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'Sou muito feliz como escritor': Lázaro Ramos ainda mais pessoal e questionador em Na Nossa Pele

Novo livro mescla o autobiográfico e o analítico para dar continuidade ao debate iniciado em Na Minha Pele

  • Foto do(a) author(a) Luiza Gonçalves
  • Luiza Gonçalves

Publicado em 25 de março de 2025 às 09:13

'Sou muito feliz como escritor': Lázaro Ramos ainda mais pessoal e questionador em Na Nossa Pele
'Sou muito feliz como escritor': Lázaro Ramos ainda mais pessoal e questionador em Na Nossa Pele Crédito: Divulgação/Marco Peixoto

Lázaro Ramos já está acostumado. Toda vez que vem a Salvador para algum evento, ele encontra com um conhecido aleatório (e inesperado) dos anos de anonimato. Na entrevista com os veículos de imprensa, realizada na última sexta-feira (21), para divulgar seu novo livro Na Nossa Pele - Continuando a Conversa (Objetiva / R$ 70 / 128 páginas), não foi diferente. O câmera de uma das emissoras presentes revelou-se um ex-colega de escola e filho de uma conhecida, fato que despertou um sorriso sincero no ator, ex-integrante do Bando de Teatro Olodum.

É esse riso espontâneo, o olho no olho e a abertura na escrita que faz com que a gente sinta como se estivesse atualizando o papo com um velho conhecido. E, ao mesmo tempo, sendo impulsionado a refletir sobre questões de relevância individual e coletiva. Confiante do seu lugar de fala, Lázaro mesclando o autobiográfico e o analítico para dar continuidade ao debate racial iniciado há oito anos com Na Minha Pele (Objetiva). Leia a seguir a entrevista com o jornal CORREIO: 

Como é se enxergar como um escritor?

Isso é uma conquista para mim, porque nos primeiros livros eu sempre dizia assim: ‘Ah, eu sou um ator que escreve’. Mas eu já escrevo desde os 15 anos. No começo, não achava que o que escrevia ia interessar, por isso, não mostrava. Aí, teve uma época que eu voltei para Salvador desempregado, tinha escrito uma peça de teatro infantil e mostrei para os amigos do Vila Velha. Foi a primeira vez que alguém leu um texto meu e me elogiou. Isso foi libertador. Disse a mim mesmo: ‘Acho que também posso me comunicar com o mundo nesse lugar’. E hoje eu tô aqui assumindo: sou escritor, sou muito feliz como escritor e me contempla muito me comunicar com as pessoas através de livros.

Como foi a construção desta linguagem que parece uma conversa com o leitor?

A primeira versão do Na Minha Pele era bem pretensiosa. Era bem analítico de dados do IPEA, como se eu fosse um estatístico cheio de termos empolados [risos]. Ao longo de 10 anos, entendi que eu tinha que colocar um pouquinho da minha experiência no mundo. E as linguagens não dialogavam. Aí, cheguei para a Daniela Duarte, que é a editora dos dois livros, e falei: ‘Dani, tá vindo um outro jeito de escrever que eu tô achando mais legal’. Aí ela falou: ‘Lázaro, assuma a sua voz, a sua voz é assim’. E, realmente, eu sou assim, incisivo, emotivo, bem-humorado... E no meio de uma conversa, passo por todos esses tons. Então, foi uma investigação no meu jeito de comunicar. E tem muita reescrita, porque no geral, meu primeiro texto é aquela coisa, vem muito técnico com pouca emoção. E aí eu fico reescrevendo, reescrevendo, jogando fora, mudando de ordem. Hoje em dia eu consigo me divertir - no primeiro livro foi um pouco sofrido.

Alguém lê seus livros antes de serem lançados? Como você recebe os feedbacks?

