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Maryanna Nascimento
Publicado em 24 de fevereiro de 2017 às 07:38
- Atualizado há 2 anos
É de se esperar que uma música em que o refrão começa com ‘Eu vou atrás do trio elétrico, vou’ tenha sido composta por um folião fervoroso. No caso de Baianidade Nagô, canção de Evandro Rodrigues, 46 anos, não é bem assim. O hit de 1992, sucesso com a Banda Mel, foi feito por um jovem tímido de 20 anos num quartinho na Vila Naval da Barragem, Paripe. Baianidade Nagô foi eleita pelos leitores do CORREIO como a segunda melhor música do Carnaval de Salvador nos últimos 30 anos.
Segundo Rodrigues, ele nunca foi muito de farra, mas o Carnaval o inspira. “Eu sou aquele folião espectador e preciso me alimentar dessa loucura”, diz. Loucura era também o que o seu pai, Erivan Paula Rodrigues, militar aposentado, achava na época sobre a festa e a ideia do filho de fazer carreira com música. Mas isso não freou o rapaz que estava no terceiro ano de Contabilidade na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), até porque a sua mãe, Maria das Graças, e sua avó, Natália Lessa, o apoiaram desde a compra do primeiro violão.
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Certo dia, Evandro voltava da rua e a melodia de Baianidade Nagô surgiu. Ele correu para a casa e gravou a inspiração em uma fita cassete. Depois disso, “elaborei a letra com calma, devagarinho”, lembra. A gravação, que traz no título a ideia da baianidade junto à influência africana, saiu de Paripe diretamente para o escritório da Banda Mel, que na época ficava na Barra. Essa escolha do compositor se deu porque ele considerava a música “a cara da banda”. Evandro Rodrigues compôs música quando ainda estava na universidade(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)Jailton Dantas era o diretor musical da banda e o responsável pela escolha do repertório. “Ele estava saindo quando eu entrei no escritório, mas eu não sabia que era ele quem gravava os discos”, conta. A secretária sugeriu que o compositor voltasse depois, mas ele preferiu deixar a fita no local e depois de uma semana decidiu ligar para saber o que acharam. “Obrigada pela música, será nosso carro-chefe. Não mostro mais pra ninguém”, falava do outro lado da linha Dantas.
Depois disso, a fantasia de Evandro se realizou. No final da década de 90, ele sonhava junto à namorada - que hoje é esposa, que a música um dia seria famosa. Deu certo. A canção foi lançada no São Raimundo, um estacionamento próximo à Lapa, e agradou aos foliões. O sucesso foi concretizado também com a gravação de Daniela Mercury.
O pai, que até então não aprovava a decisão do Evandro, mudou de ideia quando viu que a música estava na boca do povo. “Ele não acreditava, mas quando estourou, ele foi o primeiro a dizer: ‘Essa é a música do meu menino’”, lembra com graça Rodrigues.
Voz no sonho Sucesso com a Banda Mel, Baianidade Nagô foi cantada por Robson Moraes e Márcia Short no Carnaval de 1992 - quando os foliões ainda iam pra rua com mortalha e mamãe sacode. “Robson colocou voz no meu sonho. A Banda Mel não me conhecia e valorizou a música”, se emociona Evandro. A canção foi eleita a música do Carnaval de 92 pelo Troféu Dodô e Osmar. Baianidade Nagô foi gravada pela primeira vez pela Bamda Mel(Foto: Arquivo)A música surgiu no momento certo, lembra Robson Moraes. “A gente precisava de canções para baixar a poeira e a gente conseguiu”, diz. O “baixar a poeira” a que ele se refere é a linha samba reggae romântica na qual a composição se encaixou.
"Foi essa linha muito bem arranjada com sopro e metais que deu esse up na música. Isso era muito novo e bonito e se adequava à festa”, completa Moraes.
Márcia Short concorda com Robson e acrescenta que a canção chegou “para falar de amor”. “A Banda Mel fez essa repaginada no cenário e começou a falar de amor com propriedade”, diz. Na opinião da cantora, a música acabou selando muitas uniões. “Muita gente fala que dançou muito com a gente”, afirma. Recentemente, ela foi convidada para cantar no aniversário de 25 anos de união de um casal, porque Baianidade Nagô foi a trilha do romance deles.
Bahia e África O título da música não é à toa. “Baianidade é o nosso jeito baiano de ser e o nagô eu quis remeter a toda a nossa influência africana, negra”, diz Evandro. Segundo o historiador Rafael Dantas, na origem a expressão é uma tentativa de aproximar a história da Bahia, que recebeu muitos escravos negros, com a África.
Evandro, mesmo tendo nascido no Rio, acredita que a baianidade nagô está em tudo, desde a forma de falar até o jeito de ser, a comida e a dança do baiano. No ano seguinte ao grande hit, a Banda Mel gravou Veraneio. Depois, as canções de Evandro foram gravadas por Netinho (Por Teu Beijo), Ricardo Chaves (Horizonte) e Márcia Freire (Poemas de Amor, parceria com Ilo Gomes).
Tanto tempo depois, Evandro mantém-se discreto e não faz questão de forçar amizades. “Prefiro a minha simplicidade, deixa a música fala por mim”, diz. Ainda assim, entre os seus planos está ver Bell Marques e Daniela Mercury gravando uma música dele.