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Monique Lobo
Publicado em 8 de março de 2025 às 09:40
Maria José Vieira Pinto, de 56 anos, trabalhava em uma lanchonete atendendo clientes quando foi atingida por pelo menos três disparos de arma de fogo feitos pelo seu companheiro, que não teve a identidade divulgada pela polícia. A moradora da Região Metropolitana de Salvador é só mais uma entre tantas outras que se somam a um dado lastimável: a Bahia possui a maior taxa de homicídios femininos por arma de fogo do Brasil, de acordo com levantamento realizado pelo Instituo Sou da Paz e divulgado neste sábado (8). >
Enquanto no país a taxa é de 1,8 assassinatos por grupo de 100 mil mulheres, no estado a taxa chega a 4 mulheres assassinadas a cada 100 mil. Os números fazem parte da 4ª edição da pesquisa Pela Vida das Mulheres: o papel da arma de fogo na violência baseada em gênero, feita com dados do Ministério da Saúde de 2023, que revela que a queda de homicídios no país não freou mortes de mulheres por armas de fogo. >
Puxada pela Bahia, a região Nordeste também lidera no cenário nacional. No Brasil, 3.946 mulheres foram assassinadas em 2023, e arma de fogo foi o objeto empregado na metade dos casos. Já no Nordeste, 63% dos homicídios femininos foram realizados com este tipo de objeto. Na série histórica, as taxas de homicídios de mulheres com arma de fogo variam conforme a região do país, o Nordeste se destaca com um crescimento 7% em 2023.>
“É urgente falar do impacto da violência armada na vida das mulheres e da necessidade de investir em políticas de controle de armas orientadas às questões de gênero”, destaca Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. “São medidas que podem contribuir para a prevenção dos feminicídios e para o enfrentamento de um problema social que exige intervenção pela União, estados e municípios e em diferentes áreas, como saúde, segurança pública e assistência social”, acrescenta.>
Alvo na rua>
As via pública é o local em que mais mulheres da região Nordeste foram mortas por armas de fogo, sendo que 47% dos óbitos aconteceram nas ruas. Um dado maior que a porcentagem nacional, que ficou em 40%. >
A pesquisa observa que os homicídios ocorridos nas residências ganham expressão quando os números são analisados nas regiões com taxas menores de informação ignorada. Embora o Nordeste tenha apenas 18% dos casos sem o local do crime especificado, as residências não são os locais em que mais ocorrem os crimes. Esse número pode indicar mortes em decorrência do contexto de criminalidade e de disputas faccionais, o que não significa descartar a motivação por gênero dessas mortes.>
Apesar do número total de homicídios por arma de fogo ter diminuído e se mantido estável no país depois do pico de casos de 2017, a violência armada não letal voltou a crescer. O ano de 2023 atingiu quase o mesmo número do pico das notificações de 2017, um crescimento de 23%, se comparado a 2022, e de 35% em relação a 2021. Desde 2021, esse tipo de violência passou a crescer em todas as regiões do país, mas em 2023 o Nordeste foi um dos destaque, registrando um crescimento de 29%.>
O estudo aponta que a violência armada não letal é associada a outros tipos de violência. As mais associadas foram: as violências física (52,8%), psicológica/moral (22,2%) e sexual (13,8%). >
Uma dinâmica característica da violência doméstica é a repetição, isso não se altera quando a arma é utilizada como objeto, pois em 35% das notificações a vítima já havia sofrido outros episódios de agressão.>
“São casos que chegam para atendimento no sistema de saúde em um macro contexto de aumento da circulação de armas na sociedade brasileira”, explica Carolina.>
Vítimas x agressores>
O perfil dos agressores na pesquisa foi traçado a partir de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Os sujeitos que cometem violência armada não letal contra as mulheres são em 46% dos casos pessoas próximas às vítimas. Dentro desse recorte, 29% são parceiros íntimos, companheiros ou ex-companheiros. >
Os agressores são em sua maioria homens, 76%, e adultos, 48%. Já quanto às vítimas, em 59% dos casos são mulheres de até 39 anos. >
O recorte racial mostra outra mazela: a taxa de homicídios de mulheres negras (2,2) é duas vezes superior à de mulheres não negras (1,1). No Nordeste, esta discrepância é ainda maior: a taxa de homicídios de mulheres negras é três vezes maior do que a de mulheres não negras. >
As mulheres negras também são as mais assassinadas no cenário nacional, sendo 72% do total, seguidas pelas brancas, 26,6%. A vitimização das mulheres negras é mais expressiva quando é analisado o recorte dos óbitos entre as adolescentes, elas representam 80% nesse caso.>
O perfil das vítimas não letais é muito similar ao dos casos letais: mulheres na fase adulta, entre 20 e 39 anos, correspondendo a 55% dos casos, e a maioria também são mulheres negras, 64% das notificações. >
“No contexto em que temos uma grande quantidade de armas de fogo circulando na sociedade brasileira, os dados evidenciam a vulnerabilidade das mulheres à violência armada, tanto nas ruas como dentro de casa” diz Carolina Ricardo. “O Brasil dispõe de leis importantes que limitam o acesso a armas por parte de autores de violência contra a mulher. É preciso garantir sua aplicação e efetividade”, completa.>