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Maysa Polcri
Publicado em 12 de novembro de 2024 às 14:23
Mais da metade dos procuradores do Ministério Público da Bahia (MP-BA) se autodeclara preta ou parda. É o que revela dados da primeira edição do Censo Étnico-Racial da instituição, divulgado nesta terça-feira (12). De todos os 61 membros da segunda instância do órgão, 32 se identificam como negros - o que representa 52,45% dos procuradores baianos. A proporção é maior do que a representatividade entre todos os membros do MP-BA, que é de 34%. A autodeclaração, no entanto, é questionada dentro da própria instituição.
O resultado do censo inédito foi apresentado na sede do Ministério Público, em Nazaré, pela promotora de Justiça Lívia Santana Vaz. Ela, que foi nomeada uma das 100 pessoas de descendência africana mais influentes do mundo, em 2020, questionou a autodeclaração dos procuradores. Para Lívia Vaz, os dados evidenciam a ausência de letramento racial entre os membros da instituição.
“É um dado que chama atenção e é um desafio para aperfeiçoarmos o nosso censo. Temos 32 procuradores e procuradoras negros autodeclarados, o que é mais da metade da nossa segunda instância. Quando eu olho para o retrato da instituição, eu não consigo enxergar esses 32 procuradores negros”, disse a promotora de Justiça.
Para Lívia Santana Vaz, é preciso que sejam realizadas campanhas de conscientização racial dentro do MP-BA. Em 2014, o órgão foi pioneiro no Brasil ao implementar reserva de 30% das vagas de concursos públicos para pessoas negras. “Eu, como mulher negra parda, não posso me declarar preta para engrossar um caldo que não existe, que é a presença de mulheres pretas no Ministério Público baiano. O censo precisa ser acompanhado de campanhas de conscientização e informação”, ressaltou.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considera como negras as pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas. No Censo Ético-Racial do MP-BA, 174 dos 564 promotores se identificaram como negros (32%). Os promotores atuam na primeira instância, junto aos juízes nas comarcas, enquanto os procuradores representam o Ministério Público nos tribunais de Justiça (segunda instância).
A proporção de membros do MP-BA que se autodeclara negra é superior à representatividade no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Enquanto na instituição estadual os negros representam mais de um terço dos membros (34%), em âmbito nacional a taxa é de 15,8%. Na Bahia, 79,7% da população se identifica como negra. No Brasil a proporção é de 55,5%, segundo o IBGE.
A autodeclaração racial se tornou obrigatória no MP-BA pelo ato normativo nº 42/2023, no ano passado. O censo é resultado do Programa de Enfrentamento ao Racismo Estrutural, criado em 2020 na instituição. Para o procurador-geral de Justiça da Bahia, Pedro Maia, o censo é uma oportunidade para combater as discriminações.
“Temos que compreender que precisamos corrigir as distorções que a nossa sociedade traz e dar igualdade de oportunidades. O papel do Ministério Público também é ajudar na construção de uma sociedade mais justa”, afirmou. “Apresentamos esse censo com coragem, mas com a certeza de que é uma contribuição para uma reflexão interna, além de ser exemplo para outras instituições”, completou Pedro Maia.
A partir da divulgação do primeiro Censo Étnico-Racial, o MP-BA deseja monitorar a representatividade na instituição ao longo do tempo, como explica Rogério Queiroz, promotor e coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH). “Com letramento racial e a política de cotas, queremos garantir o acesso de pessoas negras e que elas atinjam os quadros de liderança”, avalia.
Nesse contexto, o promotor de Justiça ressalta a importância das bancas de heteroidentificação, que analisam as autodeclarações de candidatos em processos seletivos. "Nos nossos concursos, temos uma banca extremamente criteriosa para garantir que somente pessoas negras utilizem as cotas", disse. Uma decisão liminar permitiu que um candidato reprovado na banca tomasse posse em uma vaga destinada para pessoas negras no Tribunal de Contas do Estado (TCE), em outubro.
Garantir a representatividade nas instituições é um dos caminhos para a democracia racial, segundo a promotora Lívia Vaz. “Em um estado democrático, as instituições públicas e privadas deveriam refletir as diversidades da população. Nós precisamos de diversidade porque são necessárias perspectivas e vivências diversas dentro do sistema de Justiça. O Ministério Público tem como missão institucional promover a igualdade e, por isso, temos que olhar para dentro”, avalia.