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Raquel Brito
Publicado em 26 de março de 2024 às 22:45
Uma noite de celebração ao teatro negro tomou conta do Espaço Cultural da Barroquinha nesta terça-feira (26). Foi o lançamento do Projeto Cabaré da Rrrrraça 25+25, realizado pelo Bando de Teatro Olodum, que inclui a encenação da peça que dá nome à iniciativa, um dos maiores sucessos do grupo, além de ações de formação e debates.
O evento contou com intervenções culturais como uma performance do ator Ednaldo Muniz, acompanhado do músico Daniel Vieira e da atriz e musicista Jamile Alves, todos integrantes do Bando, e uma apresentação de Jamile do Rap da Discriminação, canção de Jarbas Bittencourt que faz parte do Cabaré da Rrrrraça.
O nome do projeto referencia os mais de 25 anos do espetáculo, que estreou em 1997 e é um apêndice da clássica Trilogia do Pelô, formada por “Essa Nossa Praia”, “Bai Bai, Pelô” e “Ó Paí, Ó!”, todas focadas em questões raciais no centro da cidade.
“São 25 anos do Cabaré da Rrrrraça, com o ‘mais’ para pensarmos os próximos 25 anos, o debate é esse. Será que daqui a 25 anos a gente vai ter a necessidade de estar no palco fazendo essa peça novamente? Eu espero que não”, disse o ator, produtor cultural e poeta Fábio de Santana, que integra o coletivo desde 2002.
A afirmação de Santana se dá porque Cabaré trouxe há 27 anos temas ainda atuais na realidade dos negros no Brasil. Na nova temporada, questões contemporâneas serão abordadas, como o colorismo, as barreiras do mercado de trabalho, a sexualização de corpos negros, a oferta de produtos voltados para a estética negra e a polêmica sobre o racismo reverso.
Criada por Márcio Meirelles, fundador do Bando de Teatro, essa versão terá a direção teatral de Cássia Valle, Leno Sacramento e Valdinéia Soriano, trio vencedor do Prêmio Braskem 2023 pela direção do espetáculo Rebelião Cabocla.
A peça já foi vista por mais de 40 mil espectadores em mais de 300 apresentações. A nova versão terá 12 exibições entre 17 de maio e 9 de junho, às sextas, sábados e domingos, no Espaço Cultural da Barroquinha.
A formação gratuita é oferecida pelo Bando de Teatro Olodum há mais de uma década. Este ano, a iniciativa tem um formato especial: as aulas acontecerão simultaneamente em três núcleos, localizados no Centro Cultural Plataforma (Subúrbio); na Cidade Baixa, no Espaço Cultural Alagados; e no Centro Histórico, nas dependências do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab).
O plano inicial era contemplar 20 alunos por núcleo. Entretanto, com mais de 700 inscrições, o número de vagas foi ampliado. Agora, no total, 90 alunos receberão as aulas de teatro, música, dança e identidade negra, 30 em cada núcleo. Para José Carlos Arandiba, o Zebrinha, diretor de arte do Bando, o sucesso está dentro do esperado para o grupo.
“Nós temos a aceitação do público porque o Bando de Teatro é, na realidade, um grupo de utilidade pública. No dia que o Brasil resolver aceitar e cuidar desse grupo, nós teremos uma inserção para atingir todos os setores da sociedade”, defendeu.
Os encontros serão ministrados pelos artistas do Bando, em uma metodologia própria consolidada pelo grupo ao longo dos quase 34 anos de trajetória nos palcos e nas telas. Ao final da formação, cada núcleo fará uma mostra e o encerramento será com um espetáculo reunindo todos os participantes.
Aluna das oficinas em 2014 e integrada ao Bando de Teatro logo depois, a atriz Naira da Hora, que participou da sequência do filme "Ó Paí, Ó!”, afirma ter visto no grupo um teatro possível. “Em 2013, eles abriram uma audição para uma substituição, e eu, que já estava afastada do teatro há mais de seis anos, quis participar e acabei passando. Me ver hoje na tela é algo que vai além da expectativa, porque quando eu assistia ao primeiro filme, em nenhum momento imaginava que eu poderia estar numa outra versão dessa obra que fez história para o país inteiro e me fez sentir tantas coisas”, disse.
Orgulhosa, a artista conta que hoje inverte os papéis no grupo e assume a posição de mestre. “Eu sou do Bando e sou ministrante monitora da oficina de dança. Já venho como monitora há uns cinco ou seis anos e é incrível finalmente transmitir o que o Bando me ensinou. Eu vim, aprendi com eles nessa escola que eu fiz durante oito meses e depois me tornei uma das disseminadoras. É incrível”.
O programa de formação do Bando de Teatro revelou ainda talentos como Lázaro Ramos, Érico Brás, Sulivã Bispo, Lucas Leto e Edvaldo Macarrão e Edvana Carvalho.
O projeto conta com patrocínio da empresa de navegação Wilson Sons, via Programa de Isenção Fiscal Viva Cultura, da Prefeitura de Salvador, Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz), Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult) e Fundação Gregório de Mattos (FGM).
Para Fábio de Santana, realizar o projeto com incentivo financeiro é motivo de celebração e esperança. “A gente está muito feliz com esse retorno do Bando ao palco tendo um patrocínio. A última vez que nós tivemos um patrocínio foi em 2010, quando montamos como resultado o espetáculo Bença”, contou.
O evento foi finalizado com uma aula inaugural da Oficina de Performance Negra, ministrada pela professora doutora Mabel Freitas, que pesquisa Educação para as Relações Raciais e Ensino da Cultura Afro-Brasileira. Com referência a nomes como Kimberlé Crenshaw, Conceição Evaristo e o próprio Zebrinha, a pesquisadora apresentou ao público princípios do teatro negro.