Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Carolina Cerqueira
Publicado em 11 de novembro de 2023 às 05:00
Seu nome remete à presença de lagoas, rios (Sauípe, Catu, Subaúma e Quiricó) e córregos existentes no local. É a esse potencial aquífero natural que Alagoinhas deve a fama de terra de um outro tipo de água: a que passarinho não bebe. A primeira fábrica de cerveja por lá, a Schincariol, foi instalada em 1997 e posteriormente adquirida pelo grupo Heineken, que divide o território com o grupo Petrópolis e mais 30 cervejarias artesanais, além de quatro grandes fábricas de outras bebidas, latas, garrafas, tampas, rótulos e engradados. Para 2024, está prevista a chegada de mais duas grandes cervejarias.
Em 2022 foram produzidos 1,38 bilhão de litros de cerveja na cidade, além de outros 336 milhões de litros de refrigerantes e 60 milhões de água mineral. São mais de cinco mil empregos diretos e indiretos gerados entre fábricas, revendedoras e estabelecimentos como bares e restaurantes, por exemplo. O setor movimenta ao todo 28,1% do Produto Interno Bruto (PIB) do município, de acordo com o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, Bruno Fagundes.
O secretário destaca a localização privilegiada (a 128 km de Salvador, 80 km de Feira de Santana, 80 km de Camaçari e cortada pelas BRs 101 e 110), a mão de obra disponível e também a busca da gestão municipal pela redução da burocracia à qual as empresas são submetidas. Mas o segredo mesmo, consenso entre gestores, moradores, empresários e comerciantes, está debaixo da terra.
“A água de Alagoinhas é considerada a melhor do Brasil e a segunda melhor do mundo”, garante Francisco Brito, diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), responsável pela captação e distribuição da água para a população da cidade, que não tem atuação da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), assim como outros 49 municípios baianos.
“A cidade está na Bacia Sedimentar do Recôncavo Norte e no aquífero São Sebastião, que é uma zona de recarga que vai de Dias d’Ávila a Tucano e equivale a 7% de toda a disponibilidade hídrica do Recôncavo. Então temos grande quantidade e, devido à formação geológica do solo, também muita qualidade”, explica Brito.
Como as fábricas fazem captação própria de água, através de outorga do Instituto de Recursos Hídricos e Meio Ambiente (Inema), a localização em uma região de aquífero, como é o caso de Alagoinhas, se torna um diferencial. É o que garante Debora Lehnen, mestre cervejeira com mestrado em Química pela University of California.
“As grandes marcas têm um padrão de produção e a água sempre vai precisar de um tratamento para remoção ou adição de sais para atingir o ideal. Quando uma fábrica está numa localidade com abundância e qualidade para produção de cerveja – que é uma água pouco poluída, com baixa quantidade de sais, mais leve – acaba que os custos para o tratamento são reduzidos”, diz Debora, que também é sócia-proprietária da Proa Cervejaria.
A chave está no índice de acidez (conhecido como PH) próximo do neutro (7), ideal para a produção de bebidas alcóolicas e não alcóolicas. Foi esse um dos principais atrativos para o grupo Petrópolis chegar à cidade, em 2013. “Isso se soma à posição estratégica para distribuição dos produtos entre Bahia, Sergipe, Tocantins e Maranhão, e à oferta de mão de obra qualificada. Aproximadamente 90% dos nossos colaboradores são de Alagoinhas mesmo”, afirma Renato Souza, gerente geral da fábrica do grupo que fica localizada no município. Ele acrescenta que o contexto acaba barateando os preços para o consumidor final alagoinhense.
O gerente conta ainda que, nesses 10 anos de operação, a fábrica já passou por duas ampliações, dobrando a produção de cerveja, e hoje gera sozinha cerca de mil empregos diretos e quatro mil indiretos. “De duas passamos para quatro linhas de cerveja e também instalamos a produção de refrigerante. Para as pessoas terem uma ideia, são 256 mil latas e 124 mil garrafas produzidas a cada hora”.
