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Estadão
Publicado em 18 de janeiro de 2024 às 06:00
Um cineasta menos habilidoso teria feito de Segredos de um Escândalo, que estreia hoje (18), um mero true crime. Mas, nas mãos de Todd Haynes (Longe do Paraíso/2002 e Carol/2015), o filme sobre uma mulher de 30 e poucos anos que se envolve com um menino de 13 disputou a Palma de Ouro em Cannes, frequentou as listas de melhores do ano da crítica dos Estados Unidos e concorreu a quatro Globos de Ouro.
Não será surpresa se aparecer na lista de indicados ao Oscar. “Logo de cara, eu vi que havia um tom observador no roteiro, que pedia uma filmagem diferente, encorajando o espectador a pensar no que está assistindo, enquanto está assistindo”, diz ele.
O roteiro, premiado pela Sociedade Nacional de Críticos de Cinema como o melhor de 2023, inspira-se numa história real: em 1997, a professora Mary Kay Letourneau, casada e mãe de quatro filhos, começou um relacionamento com Vili Fualaau, seu aluno da sexta série. Ela tinha 34, e ele, 12. Ela foi presa por de estupro de menor. Enquanto cumpria a pena, teve a primeira filha com Fualaau. Solta, voltou a procurá-lo, engravidou e foi presa novamente. Após a soltura em 2005, os dois se casaram e ficaram juntos por 12 anos.
Em Segredos de um Escândalo, vemos Gracie (Julianne Moore) e Joe (Charles Melton) depois de 20 anos de casamento. No filme, ela trabalhava em um pet shop e se envolveu com o colega de trabalho que tinha 13 anos na época. Agora, o casal se prepara para ver o ninho ficar vazio. Com a filha mais velha na universidade, é a vez dos gêmeos deixarem a casa dos pais.
É bem nesse momento de mudança que chega Elizabeth (Natalie Portman), atriz que vai interpretar Gracie. A vinda de Elizabeth, que pretende estudar a família, acaba bagunçando a dinâmica da casa. Haynes estabelece um jogo de espelhos, muitas vezes de maneira bem literal. Numa cena das mulheres diante do espelho, uma imitando a outra, há a clara referência de Quando Duas Mulheres Pecam (1966), de Ingmar Bergman. Outros filmes do cineasta sueco, como Sonata de Outono (1978), também centrado em duas mulheres, serviram de inspiração para Haynes, que, como Bergman, é famoso por criar personagens femininas complexas.
A maior surpresa é Charles Melton (de Riverdale). Além de concorrer ao Globo de Ouro, ele ganhou o Gotham de performance coadjuvante e foi eleito o melhor ator coadjuvante pela Sociedade Nacional de Críticos de Cinema e pelo Círculo de Críticos de Cinema de Nova York. Seu Joe é um homem de quase 40 anos ainda tratado como menino tanto por sua mulher. “Joe, para mim, representa a inocência, ele está no meio dessas duas mulheres extremamente seguras de si”, avalia Melton. “Elizabeth chega fazendo perguntas que Joe nunca se fez.”, completa.
O uso de espelhos, portanto, não é casual. Elizabeth está ali para fazer Gracie e Joe enfrentarem questões que talvez tenham evitado ao longo de mais de duas décadas. “Uma das preocupações quando retratamos histórias reais, seja como atores, jornalistas ou documentaristas, é quanto a apresentação desses fatos não afeta a vida das pessoas e o desenrolar da história em si”, pondera Portman. “É possível entrar nessa realidade sem se tornar parte da história? Eu não sei. Mas a Elizabeth não está muito preocupada em ser ética”, completa. Vili Fualaau não gostou do que viu e disse que não foi consultado, apesar de a produção ser uma ficção.
Segredos de um Escândalo não julga os personagens. “Claro que a diferença de idade entre Gracie e Joe é moralmente complicada e perturbadora”, avalia o diretor. “Ao mesmo tempo, o relacionamento dos dois sobrevive a toda exposição durante duas décadas. Eu também acho interessante mostrar mulheres seguindo seus desejos, mesmo que inapropriados. Será que a comoção seria tamanha se fosse um homem no lugar de Gracie?”, questiona.
A intenção de Haynes, de certa forma, era colocar um espelho diante do espectador também: “Eu acho que as pessoas esperam que filmes e séries tenham ideias muito claras sobre os personagens e sobre como são mostrados, para que confirmem o que elas já pensam. E Segredos de um Escândalo não permite que façam isso”. Por isso, ele está feliz com a repercussão de seu filme, que não condena e nem absolve seus personagens e não diz ao espectador o que pensar ou sentir, por mais estranhos que sejam.