Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Da Redação
Publicado em 14 de junho de 2020 às 12:00
- Atualizado há 2 anos
Deveria aqui tratar do conteúdo do planejamento urbano e dizer do quanto ele é importante para as nossas cidades, pelos graves problemas que apresentam. Mas antes será preciso desbastar um cenário institucional deformado. Refiro-me à multiplicidade de planos a que o Município está obrigado por uma legislação emanada de Brasília, descolada da realidade e que não atende aos interesses locais, além de onerar desnecessariamente o Poder Público municipal.>
A referência inicial deve ser, logicamente, o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257, de 2001), que regula o capítulo de Política Urbana da Constituição Federal. Nele é instituído o PDDU, sujeito a revisão “pelo menos a cada dez anos”. De logo, esta norma não se aplica a cerca de 70% das nossas sedes municipais, uma vez que a Constituição (art. 182, §1º) excluiu da obrigatoriedade do Plano Diretor as cidades com menos de 20.000 habitantes. Está aqui, aliás, um indicador dos graves desequilíbrios de desenvolvimento do nosso país.>
As diretrizes nacionais para o saneamento básico (Lei n. 11.445, de 2007) estabelecem que os PMSB serão revistos periodicamente, “em prazo não superior a 4 (quatro) anos, anteriormente à elaboração do Plano Plurianual”. E aqui estão incluídos serviços tão complexos e custosos quanto os de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e drenagem e manejo de águas pluviais. Qualquer pessoa de bom senso sabe que, neste país, em quatro anos não acontece nada de relevante em relação a sistemas de esgotamento sanitário a justificar revisões com tal frequência.>
A União instituiu em seguida a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305, de 2010), estabelecendo o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, com “revisão convergente com a vigência dos Planos Plurianuais”. O prazo final para o encerramento dos lixões era 2014, adiado por sucessivas prorrogações, providência que enfrenta o desafio da viabilidade econômica dos aterros sanitários, mesmo ante a formação de consórcios intermunicipais.>
Já a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei n. 12.587, de 2012), obriga à elaboração do PLAMOB, que deve ser avaliado, revisado e atualizado “em prazo não superior a 10 (dez) anos”. Isso não significa – diz a cartilha do antigo Ministério das Cidades – que esse deva ser o horizonte a ser projetado na sua elaboração, “pois a cidade deve ser planejada por um prazo maior e os ajustes devem ser periódicos e definidos no próprio plano”. Um lance de bom senso em relação ao horizonte dos planos, mas claudicante em relação à periodicidade dos ajustes, que insinua poderem ser mais frequentes.>
Por sua vez, a Lei nº 11.124, de 2005, instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), o Fundo e o Conselho Gestor do FNHIS, submetendo os municípios à adesão unilateral, sob pena de não terem acesso a recursos federais para fins habitacionais. Para tanto têm, inclusive que apresentar um Plano Local de Habitação de Interesse Social... Tão absurda a exigência que, esgotado o prazo legal, nada menos que 43% dos municípios brasileiros não haviam aderido ou tinham pendências junto ao tal sistema. >
Em comum, sempre o pressuposto da União tem sido a imposição de normas federais, em sentido contrário ao preceito constitucional do atendimento ao interesse local; de igual modo, a modelagem institucional adotada é geralmente uniforme: Conferência – Conselho – Plano – Fundo. Não consigo imaginar a que interesses ou propósitos deva servir essa proliferação setorial de instrumentos, quando todos sabemos das limitações técnicas e financeiras que as prefeituras têm; conferências setoriais, pelo seu caráter atécnico, levam a definições de prioridades não necessariamente compatíveis e alinhadas entre si e com o PDDU; e para cada cidade não bastaria ter apenas um único conselho e – se efetivamente necessário – um único fundo, para evitar fundos sem fundos e otimizar as aplicações às prioridades de cada momento e lugar?>
Enquanto vigorar a babel legislativa prevalecerá o caos urbano: nas grandes cidades, pela complexidade dos problemas; nas pequenas, pela ausência de condições mínimas. >
Waldeck Ornelas é especialista em planejamento urbano-regional. >