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Marina Branco
Publicado em 20 de novembro de 2024 às 15:15
Não houve quem não se emocionasse com o mosaico levantado durante o hino da Seleção Brasileira na partida contra o Uruguai, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2026.
Enquanto as vozes de “verás que um filho teu não foge à luta” preenchiam a Arena Fonte Nova, as imagens de Vini. Jr, Pelé, Ronaldo Fenômeno, Romário, Garrincha, Djalma Santos e Nilton Santos cobriram as arquibancadas, em uma homenagem pelo Dia da Consciência Negra, comemorado um dia depois, em 20 de novembro.
Ainda assim, muitos dos torcedores nas arquibancadas não conhecem as histórias de luta, resistência e poder destes e de tantos outros atletas que, pelo esporte, levaram a luta antirracista à frente e defenderam a igualdade racial.
O mosaico foi um passo - a continuação é conhecer e entender quem foram os ídolos que, para muito além da bola, representaram o Brasil e a Canarinha mundo afora.
Se há uma palavra que define a luta de Vinicius Jr, é representatividade. Levando a imagem de milhares de meninos pretos que sonham em um dia serem o melhor jogador do mundo para os maiores palcos do futebol mundial, Vini enfrentou e enfrenta retaliações de todos os tipos essencialmente na Europa, desde que se tornou jogador do Real Madrid.
Além do talento inegável com a bola, Vini se tornou a maior voz na luta antirracista na Espanha, sendo o grande responsável pelas primeiras lei e prisão contra o racismo em um país que nunca o criminalizou.
Mesclando resistência e talento, Vini venceu duas Champions League, três campeonatos espanhois e dois mundiais de clubes. Além disso, foi indicado três vezes seguidas ao prêmio de melhor do mundo, a Bola de Ouro. Na última vez, como o grande favorito, terminando em segundo lugar e gerando uma polêmica imensa mundo afora em relação ao porquê.
Os ataques a Vini foram incontáveis, chegando a beirar o absurdo. Entre um boneco do jogador pendurado em um viaduto na Espanha ao lado de faixas dizendo “Madrid odeia o Real” e um plano para mobilizar um torcida inteira a usar máscaras em um jogo para poder ofendê-lo por sua cor sem serem pegos, o que aqui no Brasil já era crime começa a se tornar também na Espanha, pela luta que ele trava.
Até mesmo nos palcos que já o traíram, como o da Bola de Ouro organizada pela Uefa e pela France Football, Vini já subiu por sua luta, quando em 2023, venceu o Prêmio Sócrates, que homenageia a solidariedade de atletas, pelas ações sociais que realiza com o Instituto Vini Jr, ajudando crianças carentes.
A cada jogo em que Vini levanta sua mão e faz o símbolo antirracista, seja vestindo a camisa da única seleção pentacampeã do mundo ou do maior clube do mundo em títulos, ele dá um passo à frente na resistência contra o racismo mundial.
O rei do futebol é conhecido mundo afora, mais do que tudo, pela sua qualidade incomparável. Vencedor de três copas do mundo, Pelé é mundialmente consagrado como o maior de todos os tempos, e o único a marcar mil gols até então.
A importância é tanta, que uma guerra na Nigéria parou para assistir Pelé jogar. Em um acordo interno, o conflito cessou por 48h, para que os nigerianos assistissem o rei do futebol em campo.
No próprio milésimo gol, ele já usava seu palco para defender de onde veio e quem ainda está lá. Em 1969, ao marcar o gol eternizado na partida entre Santos e Vasco, ele dedicou o feito à infância marginalizada enfrentada pelas crianças brasileiras.
Mas sua qualidade e sua importância vão muito além dos campos. Uma referência histórica na luta antirracista, Pelé foi o principal defensor de que negros votassem em cadidatos negros, na época em que foi Ministro Extraordinário dos Esportes, em 1995.
Chamado de “gasolina”, “macaco”, “crioulo” e inúmeros outros nomes pejorativos, Pelé passou a vida inteira negando que sofria racismo. Mas os casos eram inegáveis. Na biografia “Pelé: estrela negra em campos verdes”, um ponto negativo de sua história foi descrito por Angélica Basthi como uma cobertura da revista O Cruzeiro.
“O repórter faz toda uma introdução de como as moças loiras brancas europeias se encantavam pelos jogadores negros. A reportagem traz o episódio de uma mãe e sua filha, que vê o Pelé e fala “mamãe, ele fala”. Ou seja, associa o corpo negro ao animal, que foi justamente por muito tempo o que justificou a escravidão negra no Brasil e no mundo”, escreveu.
A primeira vez que se pronunciou foi quando o goleiro Aranha sofreu um episódio de racismo, e reagiu. Na ocasião, Pelé afirmou que “se tivesse parado em todo jogo que sofresse racismo, teriam que ter interrompido todos os jogos que jogou na vida”.
Para Romário, ele é o negro que ganhou o mundo. Tendo jogado em quatro continentes, por times das Américas (Olaria, Vasco, Flamengo, Fluminense, América e Miami-FC), da Europa (PSV, Barcelona e Valência), da Ásia (Al-Sadd) e da Oceania (Adelaide United), o “baixinho” foi conhecido pelo mundo inteiro pelo seu talento.
Com a projeção que conquistou, nunca deixou de lembrar de onde veio: “Eu sou um negro mundial. Isso é muito legal. Fico muito feliz de falar sobre isso, porque é importante saber nossa história, quem a gente foi. Nossos ancestrais, a nossa origem".
O único continente onde não jogou foi a África, que afirma ser especial para ele de outra forma. Quando, ao fazer um teste de DNA, descobriu ter material genético mesclado de países e continentes diversos, comentou sobre a presença dos genes africanos.
“Me sentir representado, eu me sinto em todos. Mas é claro que a África tem uma coisa assim mais minha, né? Apesar disso, nunca tinha passado por mim a possibilidade de ter ascendentes dali", afirmou em entrevista ao Uol.
Hoje, senador pelo PL-RJ, Romário usa sua voz para comentar os casos de racismo no esporte, e lutar pela igualdade. “Enquanto não tomarem decisões mais drásticas para o banimento total das pessoas que praticam racismo, o futebol não vai melhorar. Já existe um movimento muito forte de combate, está acontecendo. Mas na minha opinião, ainda falta. As pessoas têm que ser presas", comentou.
Três vezes melhor do mundo, Ronaldo Fenômeno brilhou dentro dos campos aos olhos de todos os países, sendo campeão da Copa do Mundo em 2002. Em sua trajetória, os insultos racistas não falharam em marcar presença, sendo respondidos tanto no momento, quanto após.
Em 2005, a torcida do Real Madrid, time pelo qual jogava, gritava insultos pela cor de sua pele, e ele os respondeu lançando uma garrafa de plástico vazia na arquibancada. Mas por muitos anos, Ronaldo ainda seguiu em silêncio quanto ao racismo que sofria.
Foi depois de aposentado que começou a comentar sobre as situações, com declarações firmes e marcantes sobre o que sofreu, e o que tantos atletas sofrem ainda hoje.
“É difícil a percepção do racismo estrutural por aqueles que não sofrem. As pessoas não se reconhecem racistas, mas promovem a segregação, direta ou indiretamente, em nossos costumes. Quem nega o racismo é racista”, pontuou Ronaldo.
Em uma confusão, interna ou externa, sobre a própria identidade, Fenômeno chegou a se autodeclarar branco, afirmando, em 2005, que “todos os negros sofrem. Eu, que sou branco, sofro com a ignorância”.
Desde que se aposentou, Fenômeno comenta em suas redes sociais sobre os casos de racismo no mundo do esporte, se posicionando a favor da luta antirracista em toda oportunidade. “Lamentáveis e repugnantes os casos de discriminação racial no último final de semana, no Campeonato Italiano. A Liga deveria se posicionar com seriedade e rigor. No mínimo, com punições que abrangessem perda de pontos, portões fechados nos jogos seguintes e aplicação de multa”, comentou sobre um caso de racismo sofrido por Mario Balotelli, atacante do Brescia.
O auge da carreira de um jogador de futebol é a Copa do Mundo. Ainda assim, para alguns, o campeonato marca muito mais lutas do que glórias. É o caso de Garrincha, que na Copa de 1958, começou como reserva por puro preconceito.
Após o vice-campeonato brasileiro no Mundial de 1950, se popularizou uma opinião de que jogadores negros não tinham “condições emocionais” para jogar partidas relevantes. As frases de que pretos e pardos “amarelavam em jogos decisivos” eram frequentes, e levavam os times titulares a serem compostos por jogadores brancos.
Foi Garrincha um dos que, com resistência e futebol, alcançou a titularidade e foi campeão do mundo na primeira Copa brasileira.
Titular pelo Brasil em quatro Copas do Mundo consecutivas, Djalma Santos é uma estrela eternizada na Seleção Brasileira. Profissional entre 1948 e 1972, muito antes do espaço que, ainda que pouco, hoje é mais conquistado pela luta antirracista, foi ele quem disse que “negros valem tanto quanto brancos, talvez até mais”.
Em sua luta e resistência, Djalma afirmou que um dia os negros teriam representantes em Câmaras, Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional, quando isso ainda era uma realidade muito distante.
“Um dia, os negros hão de se unir e terão representantes seus nas Câmaras, nas Assembleias Legislativas, no Congresso Nacional. Aí então veremos”, comentou.
Além do preconceito, Djalma carregava orgulho pela cor de sua pele: “Sou um negro que gosta da raça (...). Os companheiros não passam sem as minhas ‘gozações’ e me chamam de ‘Negrão’. Mas esse ‘Negrão’ me soa tão bem que parece que eles estão me chamando de irmão”.
Eleito pela Fifa em 2000 como o melhor lateral-esquerdo de todos os tempos, Nilton Santos deixou seu nome em muito além do estádio do Botafogo no Rio de Janeiro. Integrante da Seleção Brasileira nas Copas de 1950, 1954, 1958 e 1962, foi bicampeão mundial pelo Brasil.
Nilton era conhecido como “enciclopédia do futebol”, pela sua inteligência e visão de jogo fora do comum. É justo dizer que ele revolucionou sua posição, que antes era apenas de defesa, e depois dele, passou a ter características de ataque.
Ele chegou, inclusive, a chamar a atenção do mundo inteiro quando, na Copa de 58, marcou um gol contra a Áustria, como lateral-esquerdo.