Caruru de obrigação: é possível quebrar a promessa?

Entenda se todo caruru é de santo e o motivo de serem sete meninos

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  • Gil Santos

Publicado em 27 de setembro de 2024 às 05:30

O caruru aos Ibejis reúne as comidas de todos os orixás, o que inclui vatapá, arroz branco, feijão preto, inhame, milho branco, acarajé, abará, cana, xinxim de galinha, banana frita e farofa de dendê.
O caruru aos Ibejis reúne as comidas de todos os orixás, o que inclui vatapá, arroz branco, feijão preto, inhame, milho branco, acarajé, abará, cana, xinxim de galinha, banana frita e farofa de dendê. Crédito: Paula Fróes/Correio

Na maioria das vezes,  a oferta do caruru está relacionado a uma promessa. São homens ou mulheres que alcançaram alguma graça ou fizeram algum pedido para São Cosme, São Damião ou o orixá Ibeji. Quem por alguma razão já quebrou a tradição afirma que sofreu consequências, mas o que acontece quando essa pessoa não pode ou quer mais continuar a festa?

A omorixá do Terreiro Casa Branca Josenice Guimarães explica que a promessa está relacionada, diretamente, com a fé e que a ideia de castigo ou punição por interromper a tradição também faz parte da crença.

"Tudo é uma questão de fé. Se você acredita, ela vai ser satisfatória e otimizará a vida do devoto. Do mesmo jeito, se houver quebra na tradição, tudo o que houver de ruim e os fracassos da vida serão atribuídos à quebra desse voto. Tem pessoas que param de oferecer caruru e encontram outra forma de ajudar, tudo é crença", explicou.

Joanice também é professora na rede municipal e frisou que, apesar do caruru estar relacionado com fé no candomblé e no catolicismo, ele é um alimento comum e usado para celebrar aniversários, eventos para reunir a família e para doações aos mais necessitados. "Nem todo caruru precisa ser de santo ou uma representação de fé. É uma iguaria maravilhosa, que pode ser oferecida por diferentes motivos", disse.

A omorixá também comentou sobre a representação dos sete meninos. A tradição estabelece que as crianças devem comer na mesma bacia e sem talheres, o contato deve ser direto com o alimento, mas, nos últimos anos, a estratégia adotada tem sido usar sete pratos. Eles são arriados três vezes, as crianças comem e depois são feitos os cânticos e orações.

"Não vejo problema nessa mudança, principalmente, depois do que vivemos durante a pandemia, o caruru é o mesmo e a intenção não muda. A matemática é fundamental no candomblé, fazemos muitas contas, assim como no catolicismo. Sete é a conta de Oxum e de Ogum, é um número que está relacionado com as religiões de matriz africana, por isso, o caruru é de sete meninos", contou.

O caruru aos Ibejis reúne as comidas de todos os orixás, o que inclui vatapá, arroz branco, feijão preto, inhame, milho branco, acarajé, abará, cana, xinxim de galinha, banana frita e farofa de dendê. Como são erês, ou seja, crianças, tem também pipoca, rapadura e balas, de preferência de mel.

O Ilê Axé Iyá Nassô Oká, mais conhecido como Terreiro da Casa Braca, é o mais antigo do Brasil. Ele foi fundado no tempo do Brasil Império, na primeira metade do século XIX e permanece em atuação. A tradição do caruru a São Cosme e São Damião é tão forte que, no dia 19 de setembro de 2024, o caruru de São Cosme e Damião foi declarado patrimônio imaterial da Bahia pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC).