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Maysa Polcri
Publicado em 2 de maio de 2024 às 05:00
Após o desabamento parcial da fachada de um casarão histórico em Ilhéus, no sul da Bahia, na terça-feira (30), moradores da cidade buscaram o CORREIO para denunciar outros imóveis que têm estruturas precárias e correm risco de desabar. Na lista dos locais prejudicados estão a casa onde o autor baiano Jorge Amado morou, o Palácio Paranaguá e um casarão onde funcionou a Marinha Marcante. A prefeitura nega que os espaços estejam abandonados.
Em 2021, o grupo Preserva Ilhéus, coletivo que luta pela preservação dos patrimônios históricos da cidade, enviou um documento ao Conselho de Cultura de Ilhéus no qual alerta para o risco de desabamentos e a precariedade de dez monumentos históricos. Entre eles está o casarão que abrigou a Sociedade Protetora dos Artistas e Operários de Ilhéus, que teve parte da fachada destruída em um desabamento no início da semana.
O prédio está no centro de uma disputa judicial há 25 anos, quando a prefeitura da cidade tentou desapropriar o local pela primeira vez. Na época, a gestão municipal não pagou o valor indenizatório de R$28 mil estipulado pela Justiça. A Defesa Civil já havia alertado para o risco de desabamento do casarão, que foi tombado pela prefeitura em 1993.
A casa amarela onde Jorge Amado morou durante a infância e adolescência foi transformada em centro cultural pela prefeitura em 1997. Desde então, o equipamento se tornou ponto turístico e abriga roupas, fotos e outros objetos que fizeram parte da vida do escritor. A estrutura do local, no entanto, está em risco, segundo a educadora e museóloga Anarleide Cruz Menezes.
“A Casa de Cultura Jorge Amado está numa situação delicada. As situações complicadas vem do telhado, as coberturas começam a ser prejudicadas pelas chuvas e trepidação de carros que passam pela rua. As telhas começam a sair do lugar e precisam de manutenção diária”, explica Anarleide, que é presidente da Rede de Museus e Pontos de Memória do Sul da Bahia, além de vice-presidente da Academia de Letras de Ilhéus.
A situação é ainda mais delicada no casarão localizado na Rua Conselheiro Dantas, onde funcionou a Marinha Mercante, que está em risco iminente de desabamento, segundo o coletivo e a própria prefeitura. O imóvel está perto de comércios em uma região movimentada, o que aumenta a preocuapação. A situação do casarão, que está inabitado, é parecida com a do que desabou na terça-feira (30). Telhas fora do lugar, vigas à mostra e janelas quebradas são alguns dos problemas.
“É possível observar árvores crescendo no telhado do casarão onde a fachada desmoronou. Qualquer semente jogada por um pássaro e que encontre uma rachadura pode germinar. Isso pode parecer inofensivo, mas as raízes aprofundam as rachaduras até chegar ao ponto de abrir uma fenda”, explica a museóloga.
O espaço que abrigou a Marinha Mercante foi construído no final do século XIX e é de responsabilidade da União. Em 2018, o governo federal cedeu o uso do espaço à prefeitura de Ilhéus para que ali fosse instalada a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo, mas a parceria não durou.
A Superintendência do Patrimônio da União na Bahia (SPU/BA) foi questionada sobre o que motivou a retomada do controle do casarão e sobre a conservação do espaço, mas não respondeu. Esta reportagem será atualizada quando houver posicionamento do órgão.
Além dos já citados, o Coletivo Preserva Ilhéus chama atenção para a situação do Palácio Paranaguá, considerado uma “jóia rara” do neoclássico no interior da Bahia. “Ele tem todos os elementos do período neoclássico e o telhado está todo comprometido. Se uma chuva como a que aconteceu nesta semana se repetir, ele também pode cair”, alerta Anarleide Cruz.
Aparecem na lista como locais de má conservação a Biblioteca Pública Adonias Filho, o Obelisco ao Dois de Julho, duas estátuas (Sapho e Inverno), além do prédio da Associação Comercial de Ilhéus e do antigo Grupo Escolar General Osório.
A gestão do prefeito Mário Alexandre (PSD) nega que os espaços estejam abandonados e diz que faz projetos para restaurar o Centro Histórico. “A estátua Sapho e o Obelisco já foram recuperados. Nós estamos no processo de recuperação do Palácio Paranaguá e também estamos negociando a questão do General Osório”, disse Geraldo Magela, secretário de Cultura de Ilhéus.
“O Governo do Estado nos prometeu ajudar no General Osório, no Palácio Paranaguá e na Casa Jorge Amado. O problema é que tem alguns prédios que não são da prefeitura, como da União, que é o que tem maior risco de desabamento”, diz o secretário sobre o casarão onde funcionou a Marinha Mercante.
Enquanto as tratativas são feitas, a população teme que outra tragédia anunciada se repita. “Ilhéus tem 490 anos de história e não é possível que prédios centenários sejam tratados dessa forma. Os imóveis estão largados, abandonados e às traças, à beira de cair, no Centro Histórico. Enquanto isso, a prefeitura se volta para a verticalização da zona sul da cidade, onde a especulação imobiliária cresce assustadoramente”, lamenta Jurema Cintra, advogada do Coletivo Preserva Ilhéus.