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Marina Branco
Publicado em 9 de dezembro de 2024 às 15:21
Quem foi à Basílica Santuário Senhor do Bonfim no primeiro dia em que o Bahia amanheceu na Libertadores encontrou um homem com a camisa tricolor e lágrimas nos olhos, gritando pela América. “É o campeão dos campeões, é o que carrega a multidão! Agora é pelas Américas, vamos para as Américas”, comemorava Ronaldo de Carvalho, há quase 50 anos torcedor do Esquadrão.
No domingo (8), após o jogo que assegurou o retorno ao torneio internacional após 35 anos, Ronaldo voltou para casa cedo. Pulou as festas de comemoração e foi descansar, se preparando para cumprir com uma parte essencial da classificação: a gratidão. Pela manhã desta segunda-feira (9), bem cedinho, chegou beijando as escadarias da igreja, cumprindo a tarefa que seu pai deixou.
“O Bahia é a minha vida, o Bahia é meu pai. Quando ele me botou para torcer pelo Bahia, eu tinha 7 anos de idade. Perdi ele, perdi minha mãe. Mas eu cumpri o objetivo - 'vumbora' meu Bahia”, dizia, emocionado.
Ele uniu seus pedidos aos de milhares de tricolores, prometendo carregar uma bandeira do time, a pé, da Conceição da Praia à Igreja do Bonfim no dia de seu aniversário. Cada um com sua promessa, cada um ao seu jeito, mas todos encontrando sua fé no esporte e no Bahia.
Porque, de fé, o Bahia precisou. Desde a última Libertadores disputada, em 1989, o caminho foi árduo, com altos e baixos que pareciam intermináveis. Rebaixamento para a Série B, volta à primeira divisão, mais uma queda - que veio acompanhada de dois anos na Série C -, retorno à elite, vaga na Sul-Americana, outra queda à Segundona... E, agora, o esperado reencontro com a Libertadores da América. O primeiro brasileiro a disputar o campeonato continental volta ao lugar onde sempre pertenceu.
Em meio a tantas oscilações, uma coisa jamais mudou: a torcida tricolor. A tal "torcida que ganha jogo" provou que, dia após dia, os jogos dão lugar aos acessos, aos títulos e aos sonhos realizados com a fé e o apoio de quem ama o Bahia.
Assistindo à partida na televisão do vizinho - já que não tinha acesso, em sua casa, ao canal da transmissão -, Dona Rosineide Bispo pediu a Deus, de joelhos, que ajudasse o Esquadrão. E Ele ajudou.
“Ontem [domingo], eu tive uma resposta positiva do meu time, o que mostra que Deus escuta minhas orações, meus pedidos, como sempre escutou. Onde tem Bahia, Deus me protege. Quando era pequena, minha irmã trocava camisas do Bahia comigo, e parou de usar por medo da violência. Eu não. Faço valer minha blusa. Peço a Deus que me proteja e uso meu Bahia com orgulho”, falava Rosi enquanto abraçava sua camisa de fitinhas do Senhor do Bonfim.
“É um time que eu escolhi por amor e por dedicação. Pode até terminar um dia, acabar, não existir mais o time, mas vai existir uma torcedora”, prometeu.
Mas pedir nunca foi suficiente. Entre as promessas feitas e cumpridas com dedicação pura, sempre está a ação, que mostra, em cores vivas, o quanto o Bahia pode contar com sua torcida.
Não foi um ano fácil. Na segunda metade do Brasileirão, os laços foram estremecidos por resultados ruins e dividiram a massa tricolor entre os que se revoltavam e os que, apesar da má fase, nunca deixaram de acreditar.
Esses que escolheram o Bahia, mesmo quando não era uma missão tão simples, hoje agradecem felizes por não terem desistido. E veem no seu time quem eles são.
“O Bahia me representa pela fé, pela determinação, por não desistir. Isso tudo faz com que a gente seja torcedor do Bahia, e saiba que o resultado vem da energia da torcida. Quando eles entraram na Fonte Nova, andando no meio do povo, a gente tinha certeza que isso ia fazer a diferença”, afirmou Valdemar Júnior. Desde o triunfo sobre o Atlético-MG no ano passado, que assegurou a permanência na primeira divisão, ele cumpre todos os meses a promessa de doar uma cesta básica.
Quem também nunca desistiu foi Eikon Santana, que, ainda novo, tem memórias de uma vida inteira com o Bahia. Aos 16 anos, ele sempre fez questão de estar no estádio gritando e vibrando pelo time.
“Eu percebi que era Bahia para sempre na Copa do Nordeste, em 2017, no jogo contra o Sport. Eu ainda era novo, estava começando a entender o que era Bahia e, pelo que eu senti, eu percebi. Eu sou Bahia de verdade, de coração, de alma. Minha alma ama o Bahia”, comentou. Desde então, não deixa de ir à Fonte Nova e, após a alegria, à Igreja do Senhor do Bonfim, agradecer.
É assim que, a cada dificuldade, alívio e agradecimento, a torcida não desiste do Bahia, e o Bahia não desiste da torcida. Nas palavras de Eikon, “quem é Bahia de verdade não desiste nunca. O Bahia é a vida, é um sentimento e, a cada ano que passa, bom ou ruim, fica mais marcado na alma e no coração”.
Nesta segunda-feira (9), a Bahia acordou com suas cores espalhadas pela América. E se, ao longo de toda a campanha até o jogo, a grande frase foi “dessa vez é pelas Américas”, a prova que fica é de que, pelo menos dentro do estádio, não foi. Dessa vez, em todas as vezes que passaram e em todas as que ainda virão, foi pelo torcedor que acredita, chora, grita e pulsa em vermelho, azul e branco.