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Bahia tem a maior população quilombola do país

Quilombolas estão presentes em sete de cada dez municípios baianos

  • R
  • Raquel Brito

Publicado em 28 de julho de 2023 às 05:00

Mulheres do Quilombo Quingoma, em Lauro de Freitas
Mulheres do Quilombo Quingoma, em Lauro de Freitas Crédito: Paula Froes

Com 397.059 pessoas quilombolas, a Bahia é o estado brasileiro com o maior número absoluto de quilombolas do país. A informação está entre os primeiros resultados da pesquisa Brasil Quilombola, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira (27). A investigação faz parte do Censo Demográfico de 2022.

Além desse índice, a pesquisa registrou que, a cada dez municípios da Bahia, sete têm presença de população quilombola. Entre as capitais brasileiras, Salvador é a que conta com mais quilombolas.

Das dez cidades do país com maior população quilombola, cinco são baianas. São elas: Senhor do Bonfim, Salvador, Campo Formoso, Feira de Santana e Vitória da Conquista.

A divulgação dos resultados foi realizada no Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), na Avenida Dois de Julho, e reuniu representantes do IBGE, da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ),  a secretária de Promoção da Igualdade Racial, Ângela Guimarães; além de professores e pesquisadores.

Essa é a primeira vez em 150 anos de recenseamentos nacionais que o Censo Demográfico identifica, de forma direcionada, a população quilombola, a partir da auto declaração. De acordo com Mariana Viveiros, Supervisora de Disseminação de Informações do IBGE na Bahia, pela necessidade de uma análise completa, a pesquisa Brasil Quilombola durou dez meses, quando os censos comuns duram, em média, quatro.

“Existia uma demanda para que isso tivesse sido feito em 2010, mas nós não conseguimos ter, naquele momento, uma metodologia adequada para fazer essa investigação. Desde então, estamos trabalhando junto às entidades representativas dessas populações para elaborarmos um perfil de  pesquisa adequado. Foi assim que construímos a metodologia e as perguntas”, afirma Viveiros.

Visibilidade

Nascida e criada no Quilombo Quingoma, localizado em Lauro de Freitas, Rejane Rodrigues, de 38 anos, avalia que a inclusão de informações sobre a população quilombola no Censo Demográfico do IBGE tira o grupo do patamar de pessoas invisíveis.

"Hoje, eles são obrigados a entender que nós somos muitos, que estamos aqui e precisamos de políticas públicas. É uma garantia da constituição que eles fingem não enxergar, mas hoje não tem como", destacou Rejane, que faz parte da população que está no Quilombo desde a fundação, em 1969.

A quilombola e técnica de enfermagem Evanildes Cruz, 33 anos, espera que a novidade reduza o preconceito sobre a população do quilombo. "Aqui não tem escola e precisamos sair para estudar. Na minha época, o preconceito era muito grande e muitas pessoas tinham vergonha de dizer que eram do quilombo, por medo de sofrerem", contou ela.

No entanto, segundo Evanildes, a violência não reduz a alegria de viver no quilombo, graças à força da ancestralidade. "Minha mãe  e minha avó moram aqui e a minha bisavó também morou. Falo que vivo aqui de coração alegre e não tenho a mínima vontade de deixar esse lugar", afirmou.

Territórios delimitados

Apesar de ser o primeiro em população, a Bahia está em terceiro lugar em territórios oficialmente delimitados, com 48 territórios onde vivem 20.753 quilombolas. O estado fica atrás do Pará, que tem 87 territórios formalizados, e do Maranhão, com 81. O índice baiano representa apenas 5,23% do total de quilombolas do estado, o terceiro menor percentual entre todas as unidades federativas.

Como ‘território oficialmente delimitado’, o IBGE compreende todas as fases do processo de formalização da área, da delimitação à titulação. Entre os municípios da Bahia, Bom Jesus da Lapa é o que tem o maior número absoluto de pessoas quilombolas em territórios quilombolas.

Segundo José Ramos de Freitas, coordenador da CONAQ, é essencial que haja um diálogo entre o Estado e as comunidades quilombolas, visando a aumentar a regularização fundiária. Para ele, com a contabilização das comunidades quilombolas, reivindicar esse espaço será mais fácil.

