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Com 64 km de praias em Salvador, por que o Rio Vermelho foi escolhido para abrigar a festa de Iemanjá

Especialistas explicam, entre lendas e relatos históricos, o que consolidou o bairro boêmio como o local de homenagens à Rainha das Águas

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Larissa Almeida

Publicado em 30 de janeiro de 2025 às 02:30

Casa de Iemanjá no Rio Vermelho Crédito: Paula Fróes/CORREIO

A popularização da festa em homenagem a Iemanjá, no dia 2 de fevereiro, mobiliza tantos religiosos e admiradores que já tem se tornado comum ouvir queixas sobre as ruas apertadas do Rio Vermelho não darem conta do público. É bem verdade, inclusive, que Salvador e seus quase 64 km de praias, tem trechos de orla maiores para receber a festa, se quiser. Ocorre que, para mudar a festa de endereço, seria preciso também mudar a casa de Iemanjá. E, para isso acontecer, não seria exagero dizer que a Rainha das Águas, em pessoa, teria que aparecer novamente em frente a Colônia de Pescadores de outro bairro, como fez no Rio Vermelho, segundo contam os mais velhos do candomblé até hoje.

“Dizem as lendas que, quando Iemanjá queria se banhar, ela escolheu o Rio Vermelho. Existe relatos de pessoas que viram essa mulher bonita, de cabelos compridos, se banhando à beira d’água, na madrugada, sozinha. Dizem até que teve pescador que chegou a ir atrás dela, mas quando chegou perto, ela sumiu. Ele teve esse privilégio na madrugada do dia 1º de fevereiro para o dia 2, há muitos anos”, conta André Nery, babalorixá do Terreiro Casa da Vitória, em Lauro de Freitas.

A história da escolha do bairro já virou lenda entre os moradores. Os pescadores da Colônia de Pescadores do Rio Vermelho, contudo, têm uma outra versão e também a levam muito a sério. “A história que eu conheço é que estava faltando peixe uma época e os pescadores decidiram colocar um presente no mar para Iemanjá. Eles pediram para que fizessem uma pescaria boa. Esse presente teria sido colocado em uma caixa de sapato e levado para o mar. [...] Não sou do candomblé, nem nada, mas tenho muito respeito pelas águas e acredito muito em tudo”, diz o pescador Nilo Garrido, de 59 anos.

Ambas as versões, tanto dos pescadores quanto dos candomblecistas, não se opõem. Para o historiador Rafael Dantas, isso se deve ao fato de que os dois lados ressaltam o que é importante para Iemanjá: as águas. “Nas primeiras décadas do século XX, quando a comunidade dos pescadores ofereceu esse presente para as águas, eles  ressaltam e valorizam a tradição pesqueira da cidade e essa herança de que foram os mares, junto com os homens e as mulheres, com suas práticas e costumes, que ajudaram na construção dessa comunidade”, ressalta.

O Rio Vermelho seria, assim, o local em que essas tradições se iniciam e continuam unidas até hoje. Ocorre que outros locais, ao longo da história, também já serviram como local para homenagear Iemanjá e as águas salgadas. É o caso do Dique do Tororó, Itapuã, Ribeira e Monte Serrat. O que fez o bairro conhecido pela boemia ganhar destaque em definitivo e tornar a Casa do Peso – onde eram pesados os pesos pelas medidas regionais – a casa de Iemanjá, foi a força da fé e do grito de quem ali morava.

“Iemanjá se firmou no Rio Vermelho porque essa casa dos pescadores passou a ter uma grande importância por conta do culto à orixá, que já era colocado [no mar] desde a década de 30. A partir disso, se criou essa referência. Além disso, as pessoas que propagavam mais o Rio Vermelho eram os moradores locais. É o caso de Jorge Amado, por exemplo”, aponta o jornalista, publicitário, escritor e pesquisador Nelson Cadena.

Vilson Caetano, babalorixá, antropólogo, professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pesquisador da cultura afro-brasileira, por sua vez, enfatiza que a nação Ijexá é quem primeiro deve ter o mérito por levar às homenagens a Iemanjá para o Rio Vermelho.

“Foi um candomblé de nação Ijexá quem organizou o primeiro o presente do Rio Vermelho, ainda quando se tinha o rio. O candomblé se chamava Língua de Vaca e foi fundado por uma crioula chamada Júlia Bugan. Este é um dos motivos da festa iniciar na véspera e raiar as primeiras horas da madrugada do dia 2 de fevereiro, ocasião em que o presente principal chega a Casa dos Pescadores”, finaliza.