Candidata negra perde vaga para cargo de docente na Ufba por liminar da Justiça

Lorena Pinheiro ficou em quarto lugar entre todos os candidatos e a universidade deu preferência a ela, mas candidata branca do 1º lugar entrou na Justiça

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  • Vitor Rocha

Publicado em 30 de agosto de 2024 às 22:34

Lorena Pinheiro
Lorena Pinheiro Crédito: Reprodução

A doutora em Ciências da Saúde Lorena Pinheiro foi impedida por uma liminar da Justiça de ser nomeada professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Famed-Ufba). Apesar da aprovação no concurso através da reserva de cotas, a médica otorrinolaringologista, que é negra, teve o seu direito à vaga contestado por uma candidata da ampla concorrência.

Com apenas uma vaga disponível para a função de professora adjunta na área de otorrinolaringologia, Lorena ficou em quarto lugar entre todos os candidatos e, por conta da lei de cotas, teria a preferência, conforme previa o edital do processo seletivo. No entanto, no último dia 21 de agosto, à espera da nomeação, a médica foi surpreendida por uma decisão da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária da Bahia favorável à candidata Carolina Cincurá, que passou em primeiro lugar na ampla concorrência.

 "Em virtude de a Ufba ter oferecido apenas 01 (uma) vaga para o cargo de professor de médico otorrinolaringologista, a aplicação dos percentuais de 20% e de 5% de reserva para negros e deficientes não pode suprimir a primeira classificação de livre concorrência", diz um trecho do documento da Justiça. Mesmo assim, Lorena se sentiu “completamente violada”.

 A ação foi impetrada por Cincurá, que assumiu a vaga no lugar da cotista.

Lorena Pinheiro ficou em quarto lugar na ampla concorrência e na primeira colocação na reserva de cotas
Lorena Pinheiro ficou em quarto lugar na ampla concorrência e na primeira colocação na reserva de cotas Crédito: Diário Oficial da União

O concurso ofertou 30 vagas, com 20% dos cargos destinados a pessoas negras. No próprio Diário Oficial da União que anunciou os resultados, a regra é explícita: "Vagas: 1, sendo esta preferencialmente ocupada por candidato autodeclarado negro, conforme Lei nº 12.990/2014 e Edital nº 01/2023".

Durante o processo judicial, a Ufba defendeu que a seleção ocorreu corretamente, se posicionando de forma contrária à decisão da liminar. "Pelo exposto, concluímos que não houve qualquer irregularidade por parte desta UFBA quanto aos trâmites relacionados ao concurso oferecido pela Faculdade de Medicina da Bahia", afirmou. 

Segundo a universidade, a reserva de cotas seguiu a decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, proferida no ano de 2017 em Ação Declaratória de Constitucionalidade. À época, o juiz argumentou que os órgãos de Estado não podem alegar a divisão por especialidade como motivo para deixar de aplicar as vagas destinadas aos cotistas. Ainda assim, a instituição acatou a imposição judicial.

Procurada, a Ufba não retornou através da sua assessoria para comentar o caso.

"Não basta eu ter feito mestrado e doutorado, eu ter sido aprovada no concurso, não bastou que meu nome fosse publicado no Diário Oficial como sendo a primeira. Isso foi desfeito, isso foi por água abaixo", desabafou a médica, em vídeo publicado nas suas redes sociais. A doutora em Ciências da Saúde afirmou que tomará as medidas legais necessárias para contestar a liminar na Justiça.

O CORREIO tentou contato com Carolina Cincurá, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para a médica expor a sua versão dos fatos.

Lei de Cotas

Lorena seria a primeira professora cotista da história da Faculdade de Medicina da Bahia. Conforme dados do Conselho Federal de Medicina, apenas 3% dos concluintes da graduação na área são negros no Brasil. A médica afirma que o dado evidencia o racismo estrutural. "É raro a presença de doutores negros. É raro a presença de professores médicos negros. As cotas mudaram a cara da universidade. Quando a gente traz esse panorama, da primeira cotista negra virar docente, a gente vê que tem uma estrutura social que impede a gente", diz.

As cotas para concursos públicos de magistério superior foram implantadas em 2014, pela lei 12.990, que estabelece 20% dos cargos para negros, pardos e indígenas. De acordo com o doutor em Ciências Sociais pela Ufba Umeru Bahia, a partir do momento em que há apenas uma vaga para determinada função, é possível que o cotista tenha seu direito negado.

"Se há uma vaga, não há como aplicar a reserva de 20% de vagas para pessoas negras, por exemplo, como o caso da Ufba. Porém, isso não pode ser considerado correto em termos dos objetivos constitucionais para equidade e não segregação racial e social das variadas etnias existentes em nosso grande território", opina.

Umeru sugere que o problema não está na lei de cotas, mas no sucateamento do ensino superior no país e a falta de oportunidades ofertadas. "A quantidade de vagas ofertadas produz variados fenômenos sociais e impõe muitas dificuldades para o acesso de pessoas negras. As universidades devem ter mais diversidade na docência para que possam de fato exercer o pluralismo e universalismo presentes em seus princípios e objetivos elementares", evidencia. Ele ainda enfatiza que a universidade é "espaço de reprodução de fenômenos sociais, como a desigualdade racial e econômica".

Pesquisa acadêmica

Em 2022, a pesquisa de doutorado da médica ganhou destaque nacional por ser considerada um estudo avançado no tratamento da perda de olfato após a Covid-19. Lorena propôs uma abordagem para tratar essa condição, conhecida como parosmia, acompanhando 128 pacientes ao longo do estudo.

Durante a pesquisa, metade dos participantes recebeu cápsulas de ácido alfa-lipóico, uma substância que auxilia na regeneração dos neurônios, enquanto a outra metade recebeu pílulas de placebo.

Com orientação da subeditora Fernanda Varela