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Larissa Almeida
Publicado em 24 de outubro de 2024 às 05:00
Se há 20 anos o que atraía os jovens eram os programas de TV, as festas de 15 anos e os leitores de DVD e MP3, atualmente o que ganha a atenção deles é a internet. Seja através do computador, do celular ou do tablet, crianças e adolescentes estão cada vez mais conectados ao espaço virtual. A prova disso é que 93% da população brasileira de 9 a 17 anos é usuária de internet. O dado é da TIC Kids Online Brasil, levantamento anual criado para gerar evidências sobre a utilização da web por menores de idade no país. >
A pesquisa, que contou com amostra de 2.424 crianças e adolescentes e igual número de responsáveis, entrevistados entre março e agosto deste ano, revelou que entre os mais novos, de 9 a 10 anos, o uso da rede corresponde a 89%. Entre os mais velhos, de 16 a 17 anos, essa porcentagem salta para 97%. Em todas as classes, a principal forma de acesso é pelo celular, e o local de onde a maioria acessa é em casa. A escola aparece como segunda opção. >
No que diz respeito à frequência, 24% dos jovens entrevistados reconhecem usar excessivamente a internet, uma vez que já tentaram ficar menos conectados, mas não conseguiram. O total de 22% se pegou na navegando na web sem estar realmente interessado no que via, enquanto outros 22% passaram menos tempo do que deviam com a família, amigos ou fazendo lição de casa porque ficou muito tempo na rede. >
O publicitário Daniel Branco, 49 anos, é pai de três filhos com idades entre 4 e 19 anos. Ele conta que tenta ao máximo evitar que os jovens tenham acesso à internet, porque vê mais males do que benefícios no uso da rede. “Na minha opinião, o uso é abusivo e danoso. Evitamos bastante e cerceamos o acesso e o tempo de tela até uma certa idade, e depois fomos relaxando à medida que os filhos foram crescendo. [...] Os pontos positivos envolvem a socialização, que hoje depende quase que exclusivamente do meio digital e acesso à informação”, pontua. >
Por outro lado, ele vê que o mesmo ponto positivo traz também consequências negativas, no que diz respeito ao acesso a informações de fontes duvidosas. Ainda, vê os filhos cada vez mais desligados do convívio social fora das telas. “É inevitável comparar com a minha infância e cair no discurso que os mais velhos repetem de que ‘no meu tempo não era assim’. As relações eram mais pessoais, mais afetivas e verdadeiras. A autoestima era maior, o tédio era menor, assim como a tendência à inação e à apatia”, afirma. >
Apesar da preocupação dos pais com o tempo de uso da internet pelos filhos, a psicóloga Ingrid Nayan esclarece que os sinais de que o acesso à web está sendo danoso é quando os jovens começam a apresentar mudanças de comportamento que são nocivas à própria saúde. >
“Se a criança ou o adolescente não está dormindo bem, não está se alimentando adequadamente, não está estudando e está passando muito tempo em jogos, é provável que haja um quadro de vício. Quando eles ficam no mundo deles, se fecham e não querem conversa, isso também é sinal de alerta”, adverte. >
Segundo a pesquisa, 15% dos jovens entrevistados já deixaram de comer ou dormir por causa da internet, e 16% se sentiram mal em algum momento por não estarem conectados. Os pais que veem de perto essa situação, costumam impor limites de uso por já entender que estão diante de um caso de vício. Esse foi o caso da assistente administrativa Andressa Rodrigues, 35 anos, que há quase um ano instaurou uma mudança na rotina do filho, Évio Novaes, de 10 anos. >
“Durante a semana, ele não pode utilizar o celular. O uso só é permitido para ele falar no WhatsApp com alguém, quando precisa. Durante o final de semana, eu tento ao máximo impor o limite de duas horas, mas há adaptações. Coloco esses limites porque, nas férias, eu percebi que ele estava viciado a ponto de isso começar a interferir no sono. Eu percebia que ele não conseguia dormir direito, porque ficava pensando em acordar para jogar”, relata. >
Assim como Andressa, o diarista Paulo Roberto Cavalcante, 54 anos, viu com preocupação as mudanças de comportamento apresentadas pelo filho Paulo Victor. Ele conta que, desde que ganhou um celular do padrinho, o menino passa pelo menos oito horas por dia na rede e demonstra pouco interesse em outras atividades, de modo que até já mostrou alterações nos hábitos alimentares. >
“Outro dia ele me pediu um copo de leite e um pão com goiabada para tomar no café da manhã, antes de ir para escola. Quando eu dei o prato e o copo, vim para sala acreditando que estava tudo bem. Quando fui ao quarto para dizer que estava na hora de ele ir para o colégio, vi que ele tinha comido só metade do pão e não tinha tocado no leite por estar distraído no celular. Isso tem acontecido com frequência. Às vezes, ele nem come”, se queixa. >
Para casos como os mostrados acima, a psicóloga Ingrid Nayan afirma que a proibição do uso é justificável para controlar a crise, mas, em geral, os pais devem optar pelo diálogo e negociação. “Se for proibir, tem que ser explicado o motivo da proibição. Antes de tudo, é preferível perguntar o que eles estão fazendo na internet, orientar sobre o que deve ou não ser acessado, checar qual tipo de jogo estão jogando e se alguém está os instigando a fazer alguma coisa fora do mundo virtual. É mais fácil sentar e conversar antes de adotar medidas drásticas”, defende. >
Embora a frequência de uso da web incomode e preocupe os responsáveis, o perfil de uso das crianças e adolescentes mostra que há predominância de busca por conteúdos positivos. O levantamento da TIC Kids Online Brasil aponta, inclusive, que 86% dos jovens entrevistados usaram a internet para fazer trabalhos escolares e ouvir música. >
O entretenimento e a socialização são dois dos principais objetivos dos jovens quando acessam a rede. Não à toa, 84% deles assistem a vídeos, programas, filmes ou séries virtualmente, 78% jogam online ou offline, e 76% usam os dispositivos para acessar redes sociais e mandar mensagens instantâneas. >
Há ainda aqueles que fazem uso do ciberespaço para estudar. Esse é o caso da estudante Maria Eduarda Santana, 16 anos. “Tem cursos grátis e vastos tipos de conhecimento que eu busco, para aprimorar minhas habilidades e auxiliar na minha carreira acadêmica. A internet pode servir de uma maneira muito boa para as pessoas”, afirma. >
O diarista Paulo Roberto Cavalcante, que aparece no início da reportagem, não discorda disso. Apesar de ver indícios de vício em telas por parte do filho, ele ressalta que não pode negar o avanço intelectual do garoto depois que começou usar a internet. “Ele é muito curioso na internet, pesquisa muita coisa diferente, conheceu o Budismo e disse que quer ser budista. Além do mais, ele não baixa mais a cabeça. Mesmo sendo de poucas palavras, não obedece sem antes procurar saber o motivo da ordem”, conclui. >