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Raquel Brito
Publicado em 22 de dezembro de 2023 às 20:56
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, na manhã desta sexta-feira (22), os dados de cor e raça do Censo 2022. Entre os resultados, destaca-se o número de pessoas autodeclaradas pretas e pardas na Bahia: dos 14.141.626 habitantes, 8.103.964 pardos e 3.164.691 negros. Isso equivale a 79,7% da população do estado.
O estado é o único a não ter a população branca entre as duas raças com mais autodeclarações no Brasil. De acordo com a supervisora de Disseminação de Informações do IBGE na Bahia, Mariana Viveiros, esse foi um dos motivos para Salvador ter sido a cidade escolhida para a apresentação dos resultados da pesquisa. A divulgação foi feita na Casa do Olodum, localizada no Pelourinho.
“Foi uma forma que o IBGE encontrou de reconhecer essa importância, essa unicidade que tem aqui, além da importância do movimento de trazer essas informações para mais perto das instituições que trabalham com essa temática”, conta Viveiros.
Entre os nomes presentes na cerimônia, estavam Iêda Leal, secretária de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, ngela Guimarães, titular da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, Júnia Quiroga, representante auxiliar do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e João Jorge, presidente da Fundação Palmares.
Para Marcelo Gentil, presidente-institucional do Olodum, receber a equipe do IBGE para a exibição dos dados é o símbolo de uma luta que vem de décadas para que a população negra se veja e se reconheça.
“No final dos anos 80, nós participamos de uma campanha chamada ‘Não deixe a sua cor passar em branco’. A gente conclamava para que as pessoas negras se autodeclarassem como negras, porque no recenseamento da população, que o questionário era aberto, apareceram 136 etnias intermediárias entre o negro e o branco: chocolate, café com leite, jambo, moreno claro, ‘cor de burro quando foge’. Quando as pessoas diziam isso, elas não queriam dizer que eram quase negras. Muito pelo contrário. Elas estavam querendo dizer que eram quase brancas”, lembra. Segundo ele, foi a partir dessa campanha que, no Censo dos anos 90, a população negra começou a se identificar como tal.
A secretária Iêda Leal, representante do Ministério da Igualdade Racial, afirma que o papel do Estado deve se basear também nos números apresentados pelo IBGE. “Estes números revelam para nós do Governo Federal, como também ao governo estadual e governos municipais, que precisamos continuar acentuando as políticas de igualdade racial, as ações afirmativas para a integração da população negra, em todos os aspectos: moradia, saúde, educação, lazer e arte”, declara.
Segundo a secretária ngela Guimarães, o Censo é essencial para que o poder público possa elaborar políticas eficazes, com base nas demandas de cada faixa da população, além de possibilitar que os dados sejam vistos pelo mercado internacional, fomentando o afroturismo.
“Esse reconhecimento dá base para a construção das rotas do afroturismo, para a atração desses eventos internacionais, para a chegada de Beyoncé aqui ontem, fazendo aquela aparição para a divulgação do seu filme. E dá base também para a melhor orientação de políticas públicas, o investimento nessas medidas. Eu acho que tem essa centralidade. Com o senso, a gente vê que a maior parte dos domicílios que têm saneamento básico são da população branca. Então a gente precisa fazer um investimento mais incisivo no saneamento básico para população negra, por exemplo”, diz.
No Censo de 2010, a Bahia foi a Unidade da Federação (UF) com mais pessoas que se autodeclararam pretas: 2,4 milhões, ou 17%. Doze anos depois, esse título se mantém: agora, 22,4% da população baiana se declara preta, um ganho de 5,3%. O aumento absoluto, de 767.442 pessoas, foi o segundo maior do país, só abaixo do verificado em São Paulo.
De acordo com o Diretor-Chefe da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), José Acácio Ferreira, o número está relacionado à maior liberdade das pessoas na autodeclaração. “Houve uma queda nas pessoas autodeclaradas pardas, mas a gente pode atribuir isso às pessoas começando a se sentir mais à vontade, com mais interesse em se declarar pretos”, diz.
Entre as cidades com mais pessoas pretas no Brasil em número absoluto, Salvador ocupa o terceiro lugar, com 825.509 autodeclarações. Fica atrás apenas de São Paulo, com 1.160.073 pessoas pretas, e do Rio de Janeiro, onde esse número é de 968.428.
Já entre o número proporcional ao total de habitantes, oito das nove cidades com maior população preta estão na Bahia, do segundo ao nono lugar: Antônio Cardoso (55,1%), Ouriçangas (52,8%), Cachoeira (51,8%), Santo Amaro (50,9%), Conceição da Feira (50,3%), São Francisco do Conde (49,9%), Pedrão (49,7%) e São Gonçalo dos Campos (47,0%). Lidera o ranking o município maranhense Serrano do Maranhão, com 58,5% da sua população preta.
Segundo Helena Oliveira, coordenadora do UNICEF na Bahia, os dados de raça, cor, gênero e idade apresentados pelo IBGE na Casa do Olodum são estratégicos para a criação de políticas públicas, mas também para a atuação da fundação.
“Saber a cor de cada criança com quem a gente atua, entendendo as vulnerabilidade sobre crianças nos municípios de semiárido, municípios da Amazônia, onde nós trabalhamos. São quase todos os municípios que o Unicef trabalha e, nessa perspectiva, conhecer a cor de cada criança nesses dois mil municípios é um instrumento de gestão valiosíssimo para a gente dialogar com os nossos prefeitos e prefeitas para direcionar políticas para as crianças em maior vulnerabilidade”, diz.
Para Júnia Quiroga, representante auxiliar do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), após a divulgação dos dados, o próximo passo para a UNFPA é a plena utilização dessas informações para a formulação, acompanhamento, monitoramento e avaliação de políticas públicas por parte dos entes federados.
“É preciso que haja a apropriação [desses dados] por parte de todas as instituições sociais, a sociedade civil organizada. Todo o tecido social precisa se assenhorear desses dados, e a gente quer contribuir com isso, com oficinas pela boa utilização e com pílulas de informação, que comuniquem essas informações que às vezes ficam difíceis de entender”, exemplifica.
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo.