A inteligência artificial vai demitir você?

Artigo assinado por Adelino Mont’Alverne

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Publicado em 27 de dezembro de 2023 às 01:42

Imagem gerada por inteligência artificial
Imagem gerada por inteligência artificial Crédito: Shutterstock

Há 200 anos a humanidade vem assistindo a um processo evolutivo das máquinas. No início, os avanços tecnológicos trouxeram um ganho espetacular de força, de potencial mecânico. Motores a vapor revolucionaram a indústria e os transportes. Guindastes poderosos mudaram o cenário da logística. A eletrificação, a automação e novas fontes de energia levaram os robôs para as linhas de montagem das fábricas, realizando sem parar tarefas precisas e repetitivas.

Mas agora estamos vendo o despontar de outra revolução. Que não pretende mais expandir a força e a precisão, e sim a capacidade cognitiva das máquinas. Os avanços dessa revolução invadem campos antes considerados estritamente humanos, como a linguagem, o julgamento, a criação de estratégias, a tomada de decisões, a aprendizagem e até a criatividade. Um conjunto de conceitos e tecnologias que avançam rapidamente sobre esses campos estão sendo representados pelo termo inteligência artificial.

Mas o que pretende a inteligência artificial? É tentadora a ideia de recriação de um cérebro humano. No entanto, cérebros já estão ao nosso alcance. Por isso uma questão mais interessante poderia ser: que novas capacidades cognitivas podem ser criadas ou desenvolvidas a partir dos recursos da computação e do processamento de uma quantidade quase incontável de dados? Esse novo tipo de inteligência, não no conceito humano, mas baseado na capacidade das máquinas, pode ser a chave para soluções de grandes problemas do nosso tempo, como pandemias, impactos de mudanças climáticas e doenças até aqui incuráveis.

Entre as muitas transformações geradas por essa revolução, uma delas causa efeitos na vida cotidiana de todos nós, aquelas ligadas ao mundo do trabalho. Quando o trabalho muda, o homem também muda. Até hoje usamos nossas profissões ou cargos como uma forma de apresentação da nossa identidade. As ferramentas baseadas em inteligência artificial alteram nossa relação com o trabalho, com a produção de conhecimento e valor. E em última instância o nosso papel na sociedade.

Hoje sistemas baseados em inteligência artificial já estão presentes em grande parte das plataformas e serviços digitais. Em algum nível, eles estão presentes em jornais online que usam a IA para definir as notícias apresentadas em suas páginas principais. Sistemas de mídia programática criam anúncios e escolhem os melhores espaços para veiculação. Plataformas de mídias sociais criam feeds de conteúdo personalizados para cada pessoa. E empresas de mídia digital out-of-home podem exibir imagens e anúncios baseados no perfil dos motoristas que passam por determinada rua.

A história mostra como novas tecnologias são capazes de criar novas funções enquanto eliminam outras. Mas o contexto agora não é tão simples para os trabalhadores. As novas funções, profissões e cargos criados pelo avanço da inteligência artificial demandam altas especializações. De que forma profissionais que tiverem suas funções eliminadas estarão prontos para um salto tecnológico tão grande? As novas ferramentas inteligentes serão usadas para dar mais tempo livre aos profissionais ou para substituir parte deles em equipes ainda mais reduzidas? Essas são algumas das questões atualmente em debate em vários centros que se dedicam ao futuro do trabalho.

No contexto da inteligência artificial temos que pensar novos modelos de trabalho que acessem o melhor da tecnologia, mas sem perder de vista a contribuição e experiência de profissionais que garantam o melhor da inventividade humana. Minha aposta está na busca de um modelo de "IA Colaborativa". Trabalhadores com suas histórias, perspectivas e diversidades colaborando com ferramentas de inteligência artificial para chegar a resultados valiosos na velocidade e profundidade que esse cenário exige. É preciso somar qualidades e desenvolver um perfil “Humano+IA”. Nenhuma das partes separadas será suficiente.

Que habilidades podem nos tornar à prova de inteligências artificiais? Aquelas profundamente humanas. O pensamento crítico sobre os efeitos das tecnologias sobre as pessoas e o mundo. A capacidade de estabelecer colaborações, de ter empatia em relação aos outros, de resgatar de sua história muitas sensações, sentimentos e aprendizados da experiência humana. Ferramentas de IA não viveram a expectativa de um presente de natal, um primeiro dia de aula, um primeiro dia de férias, um primeiro beijo. Uma despedida.

A experiência humana pode ser a chave para que nenhuma nova tecnologia ou ferramenta possa abrir mão de você. Por mais fantástica que ela seja.

O futuro depende de escolhas e com a inteligência artificial não será diferente. Temos que pensar o que será importante enquanto essa tecnologia vai se tornando cada vez mais presente em nosso cotidiano. O que devemos aprender, desaprender, reaprender. Quais serão as nossas habilidades e contribuições para um cenário que mistura o real e o artificial. Precisamos começar a tomar agora decisões que terão um grande impacto sobre nosso futuro.

Adelino Mont’Alverne é mestre em Cibercultura e fundador do Rework Future.

Este conteúdo integra o projeto Fatos e Cenários, realização do Jornal CORREIO com patrocínio da Tronox e Unipar, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador e apoio da FIEB.

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