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Larissa Almeida
Publicado em 27 de novembro de 2024 às 05:44
Quando a hematologista e cofundadora da International Myeloma Foudation Latin America (IMFLA) Vania Hungria começou a cuidar de pacientes com mieloma múltiplo, em 1984, a única opção de tratamento disponível era a combinação de Melfalano com Prednisona, dois medicamentos que só proporcionavam, no máximo, três anos de sobrevida. A partir da década de 90, outras opções surgiram, mas nada tão revolucionário quanto a CAR-T Cell, que, atualmente, é a terapia mais promissora para quem tem a doença.
Só a CAR-T Cell garante pelo menos três anos livres de tratamento. Ainda não há uma estimativa de sobrevida, já que os pacientes que fizeram uso do tratamento ainda estão vivendo de maneira plena. No Brasil, houve apenas um paciente autorizado a fazer o uso dessa opção e foi justamente um homem atendido pela hematologista Vania Hungria.
“A CAR-T, no Brasil, foi aprovado há dois anos. Havia experiência em estudo clínico, mas o meu paciente foi o primeiro a ser autorizado para uso comercial. No entanto, ele ainda está em fase de análise e preparação, não recebeu a CAR-T. Quando essa fase acabar, ele vai para os Estados Unidos iniciar alguns processos. Não é fácil. Só para obter aprovação para fazer foram dois meses”, diz a especialista.
A dificuldade para ter acesso ao tratamento se deve à complexidade científica envolvida no processo. Para se ter ideia, não é possível fazer o tratamento, exclusivamente, no Brasil. Isso porque a CAR-T, que é uma terapia celular, consiste na alteração in vitro da célula defeituosa e disseminadora do mieloma múltiplo – processo que, atualmente, só pode ser feito nos Estados Unidos.
“No tratamento, nós pegamos o linfócito que não está funcionando no paciente e fazemos a limpeza do sangue dele em uma máquina. In vitro, fazemos uma modificação genética da célula através de vários processos, mas, normalmente, ocorre por meio de vírus modificado. Então, nós colocamos o vírus lá para jogar o DNA dentro da célula T do paciente, para que ela se transforme geneticamente”, explica Edvan Crusóe, hematologista, chefe do serviço de Hematologia e Hemoterapia do Hospital Universitário da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e coordenador do Centro Integrado de Tratamento do Mieloma Múltiplo da Rede D’ Or.
Na superfície da célula modificada, começa a surgir uma proteína que vai reagir especificamente com a proteína do tumor. Ela é chamada de ‘constroct’, já que é fruto de uma construção científica. “É possível construir a CAR-T que o paciente precisa para qualquer coisa. Não à toa, existem CAR-Ts para leucemia aguda, linfomas e mielomas. Acredito que não vai parar nunca mais”, afirma Edvan Crusoé.
O surgimento do Cartitude 1, que foi o estudo inicial da CAR-T, tinha como condição de funcionamento o uso da terapia para pacientes que já haviam sido expostos há pelo menos três classes de medicações: inibidores de proteassoma, imunomoduladores e quimioterapia. Hoje, os médicos já estão estudando o Cartitude 4, que analisam o impacto para pacientes que foram expostos a, no máximo, duas linhas de tratamento.
Segundo Edvan, os resultados têm sido animadores. “O CAR-T aumenta muito a sobrevida. A CAR-T Cell devolveu aos pacientes que morreriam em um ano, pelo menos, três anos de controle de doença, chegando a pelo menos cinco anos de sobrevida, já que a sobrevida global não foi atingida ainda. Então, essa terapia faz uma grande diferença”, enfatiza.
No Brasil, há três centros habilitados a ofertar o uso da terapia CAR-T Cell e todos eles estão em São Paulo. Na Bahia, só há CAR-T Cell para linfoma, que, inclusive, tem respostas ainda mais positivas. O acesso, no entanto, ainda é muito limitado, visto que os custos para o uso do tratamento são altos e envolvem a ida do paciente aos Estados Unidos.
Para Angelo Maiolino, que é hematologista, presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) e professor de Hematologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é preciso discutir o acesso urgentemente para que o tratamento deixe de ser exclusivo e possa dar a possibilidade de controle para outros pacientes.
“Se houver a disponibilidade de usar esses tratamentos, com certeza, para a maioria dos pacientes, haverá um tempo muito longo de duração de resposta. Não chamo de cura, mas já temos pacientes com 15 a 25 anos de duração de resposta [com os tratamentos atuais]”, finaliza.
*A repórter Larissa Almeida viajou para o Rio de Janeiro, a convite da Johnson & Johnson no Brasil, para cobrir o evento International Myeloma Society, ocorrido em setembro deste ano.