“Tendo os resultados, nós podemos chegar para o estado e dizer que temos uma população de quase quatro mil habitantes e queremos que as políticas públicas cheguem na base . A principal luta é pela titulação dos territórios dos quilombolas, para nos garantir saúde de qualidade, educação diferenciada e geração emprego e renda”, afirma.

Segundo Rosemeire Santos, 34, que é mãe social em um orfanato de Salvador, o objetivo dos moradores do quilombo é lutar para garantir os direitos da população quilombola. "Quando o IBGE chega na comunidade, ele vem como mais uma estratégia para mostrar para todas as esferas de gestão que o nosso povo existe e vai lutar para ter as coisas como deseja", assegurou.

Raquel Conceição, 58, deseja que sejam garantidas formas de os quilombolas trabalharem no próprio quilombo. "Se o povo todo que saiu daqui para melhorar de vida estivesse de volta, esse quilombo estaria pequeno. Precisamos ter a opção de sair ou ficar, mas muitas vezes só resta a opção de sair, por não termos trabalho, uma cooperativa ou algo do tipo", enfatizou.

Ângela Guimarães, secretária da pasta de Igualdade Racial, afirma que o estado já desenvolve um conjunto de ações vinculadas às comunidades, mas que, com uma base de dados confiável, o trabalho será intensificado. “Esses dados informam as políticas públicas e nos ajudam no momento de elaboração do plano plurianual. Agora, o que nós vamos projetar para os próximos quatro anos levará em conta os dados das comunidades quilombolas: onde elas estão, quais direitos  acessam e quais as necessidades que devem ser contempladas nos próximos quatro anos”, diz.

A cidade com mais quilombolas

Hoje, com 15.999 quilombolas autodeclarados, em 2022, Senhor do Bonfim, localizado no centro-norte baiano, lidera o ranking nacional de população absoluta de quilombolas. O município do sertão baiano tem 21,48% de sua população declarada quilombola.

Foi a partir do século XVI, com o início da busca por pedras preciosas e minerais no interior, que o solo rico do território de Senhor do Bonfim atraiu um grande número de exploradores de minério, que conduziram comunidades de escravizados para o local. Com o tempo, essas comunidades tornaram-se os quilombos, símbolos de resistência.

Durante o período colonial, os quilombos eram locais de refúgio e centros de resistência, para onde corriam negros escravizados, negros livres e também indígenas para fugir da exploração colonial. Quem conta é Adson Brito do Velho, professor de História e autor do livro 'Salvador Tem Muitas Histórias'.

“Eles procuravam locais que, geralmente, eram de mata fechada, o que dificultava a penetração do homem branco, e ali viviam numa comunidade onde preservavam a cultura, que tinha como base a ancestralidade africana. É como se fossem pequenas Áfricas dentro do território brasileiro”, conta o historiador. “Depois da libertação dos negros escravizados, muitos deles resolveram permanecer naquela localidade, porque sabiam da presença das minas de ouro e de pedras preciosas”, diz.

Maior população quilombola do Brasil

Apesar de não estar entre os municípios com maior número absoluto de quilombolas, Bonito representa a Bahia entre as dez cidades com maior percentual populacional, com 50,28% da população autodeclarada quilombola. Uma das cidades mais jovens do estado, o município da Chapada Diamantina é um dos cinco em todo o Brasil a ter mais da metade dos habitantes formada por quilombolas.

Em Bonito, dos 15.844 habitantes, 7.967 são quilombolas. De acordo com Adson Brito, com as grandes altitudes, a localização da cidade facilitava tanto a fuga como a permanência de negros escravizados, por locais de difícil penetração para os escravocratas.

Para Aldaí Souza Costa, de 20 anos, que faz parte da Comunidade Quilombola de Botafogo, em Bonito, é essencial que as comunidades passem a ter o reconhecimento pelo censo. “Não é de hoje que existem quilombos e não é nova a existência do censo do IBGE. Então, é um avanço muito grande essa pesquisa incluir as nossas comunidades”, afirma.

Para ele, por mais que ainda exista a concepção de que o quilombo é um espaço de fuga, o território é muito mais que isso, representando o contato com a ancestralidade e  a territorialidade. “O quilombo envolve coletividade, a ajuda mútua, os ensinamentos compartilhados, o suporte na hora da necessidade. Esse aspecto de coletividade e de rede de apoio dentro da comunidade é muito especial”, diz.

* Orientada pela chefe de reportagem Perla Ribeiro