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'Ciência é uma ferramenta que precisa ser respeitada', diz Natalia Pasternak

Uma das principais vozes contra o negacionismo na pandemia, microbiologista lança livro sobre pseudociências e provoca debate

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 20 de agosto de 2023 às 05:00

Natalia Pasternak falou sobre método científico, pseudociências e políticas públicas
Natalia Pasternak falou sobre método científico, pseudociências e políticas públicas Crédito: Cristina Pye/Divulgação

No auge da pandemia da covid-19, a microbiologista Natalia Pasternak, doutora em Microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP), foi uma das principais vozes em defesa da ciência e contra o negacionismo nas medidas de combate ao coronavírus. Diretora-presidente do Instituto Questão de Ciência, ela era figura frequente em entrevistas na televisão e até foi convidada, na condição de especialista, para falar na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, no Senado Federal.

Se Pasternak foi uma das que mais contribuiu para que o debate sobre ciência estivesse mais perto da vida dos brasileiros durante a pandemia, agora ela também tem provocado o mesmo efeito de outra forma. Nas últimas semanas, o lançamento do livro Que Bobagem!: pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério (editora Contexto), de autoria dela e do jornalista especializado em ciência Carlos Orsi, levantou debates, polêmicas e até a revolta de categorias como psicanalistas e médicos homeopatas.

Em meio a reações de todos os tipos, o livro passou a figurar nas principais listas de bestsellers do país - inclusive, chegou ao topo do ranking dos mais vendidos de não-ficção da revista Veja - e os questionamentos sobre o que é ciência foram para o centro do noticiário nacional. Para Natalia, o objetivo da obra foi cumprido. "O que estamos fazendo é muito mais um trabalho de traduzir e transformar os estudos científicos numa linguagem acessível. O que tem no livro não é nossa opinião", explica.

Dos Estados Unidos, onde desde o ano passado atua como pesquisadora e professora adjunta na Universidade de Columbia, ela conversou com o CORREIO por telefone esta semana. Na entrevista, além de comentar a discussão sobre pseudociência, falou ainda sobre comunicação científica, método científico e políticas públicas.

O seu novo livro está entre os mais vendidos do Brasil em todas as listas. Mais do que isso, ele tem provocado muitas discussões e polêmicas. Você esperava toda essa repercussão ou algo em toda essa reação te surpreendeu?

Ele é um livro provocativo, que foi escrito para provocar o debate. Então a gente esperava alguma repercussão, mas baseado nos (livros) anteriores a gente certamente não esperava uma repercussão desse tamanho. Por um lado, nos deixa muito felizes porque tinha esse propósito de provocar o debate público e o debate foi provocado. O livro cumpre sua função e muito mais do que atendeu nossas expectativas.

O que a gente não esperava foram as reações muito específicas. A gente esperava reações de entidades de classe que poderiam se sentir ofendidas com o livro por verem práticas que eles consideram legítima sendo descritas como pseudociência, com os autores dizendo que não existem evidências científicas de que funcione, principalmente por parte das entidades de classe que representam práticas médicas no Brasil, como a homeopatia. A gente esperava dessas porque são especialidades no Brasil.

A gente não esperava reação das sociedades da classe psicanalítica porque a psicanálise entrou como metade de um capítulo apenas. A gente realmente não esperava uma reação desproporcional ao que a gente realmente trata, que é metade de um capítulo. A gente incluiu no livro porque é um prática muito popular no Brasil, comparado a outros países do mundo, onde a prática não é levada a sério. A gente achou que ela merecia figurar dentro do capítulo de psicomodismos porque ao redor do mundo a psicanálise não é considerada prática científica e, como prática clínica, é questionável. Assim como também falamos de outras práticas questionáveis, como dietas da moeda e pseudoarqueologia. A gente não esperava uma reação tão acalorada (risos).

Por que tanta gente ainda acredita em pseudociência? Inclusive, o que seria a pseudociência? Significa necessariamente algo que não funciona?

Não é algo que não funciona, é algo que é visto como ciência mas não é. Algo que não passou pelo crivo científico. Existe uma discussão filosófica sobre pseudociência que vem desde Karl Popper (filósofo austro-britânico, morto em 1994) para definir o que é ciência e o que não é. Não foi assim que a gente encarou no livro.

