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Gabriela Cruz
Publicado em 13 de abril de 2025 às 09:12
No domingo (6), Moniele Souza, 19 anos, teve uma rotina aparentemente normal: acordou, foi para o trabalho no supermercado onde trabalha como caixa, em São Paulo; teve sua paciência provada por uma cliente na hora de passar troco e quase se irritou, mas, naquele dia, ela tinha um ingresso e um sonho. Em poucas horas, após o expediente, ela estaria no estádio Morumbis para assistir ao seu primeiro show de kpop e fazer parte do recorde de público da turnê DominAte do grupo sul-coreano Stray Kids. Os artistas realizaram três apresentações - uma no Engenhão, no Rio de Janeiro, e duas em São Paulo, somando aproximadamente 175 mil fãs (de acordo com a Billboard).
A cada hora, o coração de Moniele batia um pouco mais acelerado. Depois do trabalho, ela, que mora em Cotia, enfrentou uma longa jornada para chegar ao estádio. Nem o frio daquela noite desanimou a garota, que é natural do Piauí e passou a morar em São Paulo para estudar e trabalhar. Sua conexão com o kpop foi a partir do grupo BTS e somente poucos dias antes do show do Stray Kids, resolveu comprar o ingresso de arquibancada, pelo qual pagou R$ 560.
Não demorou muito para começar a apresentação e lá estava ela cantando, gritando e se emocionando como uma verdadeira stay (nome do fandom do grupo). “Eu comecei a trabalhar e estava guardando dinheiro para o show do BTS, mas quando o Stray Kids pisou no Brasil me deu uma vontade de ir para o show. Foi incrível. Eu amei o show e a energia do grupo. O mais emocionante para mim foi ver como eles estavam se sentindo bem. Isso é incrível, um artista vir pra cá e ser tão acolhido”, comentou Moniele, que também vibrou por adquirir no show o seu primeiro photocard do grupo, que levou para iniciar sua coleção.
Os fãs de kpop têm demonstrado que vale qualquer esforço para chegar mais perto dos ídolos. Muitos acamparam vários dias em torno dos locais do shows para garantir lugar na fila; outros pagaram mais caro para entrar nos estádios mais cedo e acompanhar as passagens de som (soundcheck) e ver os membros do Stray Kids de perto, mas o fato é que, independente de setor, idade, classe social e estado de origem, todos formaram uma só comunidade, ou melhor, um só fandom - como é chamado o conjunto de admiradores de um grupo.
No caso do Stray Kids, o nome do fandom é Stay e estava lá para demonstrar amor ao grupo, cantar todas as músicas a plenos pulmões e se surpreender com a super produção, com luzes, fogos, efeitos especiais, cenografia e direção de palco e de arte, que dava a impressão de estar vendo um MV (vídeo music), só que desta vez ao vivo, com os artistas cantando e dançando no palco.
Na plateia, as stays também cadenciavam movimentos com suas lightsticks reagindo às emoções do momento, em um show de luzes, que será difícil de esquecer. Mas o que, afinal, torna um show de kpop tão apoteótico e inesquecível? Além de toda produção e profissionalismo, muitas pessoas descobriram seus grupos preferidos durante a pandemia. Juntamente com os doramas, as músicas, os vídeos com o dia a dia dos membros, as lives e a presença dos idols nas redes sociais foram um conforto para muita gente.
Os grupos ganharam relevância e a conexão com seus fandons tornou-se algo como uma verdadeira amizade, na qual um protege o outro. Tanto que cada fandom tem um nome especifico, que é sempre citação pelos artistas. Para muitas pessoas, o show do Stray Kids foi o primeiro de Kpop e já existe uma lista de outros grupos a caminho para atender aos pedidos “came to Brazil”, que os fãs fazem em lives.
“Estar no show do Stray Kids para mim, no Rio, foi uma das experiências mais emocionantes que eu já vivi na minha vida. Desde o início, a atmosfera era mágica. Era uma mistura de nervosismo com alegria e muita expectativa, porque sim foi o meu primeiro show de K-pop, apesar de gostar de outros grupos”, comenta a advogada Samara Matos, 36, que assistiu ao show no Rio de Janeiro, com as amigas Eliane Rocha, 35, e Aline Melissa, 45, com quem divide a administração da página KComigo dedicada à cultura pop coreana.
