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Estadão
Publicado em 12 de agosto de 2024 às 10:09
Quanto vale uma medalha olímpica? O valor para quem a conquista, com certeza é inestimável. Contudo, nem todo atleta consegue mantê-la por conta da falta de investimento e incentivo ao esporte. É o caso de Adriana Araújo, primeira medalhista feminina de boxe brasileira nos Jogos Olímpicos de Londres-2012.
Ela se viu em um momento de fragilidade financeira e teve de colocar sua medalha para leilão. O dinheiro arrecadado seria utilizado para montar um restaurante na Bahia, como parte de um planejamento de sua aposentadoria dos ringues.
Segundo ela, o dinheiro nunca foi sua principal motivação, mas precisou usar a razão para tomar decisões difíceis ao longo de sua carreira. Por isso, tomou a iniciativa de leiloar sua medalha no memorial do esporte.
"Nesse momento tive de usar a razão. Estava com pouco dinheiro e vi na medalha uma oportunidade. Às 11h entrou em leilão. Logo às 16h já tinha um comprador. Vendi por R$ 150 mil. Não sabia se ficava feliz ou triste. Feliz pelo dinheiro, mas triste por ver a medalha indo embora, minha maior conquista", contou a ex-atleta de 42 anos.
O que a pugilista não esperava era que a sua medalha de bronze conquistada nos Jogos Olímpicos de Londres-2012, a primeira do boxe feminino brasileiro, retornaria às suas mãos. E o melhor de toda a história: os R$ 150 mil foram destinados a apoiar a ex-atleta na estruturação de uma academia de boxe, em São Paulo
Surpresa e novo momento
Após duas semanas, foi revelado que o verdadeiro comprador da medalha foi Alexandre Fonseca, CEO da Superbet Brasil, casa de apostas que decidiu, ao ver o caso da atleta, dar o maior lance no objeto e manter a baiana com a medalha e luvas nas mãos. "Ficamos sensibilizados que uma atleta de alto rendimento estava nessa situação. Por isso, queríamos ajudar nesse próximo passo e conseguir proporcionar uma aposentadoria mais tranquila para ela A partir disso, depois da revelação que fomos nós que arrematamos esse lance, sentamos para conversar e oferecemos a oportunidade da academia", diz Patrícia Prates, diretora de marketing da SuperBet Brasil.
Com o apoio financeiro e mentorias em gestão oferecidas pela empresa, a pugilista irá inaugurar em setembro o estúdio de boxe O espaço será dedicado a aulas, palestras e formação de novos atletas e celebra a oportunidade. Quanto à medalha, Araújo não esconde a felicidade de ter o objeto de volta em suas mãos. "Sempre fui muito apegada a ela. Vivi a alegria em Londres e agora que ela retornou, não estava acreditando. Foi como se eu tivesse vencido duas vezes. Quanto à academia, vejo uma oportunidade de retribuir ao esporte o tanto que tanto ele me deu. Não posso ser ingrata com esse esporte."
HISTÓRIA E DESAFIOS
Nascida em uma comunidade pobre de Salvador, Adriana Araújo trilhou um caminho de superação no esporte. Incentivada por uma amiga, entrou no mundo do boxe aos 18 anos, conciliando o esporte com o trabalho como agente de saúde. Sob a orientação do renomado treinador Luiz Dórea, Adriana rapidamente se destacou, quebrando barreiras e abrindo portas para o boxe feminino no Brasil.
Em Londres-2012, Adriana fez história ao se tornar a primeira brasileira a vencer uma luta de boxe feminino em Olimpíadas, conquistando a inédita medalha de bronze. A conquista, que representa um marco para o esporte nacional, foi celebrada como a centésima medalha brasileira nos Jogos Olímpicos.
Apesar das glórias, Adriana não esconde as dificuldades enfrentadas. Ela ainda ressalta que os atletas brasileiros em sua época e atualmente também permanecem a enfrentar desafios, mas que muitos atletas, principalmente as mulheres, vêm conquistando seu espaço.
"Hoje o boxe feminino, tem mais investimento. Muitos dirigentes eram contra e agora eles têm que investir por conta das conquistas. Apesar disso, hoje, ainda vejo muita tristeza quanto ao nosso cenário. Não temos o retorno que deveríamos ter. Imagine se a gente tivesse realmente apoio o quanto não poderíamos conquistar. É lamentável. Não serei a primeira nem a última a ter de passar por essa situação."
Recomeço nos ringues
Bronze em Londres-2012, sete vezes campeã Pan-Americana (2005, 2007, 2008 2009, 2010, 2011 e 2012) e ouro nos Jogos Sul-Americanos de 2010, na Colômbia, Adriana Araújo migrou do boxe olímpico para o profissional e, em março de 2020, no começo da pandemia de covid-19, alcançou o 5º lugar no ranking do Conselho Mundial de Boxe (WBC). A nova posição a credenciava para desafiar a então campeã mundial da categoria superleve (até 63,5 kg), a norte-americana Jessica McCaskill, mas as lutas acabaram suspensas em função da propagação e gravidade do vírus.
O título da WBC só foi disputado em outubro daquele ano, contra a inglesa Chantelle Cameron, e a baiana acabou derrotada por decisão unânime dos jurados. “Apesar de agradecida pela oportunidade, fiquei frustrada e muito chateada pelo curto tempo para me preparar. Eu sabia da oportunidade de me consagrar campeã, mas fui avisada 20 dias antes da luta para disputa do título e estava 12 kg acima do peso. Eu tinha que lutar, pelo compromisso, mas o corpo não correspondia”.
Adriana ficou quase dois anos sem entrar nos ringues e, em julho de 2022, anunciou a aposentadoria. “Como atleta, a gente nunca quer parar. Eu sabia que tinha condições de lutar, de fazer mais pelo meu esporte, estado e país, mas eu estava chateada com tudo. Tudo sempre foi muito difícil para mim e, naquele momento, eu tinha cansado de lutar. Precisava sair do estresse mental, mas nunca parei de verdade, sempre me mantive ativa”, admite.
A volta aconteceu no último dia 14, quando enfrentou a canadense Melinda Watpool, em Pickering, no Canadá, pela categoria médio (até 72 kg), três acima da sua divisão original. Perdeu por pontos, mas comemorou a consequência pós-combate.
“Fiquei três anos e meio sem lutar, estava sem ritmo. Fui mais na experiência e na coragem, pela oportunidade de aparecer novamente no cenário internacional, para ter a chance de disputar novos títulos. Eu tô muito satisfeita com essa luta, porque eu agora estou em 4º lugar na colocação pelo WBC, o que me dá uma nova oportunidade para disputar um título”, projeta.
Com as luvas ou as panelas, Adriana Araújo não tem medo de recomeçar. “Tudo é oportunidade e a gente tem que estar pronta”. Se você é colecionador, siga o conselho dela e agarre a chance no leilão também.
* Colaborou Brenda Viana.