O que a gente queria trazer era uma discussão prática para pessoas que não estão interessadas na discussão filosófica para que pudessem entender, no dia a dia, sobre aquelas práticas vistas como científicas mas que, aos olhos da ciência não são, não passaram pelo rigor metodológico da ciência.

Muita gente diz ‘ah, mas ninguém falou que homeopatia é uma ciência’. Tem homeopatas que falam que é uma espiritualidade, mas ela é vista como ciência pela população e vendida como ciência por parte dos seus praticantes. Foi esse o critério de inclusão: práticas que parecem científicas, que são vistas como científicas, mas que na verdade não são.

Já que falamos na reação, muitas entidades e instituições refutam a ideia de que a psicanálise seja uma pseudociência. A mesma coisa com a homeopatia. Como você responde a essas críticas?

Como a gente sempre respondeu, quando nós somos procurados pessoalmente por associações e sociedades. A gente fala que nossa posição está bem clara tanto nos livros quanto nos artigos publicados pela questão, nas notas técnicas do Instituto Questão de Ciência.

Jamais atacamos pessoas, profissionais de qualquer área. Nós não falamos de pessoas, falamos de práticas, de ideias. Não há o que responder a esse tipo de crítica em geral porque nossa posição já está pública, não tem muito o que se responder. A gente publicou não só no livro, mas inúmeros artigos de jornal e revista.

Outra coisa que é importante é que somos comunicadores de ciência. Nosso trabalho é fazer a informação correta, baseada em evidência científica, circular. Não somos pesquisadores de homeopatia, de psicanálise. Somos comunicadores de ciência, então vamos juntar as evidências investigadas por outros cientistas e reunir, como fizemos no livro, em uma linguagem adequada e acessível para população, para que qualquer pessoa seja capaz de entender.

O que estamos fazendo é muito mais um trabalho de traduzir e transformar os estudos científicos numa linguagem acessível. O que tem no livro não é nossa opinião e não tem nada de original no Que Bobagem!. O livro é uma análise da literatura científica. Não tem nada que eu ou Orsi trouxemos de novo. A gente avaliou, reuniu e traduziu numa linguagem acessível o que os melhores estudos dizem sobre essas práticas.

Não tem muito sentido responder a resenhas, críticas. A gente agradece. Todas que chegaram até nós são muito valiosas para que a gente entenda, mas não faz sentido responder uma a uma.

A pandemia reforçou a importância de ouvir a ciência. Em que o método científico é diferente dos estudos feitos sobre a psicanálise, a acupuntura, a medicina tradicional chinesa ou mesmo dietas como low carb?

Em geral, a gente deixa bem claro porque acontece muito e confunde a população. Não basta existir um artigo publicado sobre o tema para que automaticamente esse tema se torne ciência. Tem que ver qual a metodologia usada naquele artigo, onde foi publicado, se foi publicado pelos pares, se foi revisado. Homeopatia, por exemplo, tem revistas próprias. Os pares são homeopatas, então é uma revista interna. A gente tem que avaliar tudo isso.

Existem vieses pessoais envolvidos. O bom cientista tenta minimizar esses vieses e vai procurar ativamente esses erros metodológicos. E é isso que a gente fala de qualidade dos artigos. Por isso é importante ter um livro como o Que Bobagem!, que fale para as pessoas ‘olha, não se deixa enganar quando alguém traz uma pilha de artigos publicados em periódicos considerados científicos dizendo que se tem artigo, então é verdade'.

Não, hoje em dia tem trabalhos mal feitos, trabalhos que não foram revisados. Não estou falando de fraude, estou falando de erro mesmo. Então acaba que tem muito artigo que foi mal escrito. Quando alguém diz que uma coisa funciona pra uma doença x, aí você olha o artigo e vê que não teve grupo controle ou os controles não foram adequados, não teve grupo placebo, a seleção dos participantes não foi randomizada, os estudos não eram cegos, as pessoas sabiam o que estavam tomando. Isso tudo são exemplos que a gente avalia e muitas vezes as pessoas não sabem.

