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Gilberto Barbosa
Publicado em 16 de janeiro de 2025 às 15:48
Símbolo do sincretismo religioso que marca a Lavagem do Bonfim, a lavagem do adro e das escadarias pelas baianas são parte marcante da cerimônia religiosa. Por volta das 12h50, elas iniciaram a cerimônia em culto à Oxalá, considerado o orixá supremo. A tradição teve origem ainda no início da festa, no século XVIII, e segue até os dias atuais.
As primeiras baianas chegaram no adro do Santuário do Senhor do Bonfim por volta das 10h. Parte delas completou o trajeto de sete quilômetros que partiu da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, no Comércio. Uma delas foi Maria Raimunda dos Santos, 74, que faz o percurso há cerca de 44 anos. Ela acordou às 4h30 para sair de sua casa, no Dois de Julho, em direção à Cidade Baixa.
"Eu já faço esse percurso há anos. Hoje eu me arrumei cedo e saí de casa com minha filha. Ela me disse para irmos devagarinho para conseguirmos chegar aqui com tranquilidade e eu poder descansar até a chegada da imagem. Eu tomei uma queda recentemente e estou sentindo muitas dores, mas enquanto ele me der força, eu vou continuar com a caminhada", disse.
A lavagem das escadarias também é tradição na família da ialorixá Mãe Carmen França, 76 anos. Ela conta que foi pela primeira vez à Lavagem do Bonfim quando ainda tinha cinco anos, acompanhando a mãe. Cerca de 70 anos depois, ela continua fazendo o percurso como demonstração de fé e gratidão.
“Tem que vir na fé de Oxalá com muita paz, muito amor, muita dedicação, muita força e muita resiliência. Precisamos ser gratos por todas as bênçãos que recebemos e ainda é pouco estarmos aqui seja com sol ou chuva. A lavagem representa um momento de força para todos que estão precisando de um acalento, de um amor ou de uma oração”, falou.
Outra que foi para a basílica foi a gaúcha Iya Beth Omideuá, 59, que subiu a Colina Sagrada pela primeira vez. Ela conta que costuma vir a Salvador nesta época do ano e que conseguiu esticar a estadia até a festa do Bonfim.
“Eu me senti na obrigação de estar aqui porque o Rio Grande do Sul no último ano. Eu fiz questão de ficar até hoje para pedir que o Senhor do Bonfim coloque seu manto sobre o país para que essas tragédias não aconteçam e tenhamos mais amor e tolerância entre as pessoas, povos e religiões”, exaltou.
Reitor da Basílica do Senhor do Bonfim, o padre Edson Menezes reforçou o caráter de união da festa religiosa. “A lavagem é um momento de integração, de convivência pacífica em que, mesmo professando uma fé diferente, caminhamos juntos. Nesse momento, todos nós nos reconhecemos como irmãos”, exaltou.
Após o discurso do padre Edson, as baianas desceram as escadas e distribuíram rosas para os fiéis que estavam em frente a Basílica. Esse momento foi liderado pela baiana Índia Flores, 62, que distribui rosas há 15 anos. “Esse é um momento de amor e carinho. Eu não tenho nada a pedir, só proteção, e vim agradecer por tudo, em especial os meus filhos que estão bem cuidados”, comentou.
A tradição remonta às origens da festa, quando negros e negras escravizados eram colocados para realizar uma grande limpeza na igreja antes das missas. Com o passar dos anos, os africanos e seus descendentes associaram a lavagem ao culto ancestral a Oxalá e deram seus próprios significados à celebração. Daí surgiu o costume das mulheres vestidas de branco e prata para lavarem o adro e as escadarias.
No século XIX, o cortejo foi proibido pela Igreja Católica. A proibição foi revogada em 1934, no entanto, a Igreja permanece fechada nos dias da festa. Com isso, a lavagem teve que se adaptar e os devotos passaram a lavar o adro e as escadarias do Santuário.
*Com orientação da subeditora Monique Lôbo