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Roberto Midlej
Publicado em 17 de agosto de 2023 às 06:00
Nascido em Mairi - a cerca de 300 km de Salvador - e criado no sertão baiano, o cineasta Aly Muritiba (Deserto Particular/2021) sempre notou que o cinema nacional pouco retratava o sertão contemporâneo. E, quando retratava, era de uma maneira desconectada com a realidade atual, para ele. "O sertão também é cosmopolita, lá tem o garoto que usa a camisa do Barcelona, da mesma maneira que um garoto que vive em Tóquio", observa o cineasta.
E foi o desejo de mostrar um sertão correspondente à atualidade que, entre outros fatores, despertou em Aly o interesse em dirigir a série Cangaço Novo, que estreia nesta sexta-feira (18) no Prime Video, com os oito capítulos disponíveis de uma só vez. "Quando fui apresentado ao projeto, fiquei encantado com a possiblidade de mostrar este sertão onde o ancestral convive com o arcaico de uma maneira contraditória, mas também simbiótica com o mundo contemporâneo e tecnológico", afirma o baiano, que divide a direção com o paulista Fábio Mendonça.
A série conta a história de Ubaldo (Allan Souza Lima), que foi exonerado do Exército e, tempos depois, demitido do banco em que trabalhava. Com o pai adotivo na UTI, desesperado, Allan resolve ir para o sertão cearense, onde pretende receber uma herança, que descobriu recentemente ter direito. Mas, para receber, terá que entrar em acordo com as irmãs Dilvânia (Thainá Duarte) e Dinorah (Alice Carvalho), com quem nunca teve convívio próximo.
Ao chegar na casa das irmãs, é hostilizado e rejeitado por Dinorah. Logo, ele descobre que essa irmã é a única mulher em uma gangue de ladrões de banco. De pulso firme, muito valente, Dinorah rejeita qualquer acordo com o irmão e até o ameaça.
Ubaldo descobre que seu pai era um homem cultuado por ali e, pela semelhança que tem com ele, passa também a ser idolatrado pela população local, até ser chamado a cumprir seu destino como o novo mítico cangaceiro e líder supremo da gangue. Ubaldo terá que enfrentar bandidos, assassinos, policiais corruptos e explodir bancos enquanto embarca em sua jornada.
Estética
Apesar desses ingredientes, Aly diz que o espectador não vai ver uma tentativa de copiar a estética do cinema americano comercial. O cineasta defende que há mais semelhança com o estilo de filmes como Amores Brutos (do mexicano Alejandro González Iñárritu) e o estilo de diretores como o brasileiro Walter Salles e os belgas Irmãos Dardenne.
Mas a série não se limita a exibir a bela paisagem sertaneja nem a criar cenas de ação estilosas. Há também ingredientes dramáticos importantes, como a relação entre os três irmãos. E é isso que deve ser o diferencial da produção para conquistar também o público internacional, segundo Malu Miranda, Head de Conteúdo Original Brasileiro do Prime Video: "O cerne da história é o drama familiar, são irmãos buscando respostas sobre a ancestralidade deles, buscando entender suas identidades e se conhecendo de maneira profunda. Além disso, buscam conhecer sua terra e sua origem e isso é extremamente universal. Então, isso fala com o resto do mundo".
As filmagens aconteceram em seis cidades do Rio Grande do Norte e Paraíba, em duas regiões sertanejas: Seridó e Cariri. Alice Carvalho, que interpreta Dinorah, integrante da gangue, defende que a vegetação e o clima são personagens da série e, sem esses elementos, ela acha que não teria o tônus ideal para a interpretação. "Tinha dias ali que eu fazia duas flexões e já tava com o cão no couro. Dinorah chegava imediatamente e nem precisava meia hora", brinca Alice, com seu acentuado sotaque potiguar.
O sotaque da série, por sinal, é autêntico, já que o elenco é quase 100% nordestino. Além dos atores e atrizes citados, há participação de Marcélia Cartaxo, Luiz Carlos Vasconcelos e Hermila Guedes. Entre os principais intérpretes, só uma não é do Nordeste: Thainá Duarte, a Dilvânia. Mas ela nem teve que mudar o sotaque, já que sua personagem é muda.
"Queríamos ter o Nordeste em tudo. Fomos pra lá bem antes das filmagens, um processo de oito meses. Incorporamos gírias, jeitos de andar e de olhar. Inicialmente, Ubaldo seria de lá, mas ficamos tão impactados com o sertão que mudamos a história para ele ter o mesmo choque que nós, de fora da região, tivemos com o que encontramos lá", diz Fábio Mendonça.
Cangaço Novo foi exibida publicamente pela primeira vez no Festival de Gramado, na última segunda-feira e foi a primeira série a ser exibida na história do evento. Os roteiristas são Fernando Garrido e Erez Milgrom e a produção é da O2 Filmes, de longas como Cidade de Deus. A criação é de Mariana Bardan e Eduardo Melo, que também atuam como roteiristas.