadores de Itaparica. Eles chamaram as autoridades, que confirmaram a aparição de um coral nunca antes visto em águas baianas. Desde então, uma cruzada tem sido feita para erradicar a espécie invasora, que prejudica a biodiversidade local.

Trata-se de um octocoral de aparência flexível e carnosa, encontrado em tons avermelhados ou branco. Em alguns pontos próximos à costa da ilha, chegam a medir dois metros. Ele se reproduz rapidamente, de maneira assexuada ou sexuada, e tem nome difícil: Chromonephthea braziliensis. Apesar da nomenclatura, o coral não tem origem no Brasil e foi identificado pela primeira vez no Rio de Janeiro, na década de 1990. Agora, a espécie ameaça a maior baía do Brasil.

O octocoroal suprime a biodiversidade nativa, compete por espaço com outros seres e reduz a disponibilidade de alimentos para peixes que habitam os recifes. Sem predador, ele se espalha com facilidade. Pelo menos até agora. A força-tarefa inédita, que reúne pesquisadores, órgãos estaduais e federais, além de voluntários, monitora e testa métodos diferentes de extermínio.

Octocoral é natural do Oceano Pacífico e foi identificado no Rio de Janeiro, na década de 1990
Octocoral é natural do Oceano Pacífico e foi identificado no Rio de Janeiro, na década de 1990 Crédito: Matheus Landim/GOVBA

Na manhã de quarta-feira (8), a reportagem do CORREIO acompanhou uma das missões de combate ao invasor. Os pesquisadores mergulharam próximo ao Forte de São Lourenço, na Ilha de Itaparica, para analisar como o octocoral se comportou após diferentes testes.

"O que estamos tentando descobrir com esse experimento é a melhor estratégia de remoção, para que a espécie não nasça de novo e não seja ainda mais espalhada", explicou Tiago Porto, superintendente da Secretaria do Meio Ambiente da Bahia (Sema). Ao todo, 15 pilares da Marinha de Itaparica, onde os corais se acumulam, são utilizados no experimento.

Em um deles, foi realizada a retirada manual do invasor. Nos outros, os pesquisadores observam como o coral reage ao contato com materiais distintos: sal azedo (ácido oxálico), água doce e vinagre. Os pesquisadores arrancaram parte dos corais, que ficam presos às estruturas artificiais ou naturais, durante a operação.

Fora da água, o octocoral não sobrevive. O organismo de aparência estranha chamou atenção de banhistas, que acompanharam surpresos a açãos dos mergulhadores. Ao serem tocados, os corais soltam uma espécie de líquido com consistência de gosma. 

Descoberta

A missão desta quarta-feira (8) aconteceu duas semanas após o início dos testes. Durante o mergulho, os pesquisadores observaram que os corais retirados manualmente não voltaram a atacar um dos pilares. A resposta também foi positiva nos corais que foram submetidos ao sal azedo, material corrosivo.

“O tratamento com sal azedo e a raspagem manual se mostraram mais efetivos. A pilastra onde os corais foram retirados continua limpa, e os que receberam sal azedo estão soltando da pilastra e morrendo”, disse a bióloga Tatiane Silva Aguiar, especialista em bioinvasão. Uma nova checagem nos próximos dias deverá confirmar a análise realizada hoje.

Inicialmente, os corais foram identificados nos pilares da Marinha, na praia conhecida como Píer do Vapor, em postes de navegação e em um recife próximo à Ilha do Medo, na Baía de Todos-os-Santos. Segundo pescadores da Ilha, nem o Ariadne Pandellis, navio que afundou na região em 1936, escapou da colonização do octocoral.

Octocoral se espalha com rapidez na Baía de Todos-os-Santos
Octocoral se espalha com rapidez na Baía de Todos-os-Santos Crédito: Matheus Landim/GOVBA

O invasor não foi identificado em Salvador, mas os especialistas temem que a reprodução acelerada prejudique o ecossistema como um todo, inclusive na capital. A hipótese mais provável é que o bioinvasor tenha chegado através de plataformas de petróleo trazidas do Rio de Janeiro. Ele é natural do Oceano Pacífico.

Próximos passos

A partir da análise dos resultados dos testes, os pesquisadores vão analisar se a raspagem manual é, de fato, a melhor maneira de retirar os corais da Baía. O processo deve ser feito de maneira cuidadosa para que outros seres não sejam prejudicados. Ainda há risco que, se retirado da maneira errada, o coral se multiplique com mais velocidade. Caso a erradicação funcione, será uma ação inédita.

“Agora que nós temos indícios dos melhores métodos para retirada desse bioinvasor, vamos proceder com a autorização para que a remoção possa ser feita”, explicou a bióloga Luana Ribeiro. A Baía de Todos-os-Santos é uma Área de Proteção Ambiental (APA) sob responsabilidade do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), parceiro na ação.

A expectativa é que a Pró-Mar, organização da sociedade civil de caráter socioambiental, seja autorizada a retirar os corais. Ela já pratica a remoção do coral-sol, outra espécie invasora que ameaça a Baía de Todos-os-Santos mas que, devido ao espalhamento, não pode mais ser erradicada.

“Nós precisamos de uma ação rápida e efetiva. Uma das características das espécies invasoras é que elas são muito oportunistas. Elas se adaptam bem ao ambiente e se reproduzem rápido. Por isso, nossa resposta precisa ser eficiente”, avalia Tiago Porto, da Secretaria de Meio Ambiente.

O projeto reúne especialistas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Centro Universitário Senai/Cimatec e da organização socioambiental Pró-Mar.

'Peixes sumindo'

Quem conhece as águas calmas da baía como a palma da mão, não tem dificuldade para encontrar o invasor. Morador da Ilha de Itaparica, o salva-vidas e pescador Alexandre Domício conta que percebeu os primeiros sinais da espécie há quatro anos. De lá para cá, o octocoral se espalhou sem controle pelos recifes, píer e marina. 

"Ele já tomou todos os lugares. Cresce muito rápido e parece árvores, em alguns pontos, no fundo do mar", conta Alexandre Domício. Os impactos são sentidos pelos mergulhadores e pescadores. "Antes, o que mais tinha aqui era robalo e tainha. Robalo de cinco, até 10 quilos. Eles sumiram depois que o coral cresceu", completa. A observação de Xandinho, como é conhecido, tem embasamento científico. 

Com seu poder de reprodução acelerada, as espécies invasoras alteram o equilíbrio do ecossistema local, disputando espaço e alimento com os seres nativos. "O impacto da invasão é fato. Um bicho desse não tem predador natural, ele cresce, se expande e ocupa os espaços que os corais nativos ocupam. O prejuízo é gigante", avalia Zé Pescador, presidente da associação Pró-Mar. Se for bem-sucedida, a missão será a primeira a erradicar uma espécie invasora na Baía de Todos-os-Santos. E a tropa está pronta para isso.