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Larissa Almeida
Publicado em 31 de dezembro de 2024 às 02:30
Não foi aleatoriamente que se convencionou o uso de branco às sextas-feiras e a preferência pelo azul no dia 2 de fevereiro. É que, por trás de toda tradição na Bahia, tem marca do sagrado e do culto às divindades africanas. Não à toa, é com base na cor simbólica de cada um deles que os baianos escolhem as roupas e acessórios que vão passar a virada de ano. Essa escolha costuma ser feita levando em consideração o dia da semana – cada orixá tem um dia específico – ou o desejo de cada um para o ano que se inicia. Se alguém quer obter justiça em algum assunto, veste branco e vermelho para ter Xangô ao lado. Se quer se livrar de uma doença, opta pelo marrom em clamor a Omolu. Contudo, não basta vestir a cor: é preciso crer no simbolismo.
“Nós compreendemos que tudo tem energia, desde os elementos ao axé. O axé consume todas as matérias, portanto também está nas cores e nas vibrações. De acordo com as necessidades, usamos [as cores] para equilibrar. Se alguém está buscando relacionamento e amor, vai usar o vermelho ou o rosa de Iansã. Conhecimentos milenares e a natureza explicam esse simbolismo. Se olharmos o fogo e o raio, entendemos a energia e a intensidade dela. Iansã é altivez, rebeldia e paixão”, explica o babalorixá Bàbá Pecê, líder religioso do Ilê Axé Oxumarê.
Uma vez que o novo ano indica um novo começo, nenhuma divindade pode representar o início tão bem quanto Exu. É ele que à frente do tempo e em meio ao movimento do caos, indica os novos caminhos. Também por ser dele a característica da controvérsia, a representação dessa divindade se dá em três cores: vermelho, branco e verde. Sim, o verde – e não a cor preta – porque remete a presença dele no jogo de búzios, onde é Exu quem traz a mensagem.
“No culto ao Ifá, o verde está presente nas contas de quem está na cerimônia e remete a Exu. Como cada orixá tem representação na natureza humana, Exu representa também tudo que circula. Então, aí está o simbolismo do vermelho, como uma corrente sanguínea. É o sangue que gira no nosso corpo, é tudo que se movimenta e leva os nutrientes. O branco de Exu é a luz do caminho certo em meio ao caos”, detalha Leonel Monteiro, que é sacerdote Ogan e presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia (AFA).
Quem quer um 2025 de expansão, liberdade e vivência em meio ao desbravamento do desconhecido, pode recorrer ao azul e verde – ou simplesmente o turquesa – de Oxóssi. Se o pedido para o novo ano for por maternidade ou proteção as águas, o azul, branco e verde de Iemanjá dão conta do recado. Caso a busca seja por prosperidade, o amarelo ouro de Oxum é a cor ideal na simbologia candomblecista.
O certo é que, independentemente da intenção, é preciso se atentar ao significado e aos critérios religiosos. Inclusive, é importante dizer que a atenção à religião não quer dizer que só pode pedir proteção aos orixás quem é do candomblé. Leonel Monteiro esclarece que a consideração pelas simbologias é importante para que o desejo por trás do uso da cor de cada orixá possa de fato surtir efeito.
“Vale a pena seguir o simbolismo, mas existem as orientações gerais. É recomendado que pessoas, ainda que não saibam [sobre a religião], procurem um sacerdote ou uma sacerdotisa de candomblé confiáveis que possam orientar, por exemplo, sobre o fato de que, embora tenhamos convencionado, na diáspora, que cada dia da semana é dedicado a alguma divindade, isso não se aplica ao dia da virada. A divindade que vai governar o ciclo seguinte, que é o Ano Novo, não é definida pelo dia da semana que cai a virada”, destaca Leonel.
A cor do orixá que vai reger o ano de 2025 só será descoberta no momento de rompimento do ano, que é quando ocorre o jogo de Ifá – oráculo milenar do povo iorubá, mais conhecido como jogo de búzios – que é responsável por revelar quais divindades vão reger o novo ciclo. Isso, no entanto, não afeta quem já planejou a roupa com base na afeição por um orixá específico e nem mesmo a quem acreditou em falsas previsões.
“Qualquer coisa que a gente faça intencionalmente, com uma relação sentimental positiva com a divindade, é levada em conta. O que as divindades estão observando em nós é o compromisso, carinho, a verdade e a dedicação, ainda que a pessoa não saiba ou esteja se equivocando no que está fazendo. É igual a mãe e pai: às vezes o filho erra involuntariamente e não recebe castigo, mas orientação”, enfatiza Leonel Monteiro.
Na tentativa de representar as divindades da cosmologia iorubá, há quem associe o preto à Exu. As contas de Omolu também têm a cor acompanhando o banco, que formam as listras em meio ao marrom – cor predominante do orixá. O uso do preto, no entanto, não é usual entre os orixás. Há, inclusive, quem reprove a cor associada às divindades do candomblé, mas por um motivo totalmente atrelado à crença religiosa.
“O preto é a maior fonte de poder do universo. É onde acomoda a matéria luminosa. A cor preta é a cor de poder e somente a Deus pertence. Por isso, nós que somos do candomblé não usamos essa cor. O povo preto adorador de orixá conhece o poder de Deus, máxima expressão de poder no céu, por isso somos os donos do mundo”, esclarece e finaliza Bàbá Pecê.
Exu: branco, vermelho e verde / colares de contas vermelho e preto / dia da semana: segunda-feira
Ogum: azul marinho e verde / colares de contas azul escuro (podendo ser de vidro) ou verde / dia da semana: terça-feira
Oxóssi: azul, verde ou turquesa / colares de contas azul-esverdeadas / dia da semana: quinta-feira
Ossain: verde / colares de contas verde e branco / dia da semana: quinta-feira
Xangô: vermelho e branco/ colares de contas vermelho e branco / dia da semana: quarta-feira
Iansã: vermelho e rosa/ colares de vidro grená / dia da semana: quarta-feira
Oxum: amarelo e dourado / colares de contas amarelo ouro (podendo ser de vidro) / dia da semana: sábado
Iemanjá: azul, branco e verde / colares de vidro transparente, de contas verde ou azul-claro /dia da semana: sábado
Oxumarê: colorido / colares de vidro Amarelo e verde (também representa o arco-íris) / dia da semana: terça
Omolu: marrom / colares de contas marrom com listras pretas e brancas ou pequenos discos pretos /dia da semana: segunda-feira
Nanã: cores pastéis / colares de vidro branco com listra azul /dia da semana: segunda-feira ou sábado
Oxalá: branco/ colares de contas branco / dia da semana: sexta-feira