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Portal Edicase
Publicado em 5 de março de 2024 às 11:25
As mulheres são maioria na população brasileira, têm nível de escolaridade maior que os homens e assumiram a chefia de 51% dos lares brasileiros nos últimos dez anos. Porém, são elas também que enfrentam, ao lado das pessoas negras, o maior índice de desocupação no país, fechando 2023 com taxa acima da média nacional.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam um cenário que coloca as mulheres brasileiras em uma verdadeira corrida de obstáculos para conquistar seus espaços, reflexo da construção social que ainda as desfavorece.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) apontou que, no último trimestre de 2023, as mulheres registraram uma taxa de desemprego de 9,2%, enquanto os homens alcançaram o índice de 6%. Nem mesmo a maior escolaridade feminina – na população com 25 anos ou mais, 19,4% das mulheres tinham nível superior completo em 2019 e somente 15,1% dos homens tinham esta formação – tem sido capaz de equiparar o acesso aos postos de trabalho. Como extensão deste mesmo panorama, a desigualdade de renda no Brasil faz com que as mulheres recebam 26,2% menos que os homens.
Uma pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelou que, no Brasil, 84,5% das pessoas têm ao menos um preconceito contra mulheres. O estudo mostrou ainda que 31% dos brasileiros acreditam que os homens têm mais direito ao trabalho do que as mulheres ou que eles fazem melhores negócios do que elas.
Para a orientadora de carreira Ellen Murray, os principais motivos que levam as mulheres a viverem a maior taxa de desemprego são, justamente, culturais. “Se você, mulher, é mãe, é questionada com quem deixa seu filho. Eu já ouvi: não contrata mulher porque se ela está casada, vai engravidar . ‘Não vou te contratar porque você é mãe, você vai procriar’. É assim, você pode trabalhar, mas vai ter um piso salarial menor”, diz.
A especialista afirma ainda que o estigma de associar o trabalho como algo “difícil demais” para a mulher que é mãe é a primeira barreira utilizada para não seguir com uma contratação. “É preciso enxergar que para a mulher sempre vai ser mais difícil, principalmente para a que tem filho, uma mãe solo. E é difícil porque a sociedade impõe que é, não porque ela vê assim. Eu sou mãe solo e para mim essa jornada [na carreira] é prazerosa, mas a sociedade impõe que é difícil’, aponta Ellen Murray.
A cultura permeada pelo machismo e patriarcado é um fator destacado pela profissional como agravante para o desenvolvimento profissional das mulheres. “O mercado de trabalho ainda é muito machista, com ambientes onde a mulher sofre abusos, às vezes em um tom de brincadeira, uma olhada, e isso faz com que nós deixemos a área profissional de lado para nos dedicarmos dentro de casa. Assim acabamos reproduzindo aquela visão antiga de que a mulher serve somente para o trabalho doméstico”, destaca a profissional.
Como reflexo de uma sociedade que ainda privilegia os homens, Ellen Murray ressalta que a falta de oportunidades também dificulta o acesso das mulheres aos postos de trabalho. “A gente não tem as mesmas oportunidades, porque, para você ser vista como um homem executivo é visto, por exemplo, tem que vestir uma persona que não é sua e, por mais que você tenha os mesmos conhecimentos e as mesmas competências, é dado um valor menor”, diz a especialista.
Para mudar o cenário que desfavorece as mulheres, Ellen Murray defende que é preciso que as empresas entendam seu papel e seu lugar na agenda da diversidade . “Temos de entender o perfil de empresa que nós somos para que tudo flua e tenhamos colaboradores que compartilhem da mesma visão que a nossa. Conhecendo a cultura da empresa e tendo paixão pela diversidade, é possível criar ações afirmativas considerando a história das pessoas”, conclui a orientadora de carreira.
Diante do paradoxo que impacta as brasileiras – são a maioria entre chefes de família, mas têm a maior taxa de desemprego e menor renda –, com a inflação do país acelerando no mês de fevereiro – alta de 0,78%, mais que o dobro do que foi verificado em janeiro –, planos de saúde com previsão de reajustes de até 25% e a compra do mercado mais cara, em razão da alta nos preços do arroz, feijão e itens básicos na mesa do brasileiro, a conta não fecha para a mulher que chefia seu lar.
“Pensar estratégias de economia doméstica para que essas mulheres consigam prover e cuidar de suas famílias é muito mais do que ‘fazer negócio’, é ser humano, buscando meios para amenizar e reparar uma situação que é, desde sempre, desigual”, afirma Mariana Rangel,diretora de marketing do Cartão de TODOS.
Líderes sobrecarregadas na economia do cuidado, as mulheres são responsáveis por 65% do trabalho doméstico e de cuidado com seus dependentes. Este trabalho invisível, se contabilizado, subiria o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro em 8,5%, de acordo com pesquisa do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas). Elas são indispensáveis e se destacam em casa e no mercado de trabalho, potências que movimentam a economia do país.
Vislumbrando outra realidade, Ellen Murray acredita que é possível romper com o círculo cultural vicioso que há tanto tempo – e desde sempre – silencia as mulheres. “Podemos enxergar um lado positivo: estamos nos posicionando cada vez mais e isso é muito importante. Então eu torço e acredito muito –porque se eu não acreditasse, acho que não trabalharia mais nessa área [de recrutamento e pessoas e cultura] – que, daqui há uns cinco ou seis anos, a gente não vai ter ainda esse ambiente de igualdade, porque é uma questão social e cultural e nós precisamos romper com tudo isso, mas vamos conseguir nos desenvolver, sim”, afirma.
A especialista acrescenta ainda que “não fomos criadas e preparadas para o mercado de trabalho, mas já conseguimos romper com isso, porque a criação da geração de hoje é totalmente diferente, coisas que nós passávamos, essa geração não precisa mais passar e ainda bem”.
Para Mariana Rangel, o desejo para este 8 de março é que cada mulher conquiste um presente e futuro que impulsione sua potência. “Neste Dia da Mulher, em meio a obstáculos e desafios, o objetivo é poder construir vivências mais justas, para que nossa capacidade, nosso preparo e nossa atuação sejam reconhecidos e abram espaço para novas oportunidades. Conquistamos muito, mas podemos e vamos conquistar ainda mais”, afirma.
Por Nayara Campos da Silva