Substitua x por cloroquina, porque a gente viveu isso na pandemia. Quantos artigos de cientistas, alguns até renomados, falando o quanto cloroquina funcionava? Quando íamos ver, eram papers com falhas metodológicas muito graves.

O que a gente mostra é que isso não começou na pandemia. A mesma coisa que aconteceu com a cloroquina aconteceu com acupuntura, a psicanálise, a homeopatia. Não foi só a cloroquina.

Você vai olhar os 50 artigos, um por um, e vai ver que eles não param em pé, por isso a gente apresenta no livro os melhores estudos feitos de cada prática. Foi muito mais esse trabalho, que é um trabalho muito rigoroso de avaliação e evidências.

Como o conceito de ciência pode incluir incluir as ciências humanas, ciências sociais aplicadas ou mesmo os saberes dos povos tradicionais?

As humanidades, as ciências sociais e os saberes tradicionais podem ser vistos de forma científica de acordo com o respeito às evidências. As ciências sociais inclusive usam métodos quantitativos e estatísticos de maneira corriqueira, mas com certeza todas as humanidades podem ter esse respeito. Se você pensar numa pesquisa histórica, um historiador tem respeito pelas evidências, assim como uma pessoa que estuda saberes tradicionais ou saberes indígenas.

O respeito às evidências pode se aplicar a qualquer área do conhecimento. Mas a ciência não é tudo na vida, é importante dizer. As pessoas que não leram o livro e são a maior parte dos críticos acabam fazendo essa inferência. ‘Ah, eles acham que só a ciência tem resposta para tudo’. Não, nós somos grandes admiradores de música, arte, literatura. E o que seria do mundo sem essas outras áreas do conhecimento? A ciência não é a única ferramenta para medir o mundo. Ela é uma ferramenta e, como ferramenta, precisa ser respeitada.

Quando tem práticas, teorias que se propõem a explicar como funciona o corpo humano, que medicamento ou vacina precisa usar, que evidências de uma civilização antiga, qual dieta realmente funciona, teorias que fazem esse tipo de pergunta, precisam apresentar um respeito às evidências científicas.

Você acha que a população brasileira hoje está mais interessada em ciência, depois da pandemia?

Eu acho que está mais interessada e acho que por isso o livro tenha se tornado tão popular tão rápido. Foi muito bonito ver um livro de ciência se tornar o mais vendido do Brasil. E quando a gente pensou que qualquer livro ia se tornar o centro do debate público? As pessoas estão comentando sobre um livro de ciência, não sobre uma série de streaming, uma novela bacana ou quem ganhou o BBB (Big Brother Brasil).

A pandemia foi interessante nesse sentido, despertou o interesse pela ciência. Ela tirou a ciência do lugar secundário que era um lugar mais de entretenimento, não como ferramenta de tomada de decisões, de influenciar políticas públicas. Ciência era aquela notícia que aparecia entre política e economia para dar um respiro e agora ela ocupa o centro do debate.

Pensando nesse aspecto das políticas públicas, como você viu a sanção da ozonioterapia pelo governo federal?

Acho que a palavra para descrever o que todos os cientistas brasileiros sentiram é decepção. Um governo que se dizia tão favorável à ciência, que dizia respeitar a ciência para políticas públicas, de repente sanciona uma lei que promove uma prática que não só não tem evidências científicas de eficácia, mas não tem evidências de segurança e pode ser perigosa, e sanciona essa lei após diversas manifestações de sociedades médicas, científicas, do Instituto Questão de Ciência e até da Academia de Medicina. Todas as sociedades pediram o voto ao presidente. Acho que a palavra é decepção. Não consigo deixar de me perguntar é: se o presidente tivesse lido Que Bobagem!, será que ele teria sancionado?

Ozonioterapia não está no livro, porque confesso que não achei tão relevante, mas fomos muito otimistas. Achamos que tinha preocupações maiores, mas tem que entrar num volume 2. A gente realmente não pensou que precisaria falar dessas pseudociências não tão populares. A gente realmente não imaginou que fosse ganhar esse espaço tanto como legislação como prática sancionada.