Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Larissa Almeida
Publicado em 7 de novembro de 2024 às 05:00
Líder no número de mortes violentas do país e à frente de outros estados nos principais índices de insegurança, a Bahia continua agravando a crise da segurança pública: em 2023, foi o único estado a registrar mais de mil mortes decorrentes de ações policiais. Ao total, 1.702 vidas foram perdidas, segundo o boletim Pele Alvo: mortes que revelam um padrão, realizado pela Rede de Observatórios da Segurança. O número é o segundo maior já registrado pela entidade desde 2019, quando o Rio de Janeiro contabilizou 1.814 óbitos por agentes de segurança do Estado. >
A quinta edição do boletim, que foi divulgado nesta quinta-feira (7), obteve dados via Lei de Acesso à Informação (LAI), junto à Secretaria de Segurança Pública e órgãos correlatos da Bahia e de outros oito estados. Os números revelaram que pelo menos 1.321 vítimas mortas pelas polícias baianas apenas no ano passado eram negras. Mas esse número tende a ser maior, pois do total de registros, apenas 1.396 descrevem a cor/raça das vítimas (em 381 casos, esse dado não foi registrado). >
Para entender a tendência, o número de negros mortos em operações policiais na Bahia corresponde a 94,6% do total dos 1.321 casos em que a raça/cor da vítima foi anotada. Desprezando a diferença entre a presença ou a falta desse dado, as 1.321 mortes de negros representam 77,6% do total de 1.702 óbitos ocorridos em ações policiais. >
O cenário de violência policial, no entanto, não é o único que a Bahia lidera. O estado é campeão de mortes violentas no primeiro semestre de 2024, com 2.087 homicídios dolosos registrados, segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Sinesp), sistema do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). É também o que mais mata mulheres e negros, conforme dados do Atlas da Violência 2024. >
O problema da violência não é de hoje. Também foi a Bahia o estado com maior número de homicídios dolosos no país em 2023, pelo terceiro ano consecutivo, ao registrar 6.578 mortes, como revelado pela 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O mesmo ocorreu em 2022 e foi evidenciado por outra pesquisa. Na ocasião, o Atlas da Violência mostrou que, naquele ano, 6.776 vidas foram interrompidas de forma violenta em território baiano. >
Em cada um dos 365 dias de 2023, pelo menos sete pessoas negras sofreram com a letalidade policial em todos os estados monitorados, mas somente a Bahia teve um número de mortes que representou quase a metade (47,5%) de pessoas negras mortas em ações policiais em todos os nove estados abarcados pelo boletim Pele Alvo. >
Para Ana Paula Rosário, porta-voz da Rede de Observatórios de Segurança, os dados são alarmantes e colocam em xeque as estratégias da segurança pública baiana. “A pergunta é: por que o uso da violência para combater a violência? Estamos em um estado que cada vez mais tem registrado o crescimento do índice de pessoas vítimas da letalidade e da violência, já que, ao mesmo tempo em que a violência urbana cresce, a policial cresce também. A estratégia do estado não tem sido eficaz”, aponta. >
No ponto de vista de Samuel Vida, coordenador do Programa Direito e Relações Raciais da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a política de segurança pública foi projetada para chegar a esse quadro de violência. “Não há nada de extravagante ou anormal. É o resultado deliberado de uma política pública de segurança que optou por intensificar a lógica do confronto e de transformar a letalidade policial em indicador de eficiência da segurança pública”, frisa. >
“Nós estamos assistindo esse projeto que começa no governo de Jaques Wagner, se intensifica no governo Rui Costa e ganha, agora, o ápice no governo de Jerônimo Rodrigues. Ou seja, é uma política deliberada do PT baiano. [...] Eu também tenho insistido que a Bahia tem como projeto, e está consumando esse objetivo, de se transformar na locomotiva do trem do genocídio negro no Brasil”, acrescenta Samuel Vida. >
Na linha de frente do alvo da letalidade policial, estão os jovens negros. Eles representam 68% dos mortos em 2023 na faixa etária de 12 a 29 anos. São homens e mulheres de maioria periférica, moradores de comunidades em que muitos serviços públicos não chegam, mas as forças policiais marcam presença em virtude da ocupação de facções, o que torna o local e os moradores alvos do estigma social e racial. >
Como resultado desse cenário, a população periférica fica cercada pela violência de criminosos e pelo modus operandi da força policial que, via de regra, escolhe agir com base na intimidação e confronto. “Há um pânico generalizado nas comunidades. Eles não têm a quem recorrer porque o estado que deveria combater o crime organizado e prover segurança para o cidadão comum é também um vetor de intimidação e violação de direitos”, pontua Samuel Vida. >
Os impactos da sensação geral de insegurança, por sua vez, alimentam o ciclo da violência, uma vez que uma população dominada pelo medo não consegue pensar em futuro sem antes se certificar de que vai conseguir sobreviver. É o que defende Dudu Ribeiro, integrante da Rede de Observatórios da Segurança e pesquisador da Iniciativa Negra, que sugere a discussão da segurança pública para além da polícia. >
“É necessário urgentemente promover políticas de vida e isso passa pela noção de que a segurança pública não pode ser mais encarada apenas como uma questão de polícia. Nós temos que envolver a Secretaria de Educação, de Cultura, de Direitos Humanos, de Trabalho, Emprega e Renda, para produzir não apenas a sensação de segurança, mas permitir projetos de vida”, enfatiza. >
A reportagem procurou a Polícia Militar e a Polícia Civil para se posicionarem sobre os dados divulgados pelo boletim da Rede de Observatórios de Segurança. Ambas as pastas sugeriram o contato com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA). Procurada, a SSP-BA inicalmente não respondeu ao CORREIO sobre os números da letalidade policial nem sobre estratégias para reduzir tal cenário. Um dia depois, a secretaria divulgou a nota abaixo:>
A Secretaria da Segurança Pública ressalta que as ações preventivas realizadas pelas Forças Policiais e de Bombeiros resultaram na redução de 6% das mortes violentas em 2023, na comparação com o ano anterior.>
Informa também que em 2024 (entre janeiro e outubro), com ampliação do trabalho de inteligência, as ocorrências de homicídio, latrocínio e lesão dolosa seguida de morte apresentaram diminuição de 10%. Lembra ainda que nos meses de maio, junho, julho e agosto, a Polícia Civil contabilizou os menores índices de mortes violentas dos últimos 12 anos.>
A SSP acrescenta ainda que tem investido em capacitação, tecnologia e equipamentos de investigação, buscando sempre retirar das ruas armas de fogo. Em 2023, as Forças da Segurança apreenderam 55 fuzis, número recorde. No total, 6 mil armas de fogo foram apreendidas naquele ano. >
Acrescenta que durante as ações para localização de armamentos, nos últimos três anos, cerca de 300 viaturas foram atingidas por disparos de armas de fogo.>
Por fim, a SSP reitera o compromisso com a atuação dentro da legalidade, buscando sempre proteger a população.>