Justamente pelo destaque no volume da produção de breja que abastece a região Nordeste do país e parte de Minas Gerais, a cidade recebeu no último mês o título de Capital Estadual da Cerveja. O Projeto de Lei Nº 24951/2023 foi proposto na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) em junho deste ano, aprovado e publicado no Diário Oficial do Estado da Bahia no dia 11 de outubro. A iniciativa partiu da deputada estadual alagoinhense Ludmilla Fiscina (PV). Com o título, a cidade passará a receber, anualmente, o Festival Bahia Beer, que estreia a partir de sexta-feira (17) e segue no sábado (18) e domingo (19).
O Grupo Petrópolis será uma das presentes em estandes no Festival Bahia Beer. Aproveitando o potencial e a movimentação do turismo de negócios na cidade, a fábrica do grupo em Alagoinhas inaugurou o Beer Tour. No passeio pelas instalações, os visitantes podem conhecer o passo a passo da produção das bebidas, da chegada da cevada ao envase. A visita é gratuita, acontece três vezes por semana em grupos de em média 20 pessoas e precisa ser agendada através dos telefones (75) 3182.3499 ou 3182.3459 ou e-mail [email protected].
O grupo Heineken também ampliou sua atividade no município. Em maio deste ano, anunciou R$ 320 milhões a serem destinados à fábrica para aumentar em 60% a produção de bebidas da marca, que emprega 600 alagoinhenses. O diretor industrial da unidade da Heineken na capital baiana da cerveja, Dilermando Pessoa, que é nativo e está à frente dos negócios desde 1997, destaca o papel que a indústria de bebidas gerou na cidade.
“Isso aqui cresceu muito. Alagoinhas se desenvolveu, principalmente, graças à chegada da Schincariol, a pioneira que depois foi adquirida pela Brasil Kirin e esta, por sua vez, foi comprada pela Heineken. E a população sente isso e se orgulha muito da qualidade da água, que acaba liderando essa atração. Isso é consenso, está nas conversas na rua, no papo de bar. A água aqui é questão de identidade. E, justamente por isso, a Heineken tem a preocupação de fazer um uso sustentável. Nós buscamos utilizar o mínimo de água possível para a produção”, pontua Pessoa.
Já a dimensão da produção de cerveja da empresa Beer Tchê não se compara às dos dois grandes grupos – são 500 a mil litros vendidos por mês – mas ela também se beneficia da qualidade da água. Apesar do nome remeter ao Sul do país, o negócio é baiano. O dono, Fabrício Goulart, 47 anos, nasceu no Rio Grande do Sul, mas se mudou para Alagoinhas aos 11 anos. Há 13, passou a produzir cerveja artesanal em casa e a vender na pizzaria que administrava.
“Comecei a fazer porque no Sul eu convivia com essa prática na infância, mas há 13 anos, em Alagoinhas, as pessoas não faziam ideia do que era cerveja artesanal, era algo que assustava mesmo e eu fui o pioneiro aqui. No início eu nem sabia da água, fui notar a qualidade depois e realmente faz diferença porque eu não preciso fazer correção de pH ou colocais sais, enfim, gastar com produtos”, coloca Goulart.
O empresário brinca que aqueles que o criticavam no início e achavam que o negócio não iria para frente, hoje são seus concorrentes. Ele, a esposa e mais um sócio agora vendem os produtos pela internet e distribuem para Alagoinhas, outras cidades baianas e também para algumas localidades de Minas Gerais.
“Ver que Alagoinhas ganhou o título de capital estadual da cerveja e que vamos ter um festival anual me deixa muito feliz porque eu acho que é uma oportunidade de levar o nome da Beer Tchê para o Brasil todo. Concorremos com 17 cervejarias artesanais e fomos a segunda mais votada, garantindo a participação no evento. Nossa expectativa é crescer a empresa; queremos no próximo ano montar a nossa própria fábrica artesanal, que vai ser a primeira de Alagoinhas, porque por enquanto alugamos as instalações das grandes fábricas para poder produzir”, conta Goulart, empolgado.
