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Millena Marques
Publicado em 17 de dezembro de 2024 às 02:00
Cinco dias se passaram desde a fuga de 16 detentos do Conjunto Penal de Eunápolis, no extremo sul da Bahia, e nenhum criminoso foi recapturado. Da quinta-feira (12), dia em que a ação criminosa aconteceu, até segunda-feira (16), três suspeitos de participação no crime foram mortos e dois presos. Os fugitivos, no entanto, continuam soltos, o que gera preocupação para os moradores e evidencia a desarticulação da política penitenciária do estado, segundo especialistas.
“Não há um número preciso para saber em quanto tempo (a captura) deve ser feita, mas quanto mais rápido, melhor. É preciso que seja feita uma operação séria para ver se existe algum tipo de agente corrupto que esteja ligada com essa fuga. Isso é muito sério, não pode acontecer e não pode virar regra”, disse Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas e membro do Fórum Brasileiro.
Para Dudu Ribeiro, coordenador da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia e cofundador da Iniciativa Negra, o tempo de recaptura tem relação direta com a capacidade investigativa das forças de segurança. Segundo ele, o atual modelo favorece, sobretudo, a Polícia Militar em detrimento da Polícia Científica, do Departamento de Polícia Técnica e do uso do recurso para inteligência e investigação.
De acordo com a Polícia Civil, três suspeitos de participação foram mortos em confrontos com as equipes de segurança na sexta-feira (13). Jaione Santos de Souza, 33 anos, apontado como um dos participantes do resgate, morreu após resistir a abordagem policial em sua residência. No local, foram apreendidos um revólver, outra arma e munições, que coincidem, segundo a polícia, com as utilizadas na invasão ao presídio.
Outros dois suspeitos, identificados como Fernando Correia Santos, 35 anos, e David Silva Souza, 32 anos, morreram em confronto com a Polícia Militar. “Ambos eram apontados como mentores do resgate dos 16 detentos”, disse, em nota, a Polícia Civil. As mortes aconteceram na sexta-feira, mas só foram confirmadas no último domingo (15).
Na noite do último sábado (14), um outro confronto resultou na morte de Jason dos Santos da Silva, 36 anos, durante uma operação para averiguar denúncias sobre os foragidos. Questionada sobre o envolvimento de Jason na fuga dos presos, a Polícia Civil disse que a informação pertence à Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap), que não respondeu até a publicação desta matéria.
A fuga que aconteceu na última quinta-feira é a terceira no Conjunto Penal de Eunápolis em oito anos – a maior e a única com invasão de grupo armado. Em dezembro do ano passado, dois homens fugiram da unidade, com a ajuda de pelo menos três funcionários. Em 2016, um detento fugiu disfarçado com peruca e barba, auxiliado pela família. O criminoso respondia por homicídio, tentativa de homicídio e roubo a banco.
A fuga da última semana é preocupante não só pelo número de fugitivos, mas também como foi orquestrada. Os presos perfuraram o teto e saíram ao mesmo tempo que o grupo criminoso cortou a grade da unidade e atirou nos guardas de plantão. Depois, os detentos teriam fugido em direção a uma área de vegetação. O objetivo dos suspeitos mortos e dos outros seis comparsas que trocaram tiros com agentes penitenciários no momento da fuga era resgatar um preso em específico: Ednaldo Pereira Souza. Conhecido como Dadá, ele é apontado como chefe da facção Primeiro Comando de Eunápolis (PCE).
“A Bahia está passando por um processo de reorganização da geopolítica das facções, da guerra e das organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas e de armas. Em parte, é fruto do avanço das organizações tradicionais do Sudeste para o Nordeste brasileiro. Isso tem feito surgir novas organizações”, explicou Dudu Ribeiro.
Somente em 2024, o governo estadual gastou R$ 56,59 milhões com a Reviver Administração Prisional Privada LTDA, empresa privada que administra o Conjunto Penal de Eunápolis e mais três unidades prisionais na Bahia – Conjuntos Penais de Serrinha, Valença e Juazeiro. Nos últimos dois anos, foram gastos R$ 126,32 milhões com a Reviver. Os dados são do Portal de Transparência do Estado da Bahia.
Esse modelo de gestão, ainda, é um ponto a ser analisado sobre os problemas envolvendo o sistema prisional da Bahia, segundo Dudu Ribeiro. “O Estado que tem a tutela da liberdade dessas pessoas, nesse sentido, muitas vezes se desresponsabiliza e favorece uma gestão que é mais baseada na lógica dos recursos do que na vida das pessoas que estão dentro do sistema prisional”, ressaltou.
Ainda segundo o especialista, as consequências dessa fuga são resultados de uma lógica de atuação de segurança pública que não está restrita à Bahia. “É o modelo seguido por todo o Brasil, que é baseado numa lógica que favorece a guerra, o confronto, as arbitrariedades, as altíssimas taxas de violência letal, de crimes cometidos, inclusive, por agentes públicos”, pontuou.
A reportagem não conseguiu contato com a operadora do Conjunto Penal de Eunápolis. O Sindicato dos Policiais Penais e Servidores Penitenciários da Bahia (SINPPSPEB) foi procurado, mas retornou até a publicação desta matéria.
*Com orientação da subeditora Monique Lôbo