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"Vim ao mundo só para me divertir", diz Edy Star

Documentário sobre o baiano mostra o talento plural e a energia anárquica do artista que foi parceiro de Raulzito

  • Foto do(a) author(a) Doris Miranda
  • Doris Miranda

Publicado em 16 de dezembro de 2024 às 03:00

Baiano de Juazeiro, Edy Star tem 86 anos
Baiano de Juazeiro, Edy Star tem 86 anos Crédito: divulgação

Edy Star tem uma energia anárquica só dele. Aos 86 anos, o artista é uma figura difícil de definir - é complexo, é completo, é estranho, é mitológico. Quando questionado sobre sua contribuição para as artes brasileiras, é modesto. Diz que não fez, que não é tudo isso, que não merece. Mas Edy não só merece, como está sendo homenageado agora, em vida, com o documentário Antes Que me Esqueçam, Meu Nome é Edy Star, em cartaz em Salvador.

Assim como qualquer texto sobre ele, o documentário nasce com uma missão complicada: definir quem é Edy Star. Obviamente, um bom ponto de partida é falar sobre seu envolvimento no disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10, com Raul Seixas, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada - hoje, é o único vivo dentre eles. Ou, ainda, falar sobre seu primeiro disco, Sweet Edy, um marco no rock alternativo do Brasil e que, depois de todo o sucesso, abriu um hiato de 40 anos.

Dá também para ser mais pragmático. Dizer que seu nome é Edivaldo Souza, que nasceu em Juazeiro, na Bahia, que é um artista que gosta de ser indefinível - é rock, é pop, é MPB, é cabaré. Isso é o bastante para definir Edy? Nem de perto. Mas o documentário, ao menos, tenta.

Edy diz que só foi saber do documentário aos 45 do segundo tempo, quando já estava quase pronto. Fernando Moraes, o diretor baiano por trás do longa, entrou em contato e falou que já estava produzindo tudo, perguntando só depois se Edy queria participar. “Curiosamente, ainda descobrimos no meio do processo que o Fernando é meu primo”, exclama Edy, numa reviravolta típica de sua mística. “Coisa de família, né?”.

Fato é que Edy não tinha muito interesse em ter um filme sobre sua vida e história - é o que diz, apesar de Zeca Baleiro chamar isso de “falsa modéstia”. “Fazer filme sobre mim nunca foi desejo meu. Não sou alguém que busca esse tipo de glória. Documentário, livro, essas coisas”, afirma Edy, que também terá uma biografia lançada em 2025. “Eu estou aqui para me divertir. Vim ao mundo só para isso e eu continuo me divertindo”.

Hiato de 40 anos

Apesar do distanciamento que Edy tenta adotar nas comemorações, vale dizer que esse é um respiro agradável frente aos últimos anos. Após morar em Madri por cerca de 20 anos, ele voltou ao Brasil em 2009 para se apresentar na Virada Cultural de São Paulo. O show foi um sucesso retumbante no palco dedicado a Raul Seixas e Edy voltou a ser citado, lembrado, celebrado. Nos anos seguintes, relançou o álbum de estreia e quebrou o hiato de quatro décadas e lançou seu segundo álbum de estúdio, Cabaré Star.

Mas, confessa que nos últimos anos a situação ficou complicada. Diminuíram as propostas de shows e ainda enfrentou um câncer sozinho: “Olha, está muito difícil encontrar espaço para artistas como eu. Hoje em dia, existem ‘caixinhas’, sabe? Mas continuo aqui, firme, mostrando que ainda estou presente”.

Aos poucos, Edy vai dando mostras que ser lembrado é bom e se emociona ao falar de como Caetano cita com carinho da amizade dos dois. “É estranho ver as pessoas me elogiando. É algo que sempre me deixou meio desconfortável. Você vê, por exemplo, o Caetano, meu amigo desde 1959, falando sobre mim. Conheci ele antes mesmo dele gravar qualquer coisa, ainda trabalhando na Petrobras em Santo Amaro. E, de repente, vejo ele falando bem de mim no filme. É estranho. Não faço nada para agradar ninguém”.

Edy sempre foi alguém que trabalhou para provocar, instigar, questionar. “Ele cumpre uma função no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 junto com o Ney [Matogrosso]. Mas foram coisas diferentes: Ney nunca levantou bandeira com a causa gay, fez isso com a arte. Já o Edy era mais punk, mais provocador. Saía na porrada com gente homofóbica. Tem um pé no rock, no cabaré. Ele é uma enciclopédia, um cara muito teatral”, resume Zeca Baleiro, que assume a produção do segundo álbum do artista.

Com chutes e pontapés, Edy se firmou. Fez teatro, fez arte, fez música. Inventa histórias, diminui o impacto de outras. Mas ama o que faz e ama ser quem é, a partir dessa mistura toda. “Muita gente diz que sou agressivo, mas não é isso. Gosto das coisas no lugar certo, sem enrolação”.

No mar

Aos 86 anos, Star já pensa na morte - e não liga muito para o que vai acontecer com seu trabalho. “A morte é inevitável, faz parte do ciclo da vida. Só quero que a morte venha tranquila, na hora certa”, diz o baiano. E ainda completa: “Sobre a posteridade, essas coisas... Olha, enquanto eu estiver aqui, quero respeito e reconhecimento. Mas depois que eu for, não me importa o que façam. Podem descartar meu trabalho, jogar no mar. Não tô mais aqui mesmo”.

Enquanto isso, Edy Star não pensa em uma reviravolta, em um resgate, nada disso. Mas continua trabalhando: lançou um novo disco no ano passado com músicas de Sérgio Sampaio e está preparando um novo material com Maria Alcina. “Quero fazer minha arte, minha música. Enquanto puder, e tiver pelo menos uma pessoa para ouvir, estou feliz”, arremata.

Em cartaz na Saladearte Cinemam