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Wendel de Novais
Publicado em 14 de novembro de 2024 às 05:47
O ‘olheiro’ da facção, responsável por passar informações da rua sobre moradores e viaturas para as lideranças criminosas de determinado bairro, tem sido substituído pela tecnologia em Salvador. Seja na Federação, no Centro, no Subúrbio Ferroviário ou em Vila Verde, câmeras clandestinas se tornaram os novos olhos do tráfico nas vias da cidade. Instalados, principalmente, em postes, os sistemas de monitoramento cumprem duas funções: vigiar moradores e prever a chegadas de policiais militares.
Um policial, que terá identidade preservada, explica onde e como as câmeras são instaladas. “Eles pegam as caixas de internet que estão nos postes, fazem furos e colocam as câmeras dentro. Tentam disfarçar, mas a gente percebe e sempre retira. O problema é que, mais cedo ou mais tarde, colocam de novo. Só na nossa região, nesse ano, a gente tirou mais de 30”, conta ele, que atua nas imediações da Federação.
Ainda de acordo com o PM, as câmeras são colocadas em lugares estratégicos. “É sempre antes da boca de fumo ou em um ponto onde eles podem ver a chegada da polícia de longe”, relata. Na Rua Mata Maroto, na Federação, por exemplo, um poste já foi alvo da instalação dessas câmeras diversas vezes para antecipar a chegada da PM em um campo com acesso ao Vale da Muriçoca, onde há atuação da facção do Bonde do Maluco (BDM) e traficantes costumam se esconder.
A última vez que a PM removeu uma câmera do tráfico no local foi há três meses. A situação, entretanto, não é exclusiva de áreas do BDM. Locais divididos entre a facção baiana e o Comando Vermelho (CV), como é o Engenho Velho da Federação, também apresentam registros. Na Rua Apolinário de Santana, a principal do bairro, um poste localizado a menos de 30 metros do fim de linha é utilizado pelos criminosos.
“A câmera fica de frente para quem vem da região da Cardeal em direção ao fim de linha. A visão do poste é ampla e consegue notar a presença de uma viatura que vem a muitos metros de distância”, complementa o policial. Assim como na Rua Mata Maroto, a fiscalização da polícia é recorrente para evitar que o objetivo da facção se cumpra. Então, enquanto as facções instalam as câmeras, os PMs as retiram do lugar.
A instalação das câmeras pelo tráfico já desencadeou uma operação no Subúrbio Ferroviário, em bairros como Alto de Coutos, Coutos, Mirantes de Periperi, Vista Alegre, Periperi, Praia Grande, Rio Sena e Alto da Terezinha, como conta um outro policial ouvido pela reportagem. “Entre o final do ano passado e o início desse ano, foram realizadas operações em diversos pontos da nossa área, onde retiramos diversas câmeras que serviam como base para o tráfico”, relata, sem se identificar.
De acordo com ele, no período, mais de 20 câmeras do tráfico foram desarticuladas pelos policiais. “Hoje, a PM vem fazendo ronda nessas áreas para que não haja novas instalações de câmeras onde elas já foram retiradas. Não consigo precisar ao certo a quantidade, mas foi uma baixa significativa nesse material quando houve a ação”, completa o policial, destacando que as áreas mais conflagradas pelo crime organizado na região são os bairros de Mirantes de Periperi e Rio Sena.
Na região de Mussurunga e São Cristóvão, policiais militares vivem a mesma situação. Um policial que atuava na região afirma que, por lá, diversas câmeras foram localizadas. “Em um ano, dentro das nossas diligências, retiramos das ruas, ao menos, seis conjuntos de equipamentos [câmeras] em localidades diferentes. Muitas ficam escondidas, o que dificultava a identificação”, revela.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) foi procurada pela reportagem para se posicionar sobre a situação. A pasta foi questionada sobre o número de câmeras desarticuladas em Salvador no ano de 2023 e 2024, além de ser perguntada sobre um projeto específico para combater a prática criminosa. No entanto, a SSP-BA não respondeu até o fechamento desta reportagem.