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Wendel de Novais
Publicado em 28 de maio de 2024 às 05:10
Enquanto a localização de lideranças criminosas aumentou na Bahia no início de 2024, a letalidade das ações policiais também registrou crescimento. De acordo com o Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJ), que disponibiliza dados fornecidos pelos estados, 609 mortes por intervenção policial aconteceram em território baiano no primeiro quadrimestre, 25,82% a mais em relação ao mesmo período do ano passado. O dado coloca a Bahia na liderança da estatística no país, à frente de São Paulo, com 220, e do Pará, com 204, que fecham os três estados com maior acumulado de registros.
O ministério não tem os dados do mês de abril referente aos estados de São Paulo e o Rio de Janeiro, que estavam na segunda e quinta posição do ranking até março com 220 e 152 registros, respectivamente. Questionado, o MJ informou que a ausência das informações é de responsabilidade dos estados. “Os dados publicados na página do Ministério da Justiça e Segurança Pública são enviados, consolidados e homologados pelos estados e pelo Distrito Federal. Os entes federados que não constam no mapa são os que ainda não enviaram as informações”, escreve em nota.
Porém, em março, a Bahia já reunia a maior quantidade de registros, com 454 mortes por intervenção policial e, antes disso, tinha acumulado 297 em janeiro, mantendo a liderança na estatística. Em média, até o momento, o estado tem cinco mortes do tipo por dia. Procurada para responder sobre os números de letalidade, a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) deu destaque para o montante de prisões realizadas no início de ano e para o número armas e equipamento bélicos apreendidos no estado até o momento em operações policiais.
“As ações de inteligência resultaram na captura de 4.672 pessoas em 2024, número 6% maior que no ano passado, além do aumento das apreensões de armas de fogo. Nos três primeiros meses, 1.502 fuzis, submetralhadoras, espingardas, pistolas e revólveres foram retirados das ruas, representando um aumento de 17% da produtividade”, escreve a pasta, que ressalta o investimento em capacitação e novas estruturas.
A SSP-BA citou ainda uma redução em mortes violentas e assassinatos, detalhada pelo CORREIO em outra matéria. Uma parte do material apreendido, que foi alcançado por policiais nos bairros de Periperi, Lobato e Vila Verde em Salvador, foi apresentada pela pasta no último dia 23 de abril. Na coletiva da apresentação, Heloísa Brito, delegada geral da Polícia Civil da Bahia (PC-BA) foi questionada sobre os números e respondeu que, apesar das ações no estado terem foco na proteção da vida, os criminosos alcançados, munidos de um armamento mais robusto, têm reagido mais.
“Quando o policial vai a campo, ele vai no sentido de fazer a prisão do indivíduo. Agora, nós trouxemos aqui um aumento no número de armas apreendidas, o que mostra que tem muito mais armas entrando no nosso estado e que, infelizmente, em uma situação de operação policial, os indivíduos estão se sentindo mais 'empoderados' para confrontar com as forças policiais. Porém, é óbvio que toda ação é pensada para defender a vida, seja ela de quem for. Seja do indivíduo que vai ser alcançado para prisão ou da própria sociedade”, enfatiza a delegada geral.
Mesmo com essa ênfase, o estado lidera a estatística de letalidade desde 2022, de acordo com dados do MJ. Para Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz, é possível que, quando há uma política de combate à violência e às organizações criminosas, exista a letalidade policial. Ela pondera, entretanto, que esses registros não podem ser observados como um sinal de eficiência dentro das ações.
“Quando há uma política de enfrentamento, seja ao crime organizado ou outros problemas, é possível mesmo que haja letalidade policial, mas isso não significa que é eficiente. [...] Essa não é a melhor forma de se enfrentar o crime organizado porque você gera muitas mortes de suspeitos e de inocentes. E, por fim, não desbarata profundamente e estruturalmente o crime organizado”, analisa a diretora-executiva.
Dudu Ribeiro, co-fundador da Iniciativa Negra e integrante da Rede de Observatórios de Segurança na Bahia, afirma que o número de mortes por intervenção policial na Bahia é uma demonstração de uma crise do modelo de segurança pública nacional. Para ele, as ações, que acontecem principalmente em comunidades periféricas, afetam as pessoas desses locais. No entanto, ações são pouco eficazes, a longo prazo, contra o modelo de comercialização e consumo de drogas.
“Um modelo de segurança pública que é baseado primeiro no militarismo e, portanto, numa lógica de guerra, na eliminação do inimigo, na ocupação de territórios e não na proteção da vida. É pautado numa lógica chamada de guerra às drogas, mas que, na verdade, era uma guerra contra pessoas. Não protege a sociedade e a saúde pública de forma nenhuma do ponto de vista do consumo de substâncias psicoativas”, fala Dudu.
Dentro do contexto, ainda estão as mortes dos agentes de segurança em serviço. Mesmo nesse início de ano, em dois meses, quatro policiais foram mortos em todo o estado. Os casos foram registrados, por ordem cronológica, nas cidades de Salvador, Feira de Santana, São Desidério e, novamente, Salvador. Ao longo de 2023, em Salvador e Região Metropolitana (RMS), 37 agentes foram baleados, sendo 20 feridos fora de serviço. Dos 37, considerando quem estava e quem não estava trabalhando, 15 foram mortos e 22 ficaram apenas feridos.