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Gilberto Barbosa
Publicado em 18 de agosto de 2024 às 15:44
Celebrando o legado de Mãe Bernadete Pacífico, a 7° edição do Festival de Cultura e Arte Quilombola foi realizado no quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador. O domingo encerrou os três dias de programação do evento, que iniciou na última sexta-feira (18).
Na entrada do quilombo foi construído um museu em homenagem a Mãe Bernadete, cuja morte completou um ano no último sábado (17). O lema “Mãe Bernadete, o legado continua” homenageia a liderança quilombola, que foi uma das idealizadoras do evento.
O festival contou com oficinas, passeios e apresentações culturais. No local foram reservados espaços para estandes de economia solidária onde comerciantes venderam produtos da gastronomia, agricultura familiar e artesanato. Também foram criados espaços para oficinas de gastronomia africana, artesanato em barro e piaçava, dança contemporânea e encanto das folhas.
“O meu objetivo é passar a arte para a comunidade e fazer com que eles possam dar continuidade a esse trabalho e ganhar dinheiro com isso. Dona Bernadete fez um trabalho maravilhoso e eu estou tendo o prazer de manter vivo esse trabalho. Ela era praticamente uma mãe, irmã e mora no meu coração até hoje. Essa é a razão que eu vim aqui”, relatou o artesão Ednaldo Araújo, 70 anos.
“Nós pensamos em elementos que são parte da cultura quilombola e que precisavam ser agregados ao festival. As oficinas, são fragmentos e representações de nossa identidade e esse evento preserva a continuidade dessas práticas, ritos e cerimônias que existem há décadas e não podem ser relegados ao esquecimento”, avaliou Wellington Pacífico, neto de Mãe Bernadete e um dos coordenadores do evento.
No início da manhã, integrantes do quilombo e instituições culturais de Simões Filho realizaram a Caminhada da Diversidade Cultural. Em seguida, foi entregue o Prêmio Mãe Bernadete Ancestralidade e Resistência, criado para homenagear personalidades com trabalhos voltados para reconhecimento, valorização e estímulo à cultura negra no Brasil. Entre os premiados estavam a Ministra da Cultura, Margareth Menezes e o presidente da Fundação Palmares, João Jorge.
“Mãe Bernadete era uma lutadora pelo reconhecimento dos direitos dos povos quilombolas. A forma violenta que foi tirada a vida dela chocou a todos, mas por outro lado, também fortaleceu da comunidade, chamando a atenção para a importância da preservação que esse e outros quilombos fazem para a cultura brasileira. É importante preservar os direitos dessas comunidades que foram adquiridos com sangue, suor e lágrimas e que atuam na manutenção da memória da população negra no Brasil”, declarou Margareth Menezes.
“Esse evento simboliza que os quilombos, a comunidade negra e a cultura religiosa não podem continuar sendo atacados desse jeito. A experiência desse lugar é a do Brasil moderno que sobreviveu há 200, 300 anos e serve para que o país pense a justiça e a igualdade. Estamos celebrando aqui a vida de Mãe Bernadette que teve sua vida física, mas está viva na memória da comunidade”, afirmou.
Outra premiada foi Rejane Rodrigues, liderança do quilombo Quingoma, localizado em Lauro de Freitas. Ela lembra que Mãe Bernadete esteve no local dias antes da sua morte para uma reunião entre lideranças quilombolas e a então presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber. No encontro, foram denunciadas ameaças e violências contra as comunidades quilombolas da região.
“Nós entregamos as cartas de manifestação e ela fez o pedido para que a ministra que não deixasse que a vida dela fosse ceifada. Manter esse legado é manter ela e a memória dela viva. É importante enriquecer a cultura da comunidade, a agricultura familiar, os laços, a rede quilombola da Bahia e da região metropolitana de Salvador para que a gente se una e fortaleça cada vez mais esse caminhar da nossa população sem que não precise que alguém morra pra ter o reconhecimento”, disse..
Após a entrega da premiação, a programação segue com apresentações dos grupos Quixabeira da Matinha, Sambadeiras do Alto do Tororó + Sambadeiras Renascer do Quilombo do Quingoma, Samba de Roda Bicho da Cana, Samba Kangerê de Sinhá e da Banda Massada.
Bernadete Pacífico foi morta na noite de 17 de julho de 2023 quando dois homens armados entraram em sua casa, no quilombo Pitanga dos Palmares e atiraram 12 vezes contra ela. Eles estavam usando capacetes no momento da ação. Liderança quilombola, ela denunciava as violências sofridas pelas comunidades e buscava justiça pela morte de seu filho Flávio Gabriel dos Santos, o Binho do Quilombo, morto em 2017.
Até o momento, cinco pessoas foram denunciadas por envolvimento com o crime. Arielson da Conceição Santos, Marílio dos Santos e Sérgio Ferreira de Jesus, irão a júri popular pelos crimes de homicídio qualificado por motivo torpe, de modo cruel, sem possibilidade de defesa da vítima. Já Josevan Dionísio dos Santos e Ydney Carlos dos Santos de Jesus, que também foram denunciados, estão foragidos.
*Com orientação da subeditora Monique Lôbo