Bahia registra mais de 70 mil assassinatos em dez anos

73% dos homicídios foram por arma de fogo

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  • Larissa Almeida

Publicado em 19 de junho de 2024 às 07:30

Marcas de sangue na Rua da Mangueira
Marcas de sangue na Rua da Mangueira Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Nos últimos dez anos, a Bahia se consolidou como o estado mais violento do país ao registrar 72.527 assassinatos. Só em 2022, 6.776 vidas foram interrompidas de forma violenta em território baiano. Os números são do Atlas da Violência 2024, divulgado nesta terça-feira (18) e produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Os dados têm como base números registrados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ambos do Ministério da Saúde.

Do total dos homicídios computados em uma década no estado, 53.006 ocorreram por uso de arma de fogo, o que representa 73% de todos os assassinatos em território baiano nesse período. Em 2022, ano dos dados mais recentes do Atlas, 5.590 pessoas foram vítimas letais de disparos de armas de fogo na Bahia, o que acarretou o registro da segunda maior taxa (82,5) proporcional de homicídios por arma de fogo sobre o total de homicídios na Bahia, entre 2012 e 2022.

A circulação de armas em terras baianas não é uma novidade, bem como a preferência, a nível nacional, dessa ferramenta para matar. Contudo, Luiz Claudio Lourenço, sociólogo, pesquisador de organizações criminosas, professor da Universidade Federal da Bahia e um dos coordenadores do Laboratório dos Estudos sobre Crime e Sociedade (Lassos), aponta que tem sido evidente, conforme revelam os dados, que as armas que circulam na Bahia têm grande poder de fogo e são eficazes na sua finalidade de aniquilar vidas.

“Acredito que a facilidade do comércio ilegal de armas, a falta de controle na venda de munição, além da falta de monitoramento de disparos contribui para que este meio letal seja muito usado em crimes violentos”, afirma o especialista.

Com o cenário marcado pela violência, a Bahia respondeu por 11,8% de todos os assassinatos ocorridos no Brasil entre 2012 e 2022. Nesse período, foram contabilizadas 612.707 mortes violentas no país. Para Antônio Jorge Melo, especialista em segurança pública, coordenador do curso de Direito da Estácio e coronel reformado da Polícia Militar da Bahia (PM-BA), a conjuntura da segurança pública no estado tem muitas variáveis que impactam a escalada violenta que assola o território baiano.

Uma das variáveis apontadas pelo especialista é o rearranjo territorial e geopolítico das organizações criminosas ligadas ao tráfico de armas e de drogas, que, conforme ele afirma, materializa o principal fator que explica por que cinco cidades baianas – a saber, Santo Antônio de Jesus, Jequié, Simões Filho, Camaçari e Juazeiro – ocupam o posto das cinco cidades mais letais do Brasil.

“Esse redesenho organizacional, com a consequente luta para conquista e manutenção de territórios, impacta a curva de criminalidade violenta, pois a força dessas organizações criminosas também está diretamente relacionada a sua capacidade de eliminar a concorrência e se impor pela intimidação dos rivais”, diz Antônio Jorge Melo.

Ele ainda acrescenta que, embora o Governo do Estado esteja investindo em ações de inteligência e prevenção – que são focadas na identificação e na desarticulação das estruturas de poder das facções que estão em confronto nos territórios mais afetados pela violência –, inevitavelmente as forças de segurança, vez ou outra, precisam realizar operações de intervenção localizada, o que gera confronto com os integrantes dessas organizações criminosas e, consequentemente, mortes.

Diante desse contexto, o coronel reformado da Polícia Militar da Bahia (PM-BA) vê que a solução não está apenas na ação da polícia e no combate direto. “[A solução] também deve existir por ações estatais que mitiguem as causas do problema que se mostra muito mais complexo, de ordem social, econômica e cultural, não esquecendo que o poder dessas organizações criminosas, para muitos, é um poder transversal”, finaliza.

Relembre mortes por arma de fogo no estado em 2022

1. Caso Cristal

A jovem estudante Cristal Rodrigues Pacheco, de 15 anos, moradora de um prédio na região do Campo Grande, próximo ao Corredor da Vitória, ia para o colégio junto com a mãe, Sandra, e a irmã, Fernanda, na manhã de uma segunda-feira, dia 2 de agosto. Do lado direito da avenida, duas mulheres se separaram e, em questão de segundos, abordaram as três em uma tentativa de assalto.

O pedido principal das suspeitas foi o celular da jovem. No entanto, segundo informações preliminares, Cristal teria se recusado a entregar, recebendo um tiro na região do peito por uma pistola calibre 653, em curta distância. Cristal morreu no local do crime, nos braços da mãe e de transeuntes que passavam e observavam a cena.

2. Casal de rifeiros assassinados em Barra do Jacuípe

O casal de rifeiros Rodrigo da Silva Santos, de 33 anos, e Hynara Santa Rosa da Silva, 39, foi morto a tiros no diz 11 de dezembro de 2022, em Barra do Jacuípe, local turístico da orla de Camaçari. A dupla tinha grande projeção nas redes sociais e acumulavam mais de 190 mil seguidores. Mais que a divulgação dos sorteios, as redes sociais de Digony e Naroka, como se apresentavam, respectivamente, eram utilizadas para mostrar o estilo de vida do casal.

Horas antes do duplo homicídio, Rodrigo fez uma sequência de stories anunciando suas rifas à beira mar e no comando de uma moto aquática. Já Naroka, apareceu chorando e se disse triste ao lembrar momento da sua adolescência. Ela contou ter conversado com uma amiga da época de colégio. Eles receberam tiros no peito e na cabeça, e deixaram dois filhos.

3. Sargento da reserva da PM morto a tiros

O sargento aposentado da Polícia Militar, Silvio Bispo dos Anjos, de 60 anos, foi morto a tiros na cidade de Aporá, na Bahia, no dia 4 de setembro de 2022. Ele estava usando um uniforme de gari de Feira de Santana, cidade onde morava, quando seu corpo foi encontrado. O crime aconteceu no distrito de Altamira, por volta das 10h30. Ao lado do corpo de Silvio foi achado um revólver calibre 38.

4. Idosa atingida por bala de fuzil

A idosa Maria Carvalho Lima, de 70 anos, foi baleada nas nádegas no final de julho de 2022, enquanto passava pela calçada de um colégio durante um tiroteio entre suspeitos e a Polícia Militar na Rua da Padaria, no bairro de Fazenda Coutos, no Subúrbio de Salvador. A bala de fuzil, que entrou pelas nádegas, destruiu o intestino delgado da idosa. A família suspeita que o disparo que atingiu Maria tenha partido da Polícia Militar. Ela chegou a ficar 41 dias internada, mas morreu no dia 6 de setembro.

5. Farmacêutico morto a tiros

O farmacêutico Elder dos Santos Danziger, 47 anos, foi morto a tiros enquanto caminhava na Praia de Itamaracá, em Vilas do Atlântico, no município de Lauro de Freitas, no dia 26 de setembro.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro