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"Nunca me empenhei para construir uma trajetória na televisão", disse atriz
Roberto Midlej
Publicado em 7 de agosto de 2016 às 12:37
- Atualizado há 2 anos
Ela mesma já chegou a costurar a própria mortalha, quando desejava morrer. Mas, desde a volta do neto Martim, Encarnação continua vivinha em Velho Chico. E, segundo um dos autores, Bruno Luperi, a matriarca dos Sá Ribeiro não vai descansar enquanto não conseguir garantir o futuro da família: “Há muito tempo, ela espera a morte a carregar. Muito embora sua vontade seja essa, a vida parece que tem outros planos”.
Mas a personagem certamente não teria a mesma força se não fosse a atuação brilhante de Selma Egrei, 67 anos, que não ganhava um papel importante na TV há décadas. A iniciativa de convidá-la partiu do diretor Luiz Fernando Carvalho, com quem Selma já havia trabalhado em 1988, na novela Carmem, na Manchete.Encarnação, personagem de Selma Egrei, nas duas fases de 'Velho Chico'. Com cem anos, ela luta para a família não se esfacelar (Foto: Divulgação/TV Globo)Selma destaca que se preparou intensamente para viver o papel de uma mulher que hoje tem 100 anos, 33 a mais que a atriz. “Me dediquei dois meses até começar as gravações. Fiz muita preparação corporal e realizamos pesquisas... E Encarnação foi nascendo com aquilo que eu criava e com o que os autores e Luiz Fernando queriam”.Selma define sua personagem como uma mulher forte, que é a base da família. “É essa força dela que mantém a família unida, embora agora esteja se esfacelando. Na primeira fase, Encarnação era muito mais agressiva. Agora, está mais abrandada, por obter uma doçura de alguém com uma idade mais avançada. Hoje, aparece o remorso nela, que não tinha antes”, diz a atriz.Até quando está diante de seu maior inimigo, Carlos Eduardo (Marcelo Serrado), Encarnação, segundo Selma, raramente perde o controle: “Ela quer eliminá-lo, mas tem certo humor, que não tinha na primeira fase, quando tinha uma agressividade mais direta. Agora, opta pela ironia para atingi-lo”.CaricaturaQuando soube que ia interpretar uma mulher de 100 anos, Selma ficou um pouco assustada, mas logo se impôs uma meta: não transformar a Encarnação da segunda fase numa caricatura: “Não queria que ela parecesse uma vovó de teatro infantil. Comecei a interiorizar como seria ela mais velha, pensei na sua postura, na voz... Foi um trabalho intuitivo, mas também de técnica, quando pensava, por exemplo, na postura dela, com um certo problema na coluna”.Com direção de Selton Mello, a atriz participou da sérieSessão de Terapia, no Canal GNT(Foto: Divulgação)Para envelhecer 33 anos, a atriz todos os dias passa meia hora para fazer a maquiagem e mais meia hora para tirá-la. O cuidado é maior quando se desfaz da caracterização. “É preciso um certo cuidado, se não machuca a pele, então demora para tirar. Antes, usava uma prótese que era muito pesada, mas Rubinho (Rubens Libório), chefe da maquiagem, descobriu outros produtos melhores”, revela.Selma tem uma opinião firme sobre a maioria das novelas, como já declarou, há cerca de três anos, ao blog do crítico teatral Dirceu Alves Jr.: “Estudei na Escola de Arte Dramática (EAD) entre 1970 e 1972. Tinha um terrível preconceito contra a televisão. Nunca me empenhei para construir uma trajetória na televisão”, disse.Mas a atriz reconhece as qualidades de Velho Chico: “A novela tem uma trama muito forte e toca em assuntos fundamentais, como a questão ambiental, o coronelismo e a escravidão rural. Ajuda, principalmente, as pessoas a tomar consciência de que precisamos mudar. A novela fala de forma muito bonita sobre o sofrimento da natureza e do povo e de como poderia ser diferente”.CinemaNos anos 70, ela atuou no cinema que ficou conhecido como Boca do Lixo. Os filmes produzidos na região do centro de São Paulo ficaram famosos pelo seu apelo erótico. Selma chegou a fazer alguns deles, com cineastas de segunda linha, como John Doo, que a dirigiu em Ninfas Diabólicas (1978), e J. Marreco, em Emanuelle Tropical (1977). Mas a atriz prefere não falar sobre esses trabalhos: “Acho que já passou tanto tempo. Ficou no passado e hoje não tem sentido falar sobre eles”.Selma Egrei no filme Os Embalos de Ipanema, de 1978. Dirigida por Antonio Calmon, a pornochanchada é ambientada no Rio (Foto: Divulgação)Mas faz questão de falar sobre Walter Hugo Khouri (1929- 2003), outro cineasta com quem trabalhou: “Assim como Myriam Muniz e Antonio Abujamra foram meus mestres no teatro, ele foi meu mestre no cinema. Ele não trabalhava apenas com o texto, mas com uma ideia à medida que filmava. Chegava com uma folha escrita, onde estavam as intenções do personagem, me botava numa sala, conversava comigo e me deixava concentrando. Nas filmagens, ficava o tempo todo ao lado da câmera. Nisso, Luiz Fernando Carvalho me lembra muito ele” .
Sobre o futurol, Selma não traça planos. “Estou começando a trabalhar num curta e não há mais nada de imediato”. Antes de Velho Chico, a atriz estava se dedicando ao teatro. Havia encerrado uma temporada de Hamlet. O destino de Encarnação é, para ela, outra incógnita: “Novela é obra aberta e vai mudando. Era para ela ter morrido a está vivíssima”.