A reportagem questionou o Inema sobre os requisitos para a obtenção da outorga concedida às fábricas de bebida e sobre a quantidade de água utilizada pelas cervejarias em Alagoinhas, mas não obteve resposta. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) também foi procurada para informar sobre a quantidade de aquíferos na Bahia e quais municípios são abastecidos por eles, assim como sobre a existência ou não de estudos que garantam a qualidade da água de Alagoinhas, mas também não houve resposta.
De acordo com o historiador, pesquisador e professor Murilo Mello, também criador de conteúdo no perfil @murilomellohistoria, a trajetória de Alagoinhas tem início no século 18. “Como boa parte das cidades do interior da Bahia, tudo começa com as missões da Igreja Católica. Um padre português fundou uma capela na região e assim começa o povoamento europeu, com uma pequena vila”, conta.
O historiador e a secretária de Cultura, Esporte e Turismo, Iraci Gama, destacam a importância da ferrovia instalada no século 19 para o desenvolvimento do local. A cidade se voltou para o comércio e serviços e se tornou polo para mais de 30 municípios vizinhos. Foi por isso que Alagoinhas foi batizada pelo escritor e jurista baiano Ruy Barbosa como “pórtico de ouro do Sertão baiano”.
O potencial da água local foi descoberto pelas grandes indústrias na década de 1990, iniciando a temporada de chegada das fábricas e uma nova fase do desenvolvimento econômico. O crescimento também abriu portas para o turismo, que deve crescer ainda mais a partir do Projeto de Lei aprovado e da criação do festival, como espera a secretária Iraci Gama, que também é pesquisadora da história da cidade e autora do livro Memória, narrativa e identidade: a cidade ferroviária de Alagoinhas. Em 2017, Alagoinhas foi incluída no Mapa do Turismo Brasileiro pelo Governo Federal e hoje, conta com uma população estimada, em 2022 pelo censo do IBGE, de 150 mil habitantes.
Festival Bahia Beer
O Festival Bahia Beer acontece a partir da sexta-feira (17), no Parque de Exposições Miguel Fontes. A entrada será mediante a doação de 1kg de alimento não perecível e são esperadas 150 mil pessoas. Haverá venda e exposição de cervejas, concursos, shows musicais, espaço de gastronomia, palestras, cursos, oficinas, rodadas de negócios, workshops e mais. Também está previsto um arrastão com trio elétrico pelas ruas da cidade e estão confirmadas atrações como Bell Marques, Xanddy (do antigo Harmonia do Samba), Psirico e Calcinha Preta. A inspiração para o festival vem da já consolidada Oktoberfest.
Segundo o prefeito de Alagoinhas, Joaquim Neto (PSD), a expectativa é de que o Bahia Beer movimente a economia da cidade e atraía os olhares de todo o Brasil para o estado. Além dos expositores, 800 ambulantes foram cadastrados para trabalhar no evento. A programação completa está no site bahiabeerfestival.com.br. A realização é da Prefeitura de Alagoinhas em conjunto com o Governo do Estado e apoio do Governo Federal.
Trajeto partindo de Salvador dura, aproximadamente, 2 horas, pelas BR 324 e BR 110/420. Lembrando que é possível alugar um carro ou contratar um serviço de transporte privado.
É possível pegar um ônibus saindo do terminal rodoviário de Salvador para o município com as empresas Cidade Sol e Rota, nas classes convencional ou executiva. O trajeto dura, aproximadamente, 2 horas e 20 minutos. Cada trecho custa, com ida no dia 17 e volta no dia 19, entre R$37,35 e R$54,49.
*Valores calculados para dois adultos, com check-in no dia 17 e check-out no dia 19 de novembro