Bahia: número de desaparecidos aumenta 141% em cinco anos

Mais de 1,5 mil registros de pessoas desaparecidas foram feitos neste ano no estado

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Publicado em 4 de julho de 2024 às 06:30

A mãe de Davi Lima, que desapareceu em 2021, guarda as lembranças do filho
A mãe de Davi Lima, que desapareceu em 2021, guarda as lembranças do filho Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Entre 2020 e 2024, o número de pessoas desaparecidas na Bahia cresceu 141%. O estado registrou 1.550 desaparecimentos entre janeiro e maio deste ano, contra 643 no mesmo período de 2020. Os dados são do Ministério da Justiça e Segurança Pública, através do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp).

Ao longo dos cinco anos, houve uma crescente no número de registros na Bahia. Em 2021, 694 pessoas foram consideradas desaparecidas no estado. Já em 2022, foram 1.310. No ano passado, o estado atingiu a marca de 1.494 desaparecidos. Os números são referentes aos cinco primeiros meses de cada ano. 

Para a Polícia Civil (PC) da Bahia, o aumento expressivo não significa que o número de desaparecidos cresceu na mesma medida. O órgão justifica a crescente pela alteração na metodologia de coleta, extração e consolidação de dados, no fim de 2021, a partir da implementação do sistema Sinesp de Procedimentos Policiais Eletrônicos (PPE). 

"Tal alteração explica o crescimento brusco dos números de 2021 pra 2022 e a posterior estabilização dos índices, com discreto aumento de 3,7% entre os cinco primeiros meses de 2023 e o mesmo período de 2024", informa o órgão em nota. . "A troca de plataforma, com a descontinuidade do Sistema de Gerenciamento Estatístico (SGE), possibilitou estatísticas mais precisas para a criação de políticas de segurança pública – minimizando, também, a subnotificação de ocorrências", conclui a Polícia Civil. 

A Bahia é o sétimo estado com mais registros de desaparecidos este ano, segundo o Sinesp. São Paulo ocupa a primeira posição, com 6.410 pessoas desaparecidas, seguido do Rio Grande do Sul (3.486) e Santa Catarina (3.402). Estado mais populoso da região Nordeste, a Bahia é o estado com mais desaparecidos na região. Em segundo lugar aparece Pernambuco, com 5.463 registros. 

Além da mudança de sistema da Polícia Civil, em 2021, a pandemia também contribuiu para a subnotificação dos dados. É o que apontou o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2023. “Em decorrência da pandemia nossa hipótese é que os registros no biênio caíram não porque as pessoas pararam de desaparecer, mas pelo impacto do isolamento social na comunicação do fenômeno às delegacias de polícia”, diz estudo. 

Por trás dos números de pessoas desaparecidas, existem parentes e amigos que aguardam o desfecho de uma procura sem fim. É o caso de Lilia Lima, que busca o filho Davi desde março de 2021. O menino, que tinha 11 anos na época, desapareceu enquanto brincava na zona rural de Itiúba, no norte da Bahia.

Davi Lima despareceu em março de 2021, quando tinha 12 anos
Davi Lima despareceu em março de 2021, quando tinha 11 anos Crédito: Acervo Pessoal

A família reside em Salvador, mas passava períodos durante a pandemia na cidade. Lilia, que trabalhava como fotógrafa, deixou o menino sob os cuidados da madrinha e, quando retornou, descobriu que Davi havia desaparecido. Foram três meses de busca na zona rural, até que as investigações apontaram para a possibilidade de o menino ter sido vítima de sequestro.

De volta à capital, a vida de Lilia Lima passou a ser procurar o filho. “São mais de três anos de dor. É difícil demais o que a gente sente. O quarto dele continua aqui, do mesmo jeito, com as roupinhas dele. Nós continuamos cobrando as autoridades porque esse é o nosso dever”, diz. Desde março de 2021, cinco delegados já assumiram a investigação, que até hoje não foi concluída.

A mãe de Davi tem esperanças de que vai encontrar o filho com vida, mas conviver com a dúvida sobre o paradeiro de um familiar causa impactos no cotidiano de quem aguarda notícias de um desaparecido. Na casa de William Aguiar Santos, 28, sushiman que desapareceu em maio deste ano, a falta de informações sobre o jovem desestruturou a vida dos pais.

“Estamos desesperados, angustiados. A gente não dorme nem come direito. Estamos adoecendo. A mãe dele não consegue nem entrar no quarto”, desabafa Joelson Santos Morais, 58, pai de William.

A falta de informações sobre o paradeiro de alguém próximo provoca sofrimento constante na vida de quem busca notícias. O professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) Rafael Patiño, que pesquisou os impactos do desaparecimentos forçados de presos políticos na Colômbia, explica porquê famílias acreditam na volta dos parentes.

O sushiman desapareceu em Terra Nova, Bahia
William Aguiar desapareceu em Terra Nova, na Bahia Crédito: Reprodução/Redes Sociais

“A incerteza sobre o que aconteceu com aquela pessoa se torna uma fonte intensa de angústia. A ausência da prova de realidade e não saber as circunstâncias de um desaparecimento faz com que, no psiquismo, aquela pessoa permaneça viva para a família”, detalha Rafael Patiño.

“Diante do desaparecimento, há obstáculos adicionais para a elaboração do luto. Mas, isso não torna a elaboração impossível. A partir desse tipo de situação, muitas pessoas constroem ações sociais de lutas por direito, por exemplo”, conclui.

Serviço 

A lista das pessoas desaparecidas na Bahia é disponibilizada no perfil da Delegacia de Proteção à Pessoa no Instagram (@desaparecidospcba) e no site. Quem tiver informações sobre alguém que está desaparecido, deve entrar em contato com a Polícia Civil através do WhatsApp (71 99631-6538) e telefone (71 3116-0124). Não é preciso esperar 24 horas para registrar o desaparecimento de alguém.