Para Samara nada que tenha visto ou pesquisado foi o suficiente para prepará-la para tudo o que viveu no show. “Um dos momentos mais marcantes foi ver os efeitos visuais em tempo real nos telões, parecia que a gente estava vendo um videoclipe super produzido. Dá até um nó na garganta, porque eles se importam de trazer algo de tanta qualidade para os fãs. A gente se olhava e dizia: meu Deus, isso está acontecendo de verdade?”, enfatiza. Outro aspecto que surpreendeu a baiana foi a diversidade do público, incluindo famílias e pais acompanhando seus filhos, que são apaixonados pelo grupo, além de pessoas de várias idades e fãs de outros países. “Foi lindo de ver; foi muito gostoso de sentir, era como se aquele estádio tivesse virado um só coração”, frisa.
Enquanto no palco, os membros do Stray Kids cantavam, dançaram e se esforçavam para dizer algumas palavras em português em retribuição ao amor do público, outra fã que se emocionava a cada instante era a administradora Eliane Rocha, de Brasília. “O Stray Kids entregou performances impecáveis. O gigante saindo do palco, um carro surgindo, todas as músicas tinham fogos, confete. Foram três horas e meia de puro espetáculo. Foi arrebatador e tenho certeza que ficou gravado na história do Stray Kids e ficará marcada na memória de todas as pessoas que foram aos shows”, comenta.
Já para a historiadora e professora carioca Aline Melissa, a experiência foi ainda mais especial, porque não só acompanhou a apresentação desde o soundcheck como realizou o sonho das duas filhas adolescentes de verem os idols de perto. “A primeira coisa que eu quero falar é sobre a organização desde a fila. A gente chegou cedo, por volta das 10h30, e toda a espera pela passagem de som foi dentro do estádio em lugar coberto, com acesso ao banheiro e até refeição e distribuição de água gratuitamente o tempo todo, e ainda tinham funcionários borrifando água vaporizada para refrescar as pessoas por conta do calor”, frisa.
Outra boa surpresa para Aline foi conferir de perto a personalidade e o carisma da banda. “Ver aquelas mesmas pessoas engraçadas dos vídeos ali ao vivo foi inexplicável para mim. Eu tinha muita curiosidade de conhecer o líder BangChan, por conta de tudo o que eu ouvia sobre o caráter e a sensibilidade dele e eu pude ver ao vivo ele sendo essa mesma pessoa, com o público e com os próprios membros. Eu voltei do show energizada e vou levar para a vida, faria tudo de novo”, afirma.
A jornalista e empresária Joanna Alexandre, 44, também esteve no show do Stray Kids, em São Paulo. Vinda de Recife especialmente para acompanhar a apresentação, ela conta que foi motivada pelo desejo de viver de perto uma experiência que já fazia parte de sua vida de forma intensa. “Queria muito ver como era essa troca e como um grupo de um país tão culturalmente diferente do nosso afetava brasileiros de todas os lugares e idades”, diz.
A relação de Joanna com a cultura coreana começou de forma inesperada: após a morte do pai, foi morar com uma tia de 60 anos, fã de doramas e do BTS. “Achava esse mundo estranho e, por vezes, bobo. Mas assisti meu primeiro dorama e a sensação que tive foi de uma entrega emocional enorme. Era a versão moderna dos livros de banca Júlia, Sabrina e Bianca que permearam a minha adolescência.”
Depois disso, vieram o K-pop e o encantamento pelo BTS: “Foi amor à primeira vista. Descobri um mundo novo, com mensagens positivas e uma entrega de excelência.” Em São Paulo, ela aproveitou para passear pelo Bom Retiro e se aproximar ainda mais da cultura coreana, em encontros com influenciadores e personalidades, que ajudam a divulgar esse universo no Brasil.
• Os shows dos grupos sul-coreanos inauguraram o chamado soundcheck, que é um ingresso especial e a modalidade mais cara para um grupo de fãs, que optam por ver a passagem de som e ter um contato mais próximo com os ídolos;
• Ser fã de kpop envolve colecionar photocards, que são fotos dos grupos e dos membros no tamanho de cartão de crédito. São vendidos avulsos e também acompanham os álbuns;
• Cada grupo dá um nome para o seu fandom, o que gera conexão e senso de pertencimento;
• Faz parte da experiência do show de kpop o uso da lightstick, que é uma iluminação portátil, geralmente trazendo cores e símbolos dos grupos, criando identidade em shows e eventos. Cada lightstick é única e recebe nomes especiais, como a Army Bomb do BTS ou Carat Bong do Seventeen.
BTS: Army
Blackpink: Blink
EXO: EXO-L
Red Velvet: ReVeluv
Twice: Once
Seventeen: Carat
Monsta X: Monbebe
(G)I-DLE: Neverland
ITZY: MIDZY
Stray Kids: Stay
NCT: NCTzen
TXT: Mos
Aespa: MY
IVE: IVE
Le Sserafim: Fearnot
Astro: Aroha
The Rose: Black Rose