Todos os meus livros tem muitos leitores antes. Para os infantis tem uma coisa muito legal que a editora Pallas começou a fazer, que é mandar sempre para uma escola pública e uma particular, sem meu nome e sem ilustração. As crianças leem e fazem trabalhos, devolvem e aí eu reescrevo o livro. Já com o adulto, mando capítulos para algumas pessoas. Eu mando um, vejo a reação, aí a pessoa fala uma coisa, reescrevo e mando para outra. É sempre através do diálogo e eu aprendi também a não sofrer com a crítica.

Há uma continuidade entre Na Minha Pele e Na Nossa Pele?

Eu acho que tem novos assuntos: falar sobre saúde, física e mental é uma novidade; me aprofundar na conversa sobre minha mãe, que eu falava pouco no primeiro livro; falar sobre o poder da arte nas nossas vidas. Esse livro vem da pandemia, com as pessoas falando que, para resistir a esses tempos duros, estavam consumindo arte. Eu comecei a mapear as práticas das artes que podiam servir para qualquer pessoa, em qualquer profissão. E assim ele se conecta com história demminha mãe, que estudava e fazia teatro à noite. E isso fazia ela muito feliz, expandia o mundo dela.

No livro vemos mais a dona Célia, sua mãe. Agora, depois de ter exposto a relação de vocês, como se sente?

Não faço a menor ideia. Você está falando comigo no olho do furacão. O livro saiu agora, algumas pessoas da imprensa leram, falaram algumas coisas, ficaram emocionadas. Já teve gente que veio me entrevistar chorando, o que me assustou um pouco. No lançamento em São Paulo, algumas pessoas chegavam e de forma muito intensa me contavam suas vidas. Teve uma senhora que me abraçou uns dois minutos e ela contou coisas, falou sobre violência doméstica, se sentindo num lugar confortável de conversar. Então, tá tudo muito novo para mim. Eu tenho um receio da exposição que é para mim, mas eu tô entendendo que o diálogo desse livro pode ser útil para o leitor, sabe? Tô nessa expectativa do caminho da cura, mas não sei como é que vou estar semana que vem. Talvez, aumente as sessões de terapia [risos].

No livro, você traz provocações acerca do identitarismo. Queria saber sua visão em relação às atuais críticas acerca dessa questão?

São as novas estratégias para silenciar o tema, né? São estratégias agora que estão envolvidas também com o poder econômico, a gente não pode esquecer isso. Tem dinheiro sendo investido nisso, tentando criar teses e tentando desqualificar uma questão que é importante para todos. Eu falo disso no livro, mas tentando desmembrar de onde é que isso surge. Surge porque está mexendo com a sociedade, porque está tirando pessoas de lugares que pareciam que eram de direito. No entanto, um monte de gente ficava para trás, sem acesso a água, comida, luz, educação, sem conseguir desenvolver seus talentos. Um projeto de nação de qualidade é um projeto que inclui a todos. Se a gente conseguir não tentar silenciar as pessoas e conversar sobre isso fora dos momentos de crise, acho que conseguiremos criar algo. Mas temos que continuar falando, não tem jeito.

Um outro tópico presente é o embate entre a violência e o amor.

É sempre essa dualidade nas nossas vidas. Quantas vezes a gente é incisivo para resolver o problema? Ou como não se afetar com o ódio disseminado e continuar oferecendo amor em suas várias formas? Eu fiz o Martin Luther King no teatro e ele falava muito sobre esse amor ativo, um amor que dá limite. Já Malcolm X usava outra estratégia [mais combativa]. Martin fala na biografia dele que só foi possível porque tinha o Malcom X. Olha como as coisas não são simples. Por isso que tento dar a dimensão da complexidade de identificar qual é a melhor estratégia para agir no mundo.

No livro, tem uma fala de sua avó Edith que diz que “o primeiro passo é ter vergonha na cara”. O que é que você não teve vergonha na cara para fazer?

Vir morar na Bahia. Só que ainda não tive forças para convencer a família toda para vir para cá